segunda-feira, 29 de agosto de 2011

Poesia de Dalinha Catunda


SOU FILHA DO REI
Dalinha Catunda
Foto: Dalinha


*
Nasci na terra da luz
Pegando sol na moleira
Tomando banho de açude
Pulando da ribanceira
Brincando de tibungar
Nos rios do meu lugar
Na meninice brejeira.
*
Em noite de lua cheia,
Sob o luar do sertão
Serenatas escutei
Nos acordes da paixão
Presente de namorados,
Poéticos, apaixonados,
Escravos do coração.
*
Feliz eu era e sabia
Nas terras de Alencar
No leque da carnaúba
Ouvia o vento cantar
Assobiando bonito
No entre palmas um agito
Formando um grácil bailar.
*
Nasce detrás de um serrote,
O rei sol na minha terra,
Mas na boquinha da noite
Quanta beleza ele encerra
Com a sua vermelhidão
Tinge de rubro o sertão
E se esconde atrás da serra.
*
No sertão do Ceará
Eu nasci e me criei.
Já andei por muitos reinos
Mas lá sou filha do rei!
No condado de Ipueiras
Depois de romper barreiras
Meu palacete montei.


--


Dalinha Catunda
www.cantinhodadalinha.blogspot.com
www.cordeldesaia.blogspot.com

terça-feira, 23 de agosto de 2011

Cordel de Manoel Messias Belizário Neto


O ASSASSINATO DA JUÍZA PATRÍCIA ACIOLI
Manoel Messias Belizário Neto

Peço a justiça divina
Para vir me abençoar
Me trazendo inspiração
No que me ponho narrar
Já que a justiça da terra
Estou ciente não há.

Porque, leitor meu, enquanto
Existir corrupção,
Má vontade, indiferença,
Falsidade, omissão
Será o fundo do poço
O futuro da nação.

Leitor amigo confesso
Que estou indignado
Vendo esta situação
A qual chegou nosso Estado
A morte dessa juíza
Deixa o Brasil revoltado.

Patrícia Acioli era
Magistrada destemida.
Honrava o cargo que tinha
Tendo o certo por medida.
Nem que pra isso pusesse
Em risco a própria vida.

Atuava em São Gonçalo
Lá no Rio de Janeiro.
Os bandidos a temiam
Por seu trabalho certeiro
Gente honesta como ela
Atrapalhava o “vespeiro”.

Ali ela magistrava
Contra o crime organizado
Que envolvia a milícia
Crescente à sombra do Estado
Que é corrompido por quem
Devia ser respeitado.

Por agir corretamente
De forma determinada
Para erradicar o crime
Sem se intimidar com nada
A magistrada começa
A se ver ameaçada.

Por isso a juíza envia
À instância competente
Um documento pedindo
Segurança urgentemente,
A mesma foi atendida,
Mas depois foi diferente

Porque em 2007
O injusto tribunal
De justiça suspendeu
A segurança total
Tratando a situação
Como um caso banal.

O injusto tribunal
De justiça só podia
Fingir não saber daquilo
Que todo mundo sabia:
A execução de Patrícia
Logo, logo ocorreria.

Porque as tais ameaças
Todo o mundo conhecia
As notícias pelos sites
Ressoando sinfonia
De uma morte iminente
Só o tribunal não via?

Porém a prova cabal
De que o órgão (in)competente,
De que o injusto tribunal
De justiça era ciente
Foram dezenas de ofícios
Entregues anteriormente.

Nos ofícios a juíza
Parecia implorar
Por proteção, mas porém
Mais parecia falar
Sozinha e o tribunal
Fingindo não escutar.

A juíza então andava
De forma desprotegida
Esperando que um dia
Pudesse ser atendida
Pelo injusto tribunal
Que não lhe dava saída.

Até que num certo dia
Ocorreu o esperado
Patricia ao chegar em casa
Teve o carro rodeado
Por um grupo de bandidos
Muito bem municiados.

Foi então covardemente
Que ela foi assassinada
Por omissão da justiça
Que mesmo sendo avisada
Botou a venda no rosto
E preferiu fazer nada.

Isto é um absurdo
Para o nosso país
Como é que pode ser
Bandido matar juiz?
É, ninguém está seguro,
Nesta nação infeliz.

Se até juiz é morto
Como fica o cidadão
Comum que só tem a sorte
E Deus como proteção.
É, ninguém está seguro,
Nesta infeliz nação.

quinta-feira, 18 de agosto de 2011

Enquete sobre o Cordel



VOCÊ CONCORDA COM O 
ENSINO DO CORDEL NAS ESCOLAS?

Encontrado principalmente no Nordeste do país, o Cordel é um tipo de poesia popular impressa em folhetos ilustrados, que em sua maioