terça-feira, 29 de abril de 2008

Machado de Assis em Cordel


A CARTOMANTE (O CORDEL)

Quem conhece um pouco de Literatura de Cordel sabe que é comum se fazer adaptações de grandes obras literárias para o cordel. O site
Literatura Livre nos lembra que:

"Os Miseráveis", adaptação do cearense Klévisson Viana para o clássico homônimo de Victor Hugo, é um exemplo daquilo que o cordel é atualmente. O livro abre a coleção Clássicos em Cordel, da editora paulista Nova Alexandria, ao lado de outra adaptação do autor francês - "O corcunda de Notre-Dame", história pinçada do livro "Paris de Notre-Dame" e transposta para o sertão nordestino pelo poeta alagoano João Gomes de Sá. Dirigida pelo também cordelista Marco Haurélio, a coleção se propõe a transformar em prática sistemática a adaptação de grandes obras da literatura mundial para a linguagem do cordel, observada aqui e acolá ao longo da trajetória do cordel.

Bem, já havia um tempo que eu pensava em fazer uma adaptação assim. Semana passada estive relendo o conto "A Cartomante", de Machado de Assis, e pensei: "Dá pra transformar em cordel!".

Foi assim. O resultado é o que mostro a seguir:

Antes de começar a narração
Peço toda a atenção dos meus leitores
Pra lembrar de um dos grandes escritores
Que elevam o nome da nossa nação.
O que eu faço é uma adaptação
De uma obra genial e intrigante.
Esse famoso conto “A Cartomante”
De um dos grandes escritores do país.
Sua benção, Machado de Assis,
Que em tudo que fez foi tão brilhante!

A CARTOMANTE
(Adaptação da obra de Machado de Assis para a Literatura de Cordel)
Marcos Mairton

A nossa história começa
Na hora em que dois amantes
Encontrando-se em segredo
Falavam em cartomantes.
Contava a moça ao amado
Que havia se consultado,
Com uma um dia antes.

O rapaz era Camilo,
O nome da moça: Rita.
Ela, então, dizia a ele
Que andava muito aflita
Pois temia que o rapaz
Já não lhe amasse mais
Nem lhe achasse mais bonita.

Que, por isso, tinha ido
Consultar-se com a vidente
Para ver se em suas cartas
Ficaria aparente
Se o amor permanecia
Ou se já esmaecia
Tornando-se decadente.

O rapaz ria daquilo.
Quase não acreditava
Nas coisas que a bela Rita
Nessa hora lhe contava.
E, segurando sua mão,
Acalmou seu coração,
Dizendo que lhe amava.

Dizia: “Rita, meu bem,
Não sofras dessa maneira.
Tu és o meu grande amor,
Minha paixão verdadeira.
O que mais quero na vida
É ter você, ó querida,
Pela minha vida inteira”.

Diante dessas palavras
A moça se acalmou
E disse para Camilo:
“A cartomante falou
Que eu gosto de alguém
Que gosta de mim também,
E vejo que ela acertou”.

Camilo riu outra vez:
“Acreditas realmente
Que essa mulher vê nas cartas
A vida de toda gente?
Que desvenda o seu passado
E o que está programado
Pra encontrar pela frente?”

Rita disse: “Eu acredito,
Mesmo vendo que não crês.
Pois sei que há muitos mistérios
Na terra e no céu que vês”.
Sem saber, dizia Rita
Uma frase que foi dita
Por um escritor inglês.

Naquele instante Camilo
Tinha ainda o que falar
Mas, logo ele achou que era
Mais sensato se calar,
Pensando com seus botões:
“São apenas ilusões,
Não vou me incomodar”.

Camilo foi educado
Por uma mãe dedicada
Que, por crer muito nos outros,
Terminou sendo enganada.
Talvez por esse passado,
Camilo, desconfiado,
Não acreditava em nada.

Camilo, então, beijou Rita,
E assim despediu-se dela.
Recomendou que, ao sair,
Ela tivesse cautela.
Precisavam ser espertos
Pra não serem descobertos
Por seu marido Vilela.

Vilela, Camilo e Rita.
Três nomes, uma só trama.
Passo agora a lhes contar
O começo desse drama
De amor e de amizade
Paixão e infidelidade,
De quem trai e de quem ama.
(...)

Atendendo recomendações editoriais, estou mantendo apenas parte do texto. Espero que em breve a obra esteja publicada.



Creative Commons License
Esta obra está licenciada sob uma Licença Creative Commons.




quinta-feira, 24 de abril de 2008

O cordel, o sobrenatural e a poesia de quem julga (Marcos Mairton)



SEGUNDA EDIÇÃO DE
“O ADVOGADO, O DIABO E A BENGALA ENCANTADA”

Ficou pronta ontem, impressa pela Editora Queima Bucha, de Mossoró-RN, a segunda edição do meu cordel “O ADVOGADO, O DIABO E A BENGALA ENCANTADA”.
Mantive a xilogravura da capa original, um desenho de Cosmo e xilogravura de Airton, da Lira Nordestina, de Juazeiro do Norte.

É uma alegria ver, esse que foi o meu primeiro cordel publicado, ser impresso novamente, para se espalhar pelo mundo, levando a Literatura de Cordel a tanta gente.

Esta, aliás, tem sido uma semana de muitas alegrias.
Primeiro, recebi a notícia de que meu livro “UMA SENTENÇA, UMA AVENTURA E UMA VERGONHA; e outras poesias de cordel” está esgotado. Vou deixar alguns exemplares na Livraria Oboé, em Fortaleza, mas meu estoque também está no fim. Já falei com Gustavo Luz, da Queima Bucha, para fazermos uma segunda edição o mais rápido possível.

Depois, meu amigo, Rouxinol do Rinaré me enviou a primeira prova do meu primeiro cordel infantil, que está sendo ilustrado por Rafael Limaverde e editado pelo IMEPH. As ilustrações estão ficando muito boas. É difícil controlar a ansiedade para vê-lo circulando. Mas, é preciso aguardar. Ainda não posso revelar o título, mas trata de tema ecológico e deverá estar pronto ainda este ano.

Já que estou falando de minhas obras mesmo, fecho com uma poesia sobre as atividades de juiz e de poeta, que declamei na terça-feira no programa de televisão “Momento do Trabalhador” da TV Cabo Mossoró – TCM, organizado pela Escola Superior de Magistratura do Trabalho da 21ª Região – ESMAT21.

A poesia foi apresentada inicialmente na abertura do V ENCONTRO DE JUÍZES FEDERAIS DA 5ª REGIÃO, no dia 08 de outubro de 2007, em Natal-RN. Naquela ocasião, estava presente o professor italiano Mario Losano, então aproveitei para fazer a seguinte brincadeira:
Una parola speciale
Per il dottore italiano,
Chi ha parlato qui, per noi,
Chi è venuto dal lontano.
Molte grazie, professore.
Sono un tuo admiratore,
Auguri, Mario Losano.
Mas, vamos à poesia:

POESIA E MAGISTRATURA
Marcos Mairton

Certa vez, fui perguntado
Sobre como eu conseguia
Dedicar-me à poesia
Sendo eu um magistrado.
Vivendo tão ocupado,
Com as questões do Direito,
Como é que dava jeito
Para escrever rimando,
E também metrificando,
Fazendo verso perfeito?

Eu, antes de responder,
Calado, pensei assim:
Quem pergunta isso pra mim
Não conhece o “métier”
De quem tem que resolver
Toda sorte de conflito.
Que de perto escuta o grito
Da nossa sociedade,
Clamando por igualdade,
Pedindo pena ao delito.

Ser poeta e ser juiz
O que há de estranho nisso,
Pra quem tem o compromisso
De ouvir a parte o que diz?
Que vê o olhar feliz
De quem ganhou a questão
E tem a satisfação
De sentir que fez Justiça
Reparando a injustiça
Que atingiu o cidadão?

Eu penso que a poesia
Está em todo lugar,
E quem vive a julgar
A encontra todo dia:
Quando o parquet denuncia
Quando o réu faz sua defesa
Quando a polícia traz presa,
Gente por ela detida,
É a poesia da vida
Que me chega de surpresa!

A poesia aparece
Quando o advogado
No pedido formulado
Diz: - Doutor, ela merece,
Todo dia sobe e desce
A ladeira da “Queimada”
Carregando uma enxada
Para trabalhar na roça
Não é justo que não possa
Ser agora aposentada.

A poesia é presente
No olhar do acusado
Seja quando é culpado,
Seja quando é inocente.
Na testemunha que mente,
E na que fala a verdade.
Na imparcialidade
Que todo juiz queria.
Veja quanta poesia
Em nossa realidade.

Por isso eu acho normal
Que todo bom magistrado
Venha a ser considerado
Poeta em potencial.
Incorre em erro fatal
Quem quiser fazer sentença
Somente com o que pensa
Sem revelar o que sente.
Um juiz desse, é urgente
Que se afaste, de licença.

Tulio Liebman lecionava,
Que a sentença é assim,
Vem de “sentire”, em latim,
E, dessa forma, ensinava:
Que na sentença se grava
Não somente o pensamento,
Mas também o sentimento
Do juiz que a profere.
Que ninguém desconsidere
Esse grande ensinamento.

Se o poeta, realmente,
Não é mais que um “sentidor”.
Que chega a sentir que é dor
“A dor que deveras sente”,
Juiz não é diferente
Quando cumpre sua função.
Mesmo quando a decisão
Em versos não se transforma
Na aplicação da norma
Há uma carga de emoção.

Fique tranqüilo, portanto,
Meu colega, magistrado,
Se, agora, aí sentado,
Lhe surpreender o pranto.
Pois não será por encanto,
Magia ou maldição.
É só manifestação,
Que nesse instante sentiste,
Do poeta que existe
Dentro do seu coração.

quarta-feira, 23 de abril de 2008

Cordel e celebridades (Sávio Pinheiro)



"O ARRANCA-RABO DE YOKO ONO COM MARIA BONITA"
OU "A DESANVENTURA DE JOHN LENNON E LAMPIÃO"
Autor: Sávio Pinheiro, médico e cordelista natural de Várzea Alegre-CE, que, segundo notícia do Jornal A Praça, de Iguatu, de 25.08.2007, "vem usando a literatura de Cordel para divulgar seus projetos na área de Saúde da Família e por conta disso já ganhou vários prêmios nesta área em todo o Brasil". Quem enviou o material foi meu amigo e colaborador Ricardo Piau, varzealegranse dos bons, morando no Juazeiro do Norte do meu Padim Ciço.

No mundo, ao qual habitamos,
As injustiças imperam
As guerras se multiplicam
As vidas se desoneram
E sem justiça social
Os povos se desesperam.

No século, que se passou
Houve muita tirania,
Assisti guerras horrendas,
Multidões em agonia,
Porém, a paz almejada
Não saiu da fantasia.

O tempo assim vai passando...
A esperança também!
A insegurança aumentando
Não tem pena de ninguém
E a tão sonhada igualdade
Voa alto... Muito além!

Nesse cenário esquisito
Observo sempre, atento,
O pensamento reinante
Do povo em movimento
E um caso interessante
Narro aqui, nesse momento.

Certo dia de domingo,
Num plantão no hospital,
Atendi a um paciente,
Que em sua casa passou mal,
Tendo um quadro de delírio
Quase sobrenatural.

Narrativa de valor
Chamou a todos à atenção:
Um homem muito educado
De bem traçada feição
Após grande bebedeira
Pôs a mente em confusão.

Um episódio delirante
Após parar de beber
Fez-lhe bastante agitado
Sem vontade de viver
Porém, ao ser medicado
Filosofou com prazer:
- Eu sempre fui defensor
Da justiça social
E eterno incentivador
Da concórdia universal,
Daí, nutrir grande crença
De ver a paz mundial.

Enquanto o homem sonhava
O seu olhar foi pro teto
Vislumbrou grandes besouros
Sob a laje de concreto
E delirando, de fato,
Foi falando bem direto:

- Silêncio! Peço silêncio!
Pois assisto a uma visão:
Vejo uma mulher brigando
Xingando uma outra, então,
É a esposa de John Lennon
Com a mulher de Lampião.

Yoko:
Quem você pensa que é
Cangaceirinha atrevida
Pra falar mal do meu Lennon,
Que defendeu sempre a vida,
Você tem é muita inveja
Por ser tão desprotegida.

Maria:
Não me sinto garantida
Nesse mundo injustiçado,
Onde o rico oprime o pobre
Com plano já bem traçado;
Pois se o Lennon quis a paz
Não chegou no meu roçado.

Yoko:
Um planeta abençoado
Foi o que Lennon mais pediu.
Criticando sempre as guerras,
Da violência, fugiu,
Não concretizando o sonho
Do nosso mundo partiu.

Maria:
Sei o quanto ele insistiu
Nessa determinação
E que utilizou o rock
Com bastante precisão
Porém, foi assassinado
Como foi o meu Lampião.

Yoko:
Neste ponto, tens razão,
Ó criatura rural!
Pois a dupla sucumbiu
Na busca de um ideal:
O Lennon buscando o bem
E o teu Lampião, o mal.

Maria:
Se ele usou o seu punhal
Na labuta do cangaço
Foi para fazer justiça
Com fé e sem embaraço
Numa afronta aos coronéis
Que mandavam no pedaço.

Yoko:
Virgem fica sem espaço
Nas andanças do teu bando
Pois o grupo em algazarra
Pela mata ia estuprando
As donzelas mais bonitas:
Era assim, de quando em quando.

Maria:
Já que queres me lembrar
De pendenga sexual
No bando de Liverpool
Tinha um rapaz genial
Que traçava gente moça
Mesmo intelectual.

Yoko:
Não compare o bem com o mal
Catitinha do sertão
O John Lennon tinha estampa
Era um tipo bonitão
Tinha os seus cabelos longos
E artefato na visão.

Maria:
Parece é com Lampião
A sua descrição veemente
Pois Virgulino ostentava
Sua fama de valente
Com uns óculos redondinhos
E cabeleira decente.

Yoko:
Tu tens fama de valente
E és bastante atrevida
Em comparar o teu marido,
Semelhança merecida,
Porém, a mente, do meu
Tem pureza garantida.

Maria:
Não se faça de vencida
Japonesa alvoroçada.
Tu mandas no teu marido
E ele só tem fachada;
Os ingleses que o digam
Sua cobra disfarçada.

Yoko:
A nossa rainha amada
Deu-lhe um título de valor
Membro do Império Britânico
Foi cedido a primor
Devido a sua importância
O chamaram de senhor.

Maria:
Ele viveu o esplendor
Na certa, bem merecido;
Todavia, Lampião
Não ficaria esquecido;
O título de Capitão,
Deu-lhe as tropas, do partido.

Yoko:
O governo ressentido
Com o Carlos Prestes em ação
Cedeu-lhe a nobre patente,
Mas não deu de coração,
E jogo de interesse
Para mim não vale, não!

Maria:
O jogo da sedução
Habita todo Poder.
A rainha Elisabeth
Também quis enaltecer
Os interesses do Reino
E a todos favorecer.

Yoko:
A mídia lhe dá prazer,
Vejo bem em seu olhar,
Pois falas com emoção
Ao, este tema, abordar
A política te fascina
Você não pode negar.

Maria:
Insisto em acreditar
Que um dia vencerei,
Pois com a vida cangaceira
Jamais edificarei;
Porém, temo que este sonho
Eu jamais construirei.

Yoko:
O sonho é o nosso rei
É o nosso grande acalanto
Você sonha em ser livre
Eu já sonho com o canto
O canto da paz fraterna
Para mascarar o pranto.

Maria:
Na realidade eu me espanto
E o meu sonho de desfaz;
Não acredito em mais nada
Tenho esperança fugaz
E o seu John Lennon querido
Nunca foi um bom rapaz.

Yoko:
Você nunca terá paz
Com amargura tamanha.
Mesmo você bem trajada
E com toda essa artimanha
Nesse modelo esquisito
Até parece uma estranha.

Maria:
A minha grande façanha
No sertão ou na cidade
É trabalhar bem o couro
Com enorme variedade
Bordar, cozer e cerzir
Dá-me enorme vaidade.

Yoko:
Com toda cumplicidade
Quero aqui me permitir
Dizer que o John Lennon tinha
Nobre gosto no vestir
E sendo ele bem vaidoso
Sempre soube construir.

Maria:
Eu venho aqui garantir
Que o Virgulino disputa:
Em moda, ele é mais esperto
Que qualquer filho da puta,
Desculpe o atrevimento
Mas você não me recruta.

Yoko:
Você não sabe a labuta
De vestir-se bem decente
O Lennon, em várias lojas,
Só compra roupa atraente
Diferenciando o ídolo
Do normal de muita gente.

Maria:
O ídolo é quem faz a mente,
Muda o costume do novo,
Porém, Lampião é mito
E o mito quem faz é o povo
Sua roupa não é comprada,
É autêntica como um ovo.

Yoko:
Repita você, de novo,
Que Lampião é o melhor!
Na criação e no canto
O Lennon é muito maior
Na busca da liberdade
A guerra ficou menor.

Maria:
No quanto pior, melhor,
O cangaço teve astral
Na escopeta, na bala,
Nós fizemos tudo igual
Na busca da liberdade
A guerra foi natural.

Yoko:
O Lampião fez por mal
Tantas coisas no sertão:
Capando homens de bem
Roubando feito ladrão
Foi pior que Satanás,
Isso eu não entendo, não!

Maria:
Homem de bom coração
No bom Deus ele acredita
O Lampião tinha a fé
O Lennon tinha a catita
No chão, foi tão conhecido
Quanto Jesus, ele cita.

Yoko:
A sua filha Expedita
Sabe que não foi assim.
Quando falou em Jesus
Não foi querendo ser ruim
Só quis demonstrar prestígio,
Ele confessou a mim.

Maria:
Você foi o estopim
Do sonho que acabou
Manipulou o John Lennon
O seu fã-clube frustrou
Desfez a Beatlemania
Sua mão pequena abalou.

Yoko:
A mão pequena afastou-me
Do sonho bom do meu pai
De tornar-me pianista,
A lembrança não me sai.
Daí, passei a cantar
Pois o sucesso me atrai.

Maria
Tua mão pequena não vai
Dedilhar num recital
Bem diferente de mim
Que tem um par bastante igual
E que com habilidade
Manuseio o meu punhal.

Yoko
Cabeçuda sem astral
Você só ver violência
Lennon elevou a cabeça
Pela sua inteligência
E pregou a paz no mundo
Com bastante paciência.

Maria
Não venha com eloqüência
Desmerecer o cangaço
Tivemos um ideal
Preenchemos nosso espaço
Também tivemos cabeças
Não víamos um embaraço.

Yoko
No sufoco do mormaço
Da caatinga abandonada
Vi o teu herói nordestino
Ter a cabeça elevada
Não por ter inteligência
Mas por tê-la decepada.

Maria
Fico decepcionada
Pela maneira brutal
Que você retrata o mito
Como de fosse um animal
Porém demonstro a você
Um Lampião imortal.

Yoko:
Eu sou internacional
E devo admitir:
Que o cangaço teve história
Fez o oprimido sair
Clamando por liberdade,
Só desejando ir e vir.

Maria:
Crendo muito no porvir
Sou também universal
Os Beatles fizeram história
Lennon tornou-se imortal
Clamando por liberdade
Pregou o amor fraternal.

Yoko e Maria:

No tablado da vida vai crescer
A esperança do povo em tom de crença
Desistindo, porém, da desavença
Que nutria o cangaço pra valer.
John Lennon lutou pra fortalecer
O seu franco ideal de liberdade.
Lampião trabalhou com crueldade
Pra justiça social crescer valente
Matou cabo, soldado e muita gente
Nessa luta cruel por igualdade.

sexta-feira, 18 de abril de 2008

Cordel e dramas de família (José Ribamar Alves)


MEIA DÚZIA DE CORDÉIS



Depois de amanhã completam-se dois anos do lançamento do livro MEIA DÚZIA DE CORDÉIS, do poeta e repentista JOSÉ RIBAMAR ALVES, de Mossoró. Estive no lançamento, e ainda ontem estava relendo o livro, dedicado pelo autor.


Do site da Editora Queima-Bucha, do meu amigo Gustavo Luz, peguei a matéria a seguir, publicada à época no jornal Correio da Tarde:


Literatura de cordel e a conquista de novos espaços A literatura de cordel vem conseguindo cada vez mais espaço e se consagrando como a forma mais popular de expressão literária.Em Mossoró esta expansão vem sendo comemorada pelos cordelistas que se sentem motivados a desenvolver novos projetos voltados para a cultura popular.O repentista e cordelista José Ribamar Alves é um exemplo do crescimento da literatura de cordel no Rio Grande do Norte. Atualmente o artista popular está fazendo um trabalho de divulgação do cordel em Natal. O projeto consiste em levar ao conhecimento de todo o estado os títulos de vários cordelistas de Mossoró e região.Para Ribamar, o momento atual vivido pela cultura popular representa uma grande abertura para todo os artistas que fazem arte e cultura. “Aqui em Mossoró o espaço para a Literatura de Cordel vem crescendo e devemos isto ao trabalho de divulgação feito através de parcerias com entidades e empresas como a Editora Queima Bucha e a Fundação Vint-un Rosado”, relata.O mais recente projeto do repentista Ribamar Alves é o livro ‘Meia Dúzia de cordéis’, que será lançado no próximo dia 20 em Mossoró. Na obra ele reuniu os seis cordéis de sua autoria que fizeram mais sucesso e que foram mais vendidos. O lançamento acontecerá às 20h no Restaurante Kasebre, localizado na Rua Jerônimo Rosado, 239, Centro.A noite de lançamento será marcada por uma grande festa popular que contará com a participação de vários repentistas, poetas, entre outros artistas e convidados. O poeta popular Antônio Francisco será uma das atrações da noite.O livro está sendo editado pela Editora Queima Bucha.José Ribamar, um poeta muito popularO cordelista José Ribamar Alves é natural da cidade de Caraúbas. Filho de agricultor, e apesar de não ter concluído sequer o segundo ano primário, aprendeu com a literatura de cordel a produzir seus próprios cordéis. Hoje acumula 17 títulos publicados com as mais variadas histórias.‘Falando do meu sertão’, foi primeiro cordel publicado e desde então o poeta popular não parou mais de produzir e passar par o papel o seu pensamento e as histórias que conhece. Apesar de ser caraubense, Ribamar conhece bem a história de Mossoró. Tanto que transformou este conhecimento em cordel, lançando os títulos: ‘Detalhes sobre a cidade que combateu Lampião’, volumes I e II. Sayonara Amorim - Correio da Tarde


Em homenagem ao poeta, Mundo Cordel traz hoje a obra:

ARMADILHA DO DESTINO

Eis aqui, digno leitor,
Uma poética invenção
Digamos que baseada
Em uma justa razão
Pela qual o filho bota
O próprio pai na prisão.

Numa cidade de dez
Mil habitantes do mais,
Moravam João e Eva
O mais simples dos casais.
Genitores da mais bela
Das moças regionais.

Essa moça se chamava
Núbia dos Santos Vilela.
Tinha dezenove anos
Quando fez por ser tão bela
Um jovem da mesma idade
Se apaixonar por ela.

Os pais de Núbia diziam
Pra ela dessa maneira:
“Esse rapaz não a quer
como única companheira.
Pense no futuro, antes,
De fazer uma besteira.

Núbia, sentindo também
Paixão pelo jovem fez
Um bilhete que dizia:
Wladimir dos Santos Reis,
Em três dias, ou me rouba,
Ou me perde de uma vez.

Três dias após ter lido
O bilhete perfumado,
Wladimir roubou a jovem
Por quem era apaixonado,
Mas o amor deles dois
Não durou o esperado.

Com dois meses Wladimir
Pra são Paulo fez partida.
Deixou Núbia no Nordeste,
Desprezada e ofendida.
Além de grávida, sem teto,
E refeição garantida.

Rejeitada pelos pais,
Ela ficou na cidade.
No lar de um de outro
Que tinham boa vontade,
Nutrindo o filho no ventre,
Com o pão da caridade.

No dia em que ela teve
O filho no hospital.
Pra não criá-lo sofrendo,
O doou para um casal
Que o levou pra morar
em São Paulo capital

Júnior Tabosa Mesquita,
Sargento de alto valor,
E ana Dutra Mesquita,
Esposa de tal senhor,
Como não tinham família
O adotaram com amor.

O casal lá em São Paulo
Quando chegou registrou
Como seu filho legítimo
O menino que ganhou
E, no qual Mesquita Júnior
Foi o nome que botou.

Mesquita, como sete anos,
Cuidade pelo casal,
Começou a estudar
Num colégio especial
Reservado para os filhos
Da polícia federal.

O menino tinha tanta
Vocação para estudar
Que todo ano, nas provas,
Era o primeiro lugar,
De uma série para a outra
Não ficava sem passar.

Findou o segundo grau
Com 16 anos de idade,
Passou no vestibular
Com ampla facilidade,
Abrindo as portas da mente
Pra os céus da faculdade.

Para estudar Direito
Rejeitou Geografia,
Sociologia e Letras,
Medicina, Agronomia,
Também Contabilidade,
Botânica e Economia.

Quando vinte e cinco anos
Completou, ficou feliz.
Na hora que conseguiu
Ser declarado juiz
Chefe da 1ª Vara
Criminal, que tanto quis.

Com quatro anos depois
Conquistou Bruna Salém
Uma jovem promotora,
Simpática como ninguém,
Com ela fez matrimônio
Levou sorte e se deu bem.

No mesmo mês, Dona Bruna,
Por ser muito atarefada
Mandou buscar no Nordeste
Uma mulher não casada
Com mais de quarenta anos
Para ser sua empregada.

Uma parenta de Bruna,
Atendendo seu pedido
Lhe telefonou dizendo:
“Seu caso está resolvido,
Enviei uma mulher
Separada do marido”.

Tem quarenta e oito anos,
Não sai de casa pra festa,
Onde vai, dá-se ao respeito,
Não anda com quem não presta,
É muito trabalhadora,
Séria, humilde e honesta.

Depois de tudo acertado
Núbia dos Santos Vilela
Foi trabalhar para Bruna
Em São Paulo, com cautela,
Sem saber que o juiz
Era o próprio filho dela.

Ouviu Núbia, certo dia,
Na hora da refeição,
Mesquita dizer pra Bruna:
“Mandei para detenção,
Wladimir dos Santos Reis
Que assassinou o patrão.

Dei pra ele trinta anos
De reclusão numa cela”.
Quando findou o assunto,
Disse pra esposa bela:
“Vamos visitar mamãe,
Estou com saudade dela”.

Núbia também foi com eles
Passar o fim de semana.
Ao chegarem na mansão,
De porta veneziana,
Avistou Júnior Tabosa
Ao lado de Dona ana.

Ambos mudaram de cor
Quando se reconheceram...
De surpresa e emoção
Naquela hora tremeram.
Mas, Bruna e Mesquita Júnior
O porquê não entenderam.

Dona Ana perguntou:
“Anda procurando alguém?
O que é que faz aqui?”
Núbia disse: “Muito bem,
Trabalho na residência
De dona Bruna Salém”.

Nessa hora, uma pergunta,
O doutor Mesquita fez:
“Meus pais, vocês a conhecem?”
Falaram com timidez:
“Essa é a mulher do réu
Wladimir dos Santos Reis”.

Núbia, nessa hora pôs
Os joelhos sobre o chão.
Disse: “Eu sou sua mãe.
Filho, me dê seu perdão.
Lhe dei para não lhe ver
Sofrer tanta precisão”.

Seu pai me abandonou
Sem haver necessidade.
Ele é aquele homem
Que vossa autoridade,
Cumprindo as regras da lei,
O jogou por trás da grade.

Até a porta da cela,
Mesquita penalizado,
Foi com os pais adotivos
E a mãe legítima de lado
Olhar o pai verdadeiro
Por ele sentenciado.

Núbia disse: “Veja o filho
Que você deixou em mim.
Wladimir pediu perdão
E seu filho disse: “Assim,
Lhe condenei justamente
Mas não desejo seu fim”.

Núbia, na casa do filho,
Deixou de ser empregada.
Por Júnior Tabosa e Ana
E Bruna foi abraçada.
Mesquita sentiu remorso,
Da condenação pesada.
E Wladimir ficou preso
Cumprindo a sentença dada.

terça-feira, 15 de abril de 2008

Cordel e livro (Costa Senna)



COSTA SENNA ACÚSTICO EM: “ECOS LÓGICOS”
- Do Repente ao REP -
(Texto enviado pelo poeta Rouxinol do Rinaré. Para acessar fotos e outros textos, pesquisar Costa Senna no Google)

Em noventa minutos, Costa Senna faz um mergulho nas suas raízes de cultura sertaneja e oferece ao público um panorama feito de sons, ritmos e poesia das suas andanças pelos quatro cantos do mundo e, feito um refugiado ambiental, deixa sua mensagem de fé e esperança nos homens, nas mulheres e nas crianças, chamando a atenção de todos para o cuidado com os ambientes nos quais vivem todas as espécies de vida e onde se produzem as múltiplas possibilidades de expressões culturais.


Onde? Teatro do Centro Dragão do Mar, Fortaleza-CE.
Quando? Quarta-Feira, dia 16 de Abril de 2008, às 20h
Inteira: R$ 10,00, Meia R$ 5,00

Produção: Ednaldo Vieira
Direção Musical: Rafael de Sousa



“DEGLUTINDO COSTA SENNA”
Por Assis Ângelo*

A Receita é simples, carece de complicação, não. Quer ver? Dê garra duma boa viola e a ela junte um violão com cordas de nylon bem afinadas; acrescente um ganzá, um triângulo, um pandeiro, um cavaco, um bandolim e algumas pitadas de sensibilidade e talento.
Em algum lugar enfie uma bateria sem muita zoada, uma sanfona ora gemendo ora chorando de satisfação na unha dum bom Zé; um surdo e uma timba pra marcar ponto, mais um baixo, uma castanhola das terras de Pablo Diego José Francisco de Paulo Juan Nepomuceno Maria de los Remédios Crispin Crispiniano Santíssima Trindad Ruiz y Picasso, o assobio do pássaro preto, o canto afinadíssimo do bicudo flauta campeão e a flautinha mágica e simples de Daniela Pacheco pra fazer a gente lembrar que fora do rádio e da televisão de hoje há vida inteligente, sim senhor! e carrada de boa música pra ouvir a qualquer hora do dia ou da noite.
Pra enfeitar, ponha um reco-reco. Pra ficar natural, faça improvisação com um vaso que esteja por perto; toque de leve uns sininhos, mexa num carrilhão, balance com jeito um pau-de-chuva e não esqueça de tirar som dum caxixizinho, dum arozinho de caixa de madeira e dumas torinhas de pau. Pra ficar melhor, misture aqui e ali as vozes de Cristina Araújo, Sandra Salgueiro e das meninas Ornela, Gabriela, Mariana, Joice, Isabele e Beatriz.
Pronto! Agora junte tudo na medida certa, agite bem e dê uns pulinhos de alegria; abra um sorriso bem bonito e com ele ilumine o ambiente, estale os dedos e chame a moçada pra forroriar sob a batuta do brincante cearense Costa Cenna. É folia pra ir madrugada adentro. Confira o que digo pondo logo em prática esta receita, homem de Deis;e aumento o som, viu?
Uma coisinha só: de tão bom, o resultado daí extraído pode ser degrutido do começo pro fim, do fim pro começo, do meio pra trás, de trás pro meio, aos poucos, aos pedaços, aos arrancos e solavancos, de todo jeito; é delícia, é manjar, é poeira do coração das estrelas tomando forma no corpo e na alma de quem nasceu pra ser livre.
Experimente a faixa ao mestre de Assaré e a que nos mostra o Brasil caboclo de mãe Preta e pai João; faça-se criança e viaje pelo abecedário brasileiro; nessa viagem, saborei sem presa a cantilena à Fortaleza, a ode à beleza da mulher, o trava-língua do cacá-caqui, a embolada dos doidos e a cantiga de umbigada. Tudo aqui é muito bom e você há de concordar: a grandeza musical de Costa Senha é do tamanho do nome do genial pintor espanhol citado lá em cima, não é não?

(*Assis Ângelo, Jornalista e escritor paraibando, radicado em São Paulo.É autor dos livros: “Eu vou contar pra vocês”, Biografia de Luiz Gonzaga e do álbum “Patativa do Assaré, o Poeta do Povo”, Biografia de Antonio Gonçalves da Silva, O Patativa do Assaré)


Cordel internacional



Livro de ARIEVALDO VIANA na
Feira do Livro Infanto-Juvenil de Bolonha
Fonte: http://fotolog.terra.com.br/acorda_cordel

A literatura de cordel, descendente brasileira do trovadorismo medieval europeu,conquista seu espaço na 45ª. FEIRA DO LIVRO INFANTIL DE BOLONHA (45th BolognaChildren’s Book Fair 2008) o mais importante evento desse gênero em todo o mundo. O livro PADRE CÍCERO – O SANTO DO POVO, do poetapopular ARIEVALDO VIANA, ilustrado com xilogravuras de JOÃO PEDRO NETO eprojeto gráfico de ARLENE HOLANDA está presente no catálogo da FundaçãoNacional do Livro Infantil e Juvenil – FNLIJ (Brazilian Section of iBbY),comemorativo dos quarenta anos da Fundação, como um dos livros infanto-juvenis altamente recomendáveis.
PADRECÍCERO – O SANTO DO POVO é uma publicação das Edições Demócrito Rocha deFortaleza, editora que vem apostando cada vez mais na poesia popularnordestina. Outros livros do autor, dentro dessa mesma proposta, deverão serlançados em breve por essa grande editora.
ARIEVALDOtem livros publicados também pelas editoras IMEPH (O PAVÃO MISTERIOSO, A RAPOSAE O CANCÃO – indicado pelo MEC, PNBE 2008 e O BICHO FOLHARAL) e lançará embreve, pela CORTEZ, A AMBIÇÃO DE MACBETH E A MALDADE FEMININA, com ilustraçõesde JÔ OLIVEIRA.
Trechosda obra:

Euvou narrar a história
Deum grande brasileiro
Umcearense de fibra
Comfama de milagreiro
Patriarca dosertão
PadreCícero Romão
Osanto de Juazeiro.

É opastor do romeiro
Nessesertão nordestino
Conduziras multidões
Naterra foi seu destino
Sempremostrou vocação
Jágostava de oração
Noseu tempo de menino.

(...)

Com grande facilidade
Atraía as multidões
Que vinham diariamente
Dos mais longínquos rincões
Alguns traziam presentes
Outros traziam doentes
Para escutar seus sermões.

Terminadas as orações
O padre distribuía
Com pobres e maltrapilhos
Parte do que recebia
Praticando a caridade
A sua amada cidade
Rapidamente crescia.

(...)

Embora não seja santo
Perante a Cúria Romana,
O povo diz que ele é,
E seu poder inda emana.
Pois não é ditado novo:
Dizem que a voz do povo
É de Deus e não se engana.

Romeiros chegam a pé
De carro ou de avião
No túmulo do Padre Cícero
Fazem a sua oração
Visitam seu monumento
Pedindo a todo momento
Sua bênção e proteção.


Quem é ARIEVALDO VIANA

ARIEVALDO VIANA nasceu no Sertão Central do Ceará e foialfabetizado por sua avó Alzira de Sousa Lima, em 1974, com o valioso auxíliodos folhetinhos de feira, hoje conhecidos como Literatura de Cordel. Desde criança exercita sua verve poética,tendo recebido a princípio, as benéficas influências dos mestres Leandro Gomesde Barros e José Pacheco, dois pilares da poesia popular nordestina. Refletindo sobre a experiência vivenciada ao lado de suaavó, criou o Projeto Acorda Cordel na Sala de Aula, que utiliza essa ricamanifestação na educação de crianças, jovens e adultos. É membro da Academia Brasileira de Literatura de Cordel -ABLC, onde ocupa a cadeira de nº 40. Tem mais de 100 folhetos já publicados e éautor de vários livros, dentre os quais destacam-se: O Baú da Gaitice (crônicas e anedotas), São Francisco deCanindé na Literatura de Cordel (ensaio), Acorda Cordel na Sala de Aula(didático), A Raposa e o Cancão (cordel infanto-juvenil ilustrado por ArleneHolanda), O Pavão Misterioso (cordel ilustrado, em parceria com o cartunista Jô Oliveira), além da HQ A Moça que Namorou com o Bode, em parceria com KlévissonViana.

Cordel e Xilogravura


XILOGRAVURA E COMUNICAÇÃO POPULAR
Trecho do livro XILOGRAVURA POPULAR NA LITERATURA DE CORDEL, de Jeová Franklin
A imagem acima foi obtida em http://blog.teatrodope.com.br/2007/05/09/literatura-de-cordel-xilogravura-temas-e-ensino/

A Literatura de Cordel constitui-se no mais extraordinário meio impresso de comunicação popular no Brasil e, talvez, no mundo. Ela atingiu, entre as décadas de 1940 e 1950, audiência calculada em 30 milhões de pessoas, quase um terço da população brasileira. Os próprios poetas, semi-analfabetos, escreviam ou pediam para escreverem sua produção, parte dela ilustrada com xilogravura.

Os primeiros folhetos de cordel eram publicados em tipografia e se espalharam na região nordestina, pelas praças e feiras. Era um sistema de jornalismo matuto que funcionava, com notícias e anúncios de morte de personagens históricos, como Antonio Silvino e Lampião.

No princípio, os livretos eram encontrados em estações de trens, feiras e mercados públicos da Amazônia à Bahia. Leandro Gomes de Barros e Chagas Batista, no início do século XX, se valiam de tipografias de terceiros em Pernambuco e na Paraíba. Depois, passou Leandro a ter gráfica própria e os parentes de Chagas Batista utilizaram as gráficas instaladas em Guarabira e João Pessoa.

Leandro tinha falecido em 1918 e João Martins de Athayde comprou dos herdeiros todo o acervo de títulos deixado pelo poeta. Athayde transformou a rústica produção artesanal em atividade de considerável porte no Recife. Montou a maior folhetaria do Nordeste e foi o introdutor dos atuais modelos do cordel.

Athayde fez a empresa crescer, mas ignorou a produção da xilogravura na literatura popular em versos. Preferia as figuras de artistas de cinema norte-americano publicadas pela imprensa do Recife ou figuras de cartões românticos importados. No primeiro caso eram estampas em zincografia dos anúncios de artistas da moda atiradas no lixo, depois de o filme sair de cartaz.

Endividado e por sofrer infarto, Athayde vendeu a tipografia em 1949. O comprador foi o poeta alagoano José Bernardo da Silva que já tinha gráfica própria. Ele levou para Juazeiro do Norte todo o acervo de títulos, inclusive o de Lenadro para editá-los na Tipografia São Francisco, montada em 1926, no Juazeiro do Norte. Tinha permissão e benção do Padre Cícero Romão Batista. Ele já se impunha como maior distribuidor de folhetos do Nordeste.

Incorporando a sua gráfica antiga, à Tipografia São Francisco, esta assumiu a posição de maior folhetaria do país. Então a xilogravura, a mais importante expressão pictórica da fantasia nordestina, ganhou prestígio na gráfica dirigida por José Bernardo. A aplicação da gravura popular se difundiu pelo Nordeste depois das primeiras e inseguras experiências com a impressão das capas em xilogravura. Juazeiro do Norte, antes da aquisição da tipografia de Athayde, já tinha uma longa experiência na feitura de gravuras encomendadas pela gráfica de José Bernardo da Silva e Manoel Caboclo.

terça-feira, 8 de abril de 2008

Cordel e televisão (Dideus Sales)



CORDEL, SERTÃO E TELEVISÃO

Mundo Cordel traz hoje poesia de Dideus Sales, extraída do livro VEREDAS DE SOL, em cujo prefácio, de Dimas Macedo, lê-se:


Dideus Sales, andarilho e pastor de sonhos a costurar a ligação de vilas e cidades no interior do Ceará, é um legítimo representante dessa poesia popular a que me refiro. E mais do que representante, Dideus é o maior e o mais vivo dos poetas cearenses a fazer no Ceará a ponte da cultura entre o sertão e o litoral.

Jornalista, poeta e guardador de tradições sem conta da nossa borbulhante alma sertaneja, Dideus não pára de crescer e produzir. Editor da revista Gente de Ação, sediada em Aracati e que se espraia por todo o Ceará, Dideus atravessa o sertão da sua terra sempre a carregar nos bolsos (e na alma) a verve do povo cearense e as suas mais belas tradições.


Tive o prazer de adquirir a obra no dia 17 de julho de 2006, em Mossoró, das mãos do próprio autor. Já a citei aqui quando falei de Patativa. Hoje destaco:

O sertão dos tempos modernos

Para rever uns parentes
Fui visitar meu sertão.
Foi gostoso o reencontro
Mas, grande a decepção
Por constatar de pertinho
Perversa transformação.

Talvez a televisão
Grande mal venha trazendo
Quem muito bem não discerne
Escutando aquilo e vendo
O que não eleva em nada
Sempre fica absorvendo.

Os costumes dissolvendo,
Ninguém vê mais na calçada
À noite os vizinhos juntos
Contando estória, piada...
Tá tudo dentro de casa
E a televisão ligada.

Visita é indesejada
Na casinha mais singela
Sendo no horário noturno
Os donos dão pouca trela
Não querem ser perturbados
Olhando a tal da novela.

Está desprezada a sela,
O cavalo aposentado
A moto hoje é o transporte
Pra passeio e pro roçado
Pra ira à feira e à missa
Botar água e tanger gado.

Está muito transformado
Do sertão o dia-a-dia
Na fazenda já não tem
Queijo nem coalhada fria
Vendem o leite. E pro café
Compram pão na padaria.

Já não tem a poesia
Do sertão de antigamente
Quando não tinha novela
Que mostra coisa indecente
E a gente se deleitava
Com cordel e com repente.

Para tristeza da gente
No sertão já não tem mais
As brincadeiras ingênuas
Dos terreiros e quintais.
Tá farto de violência
Porém, carente de paz.

O meu sertão não é mais
Um cenário de beleza
Só se vê naqueles ermos
Desolação e tristeza
Como resposta às perenes,
Agressões à natureza.

Meu sertão sem boniteza
Pois queimaram a caatinga,
Invernos irregulares,
Quase não chove, mal pinga,
Eis a prova incontestável
Que a natureza se vinga.

quarta-feira, 2 de abril de 2008

Cordel e cangaço (Pernambucano de Mello)



O CORDEL COMO FONTE DE PESQUISA



É comum se encontrar textos dizendo que o cordel desenvolveu-se no Nordeste Brasileiro como veículo condutor de notícias, informações, as quais eram passadas em sessões informais de leitura dos folhetos ou nos encontros de violeiros.


Outro dia, vi até na revista “BRASIL: almanaque de cultura popular”, que é distribuída nos vôos da TAM, uma matéria assinada por Mariana Albanese, na qual autora referia-se ao cordel como “uma literatura popular, com características genuinamente brasileiras”, e prosseguia: "Meio de comunicação de massa, o 'jornal do sertão' faz a crônica de sua época e ainda hoje se destaca em feiras e mercados de cidades como Juazeiro do Norte, Recife e Campina Grande".(Nº 89, agosto de 2006).
Hoje, porém, quero destacar o cordel, não apenas como meio de comunicação, mas como fonte de pesquisa histórica e sociológica.
Terminei de ler o livro “GUERREIROS DO SOL: violência e banditismo no Nordeste do Brasil”, de Frederico Pernambucano de Mello, e chamou-me a atenção o quanto o cordel é utilizado pelo autor no desenvolvimento do seu trabalho, aliás, um belo trabalho. Cada capítulo tem como epígrafe uma estrofe do tipo:


Rio Preto foi quem disse
E, como disse, não nega,
Leva faca, leva chumbo,
Morre solto e não se entrega.
(verso de pabulagem bradado em combate pelo famoso cangaceiro da segunda metade do século XIX, cf. Luís da Câmara Cascudo, Flor de romances trágicos, 1966.

Como ninguém ignora
Na minha pátria natal
Ser cangaceiro é coisa
Mais comum e natural;
Por isso herdei de meu pai
Esse costume brutal...
(Francisco das Chagas Batista, A história de Antonio Silvino, s.d.).

Mas a obra não se limita a usar a poesia popular nas epígrafes. Um exemplo bom disso encontrei nas páginas 65 a 67, nas quais a obra trata da figura do valentão, homem que não era tido como fora da lei, mas que, segundo o autor, “enganchava a granadeira e, viajando léguas e mais léguas, ia desafrontar um amigo, parente ou mesmo um estranho que tivesse sofrido algum constrangimento ou humilhação”.
Para dar uma idéia do sentimento do povo sertanejo em relação aos valentões Frederico Pernambucano De Mello lança mão dos versos do poeta Manuel Clementino Leite, antigo versejador do sertão paraibano, do século XIX. O trecho do livro é o seguinte:


Clementino aponta a origem histórica do valentão através de uma ilustre ascendência bíblica; estrema-a do cangaceiro, a seu ver, uma figura moralmente menor; sustenta que a probidade não se mostrava nele incompatível com a vida de questões; caindo finalmente num justificável casuísmo, em que aponta os grandes do seu tempo e, por certo, da sua admiração de sertanejo e de poeta:

Desde o princípio do mundo
Que há homem valentão
Um Golias, um Davi,
Carlos Magno, um Roldão
Um Oliveira, um Joab,
Um Josué, um Sansão.

Eu não chamo valentão
A cangaceiro vagabundo
Que quer ser um Deus na terra
Um primeiro sem segundo
Que vive a cometer crimes
E ofender todo mundo.

Tenho visto valentão
Ter sossego e viver quieto
Morando dentro da rua
Comprando e pagando reto
Trabalhar, juntar fazenda
Deixar herança pr’os neto.

Só se esconde o valentão
Que vive com o pé na lama
José Antonio do Fechado
Morreu em cima da cama
Brigou, matou muita gente,
Morreu mas ficou a fama.

Eu três homens valentões
No Pajeí conheci:
Quidute, Joaquim Ferreira,
E José Félix Mari
Mora dentro de Afogados
Tem grande negócio ali.

Mais adiante, nas páginas 178 a 180, o autor, já dissertando sobre os cangaceiros, fala do grupo dos Guabiraba, e mais uma vez busca apoio na poesia popular:


Ainda no meado do século [XIX], passaram a atuar os Guabiraba, sob a chefia dos irmãos Cirino, Jovino e joão, e do cuhado destes, Manuel Rodrigues. “Naturais da vila de Afogados da Ingazeira, ao pé da serra da Baixa Verde, no sertão pernambucano, fizeram-se bandidos nas escolas do Pajeú de Flores, onde praticaram tantos crimes que foram obrigados a fugir para Teixeira, na Paraíba”, eis o retrato que nos fornece Gustavo Barroso [...]. Em sua faina de poeta a seu modo historiador, Leandro Gomes de Barros pinta o gupo de Cirino com traços bem carregados;

Os Guabiraba eram um grupo
De três irmãos e um cunhado,
Todos assassinos por índole,
Cada qual o mais malvado
Aquele sertão inculto
Tinha essas feras criado.

A audácia do bando transparece clara nestes versos, pedaços de um antigo ABC de autor tão inculto quanto inteligente, com que se obtém uma reconstituição bem mais precisa da situação descrita, particularmente do clima épico em que se feriam as disputas que envolviam cangaceiros:

Agora estou me lembrando
Do tempo dos Guabiraba...
O capitão Zé Augusto
Cercou a serra e as aba,
Encontrou os cangaceiros
Quase Fagunde se acaba!

Cercou a serra e as aba
Com trinta soldado junto,
Falou para os cangaceiros:
São pouco! Apareça muito!
Tomou a boca da furna
Trouxe carga de defunto.

Deram fogo duas horas,
Bala na serra zoando,
Com a distância de três léguas
Todo o povo apreciando
E o povo todo dizendo:
Fagunde tá se acabando!

Enéas foi dos primeiro
Como o mais influído...
O capitão disse a ele:
Cabra, não seja atrevido,
Receba beijo de bala
No mole do pé do ouvido!

Foi um beijo envenenado
Como besouro estrangeiro
A bala beijou na fonte
Já se viu tiro certeiro
E isso serviu de exemplo
Pro resto dos cangaceiro...

Guerreava o capitão
Com dezoito cangaceiro!
Passando bala por bala,
Como troco de dinheiro,
Matou dois, baleou três,
O resto depois correro...

Homes bem afazendado
Viu toda sua riqueza
Descer de águas abaixo,
Contra a sua natureza,
Por causa do cangaceiro
Foi reduzido à pobreza.

Mandou o chefe da turba
Retirar os baleado,
Que o sague regava o chão
Como em matança de gado
E disse, devagarinho:
Os macaco tão danado!

Nada se pode fazer!
Guardemos para o futuro...
A noite está que nem breu,
Ninguém enxerga no escuro,
Pode ser que em outro “baile”
A gente atire seguro.



É isso. Dá gosto ver o cordel registrando os fatos, comentando os movimentos políticos, descrevendo os fatos pitorescos da nossa história. Parabéns a Frederico Pernambucano de Mello, que soube ir buscar nessa fonte matéria prima para o seu trabalho.


E o melhor é que, basta ir a uma feira de muitas cidades do Nordeste, para ver que o cordel continua lá fazendo esse mesmo trabalho, e com temas atuais. Na Internet também tem aparecido muita coisa. Mundo Cordel é um espaço que está sempre à disposição para colaborar.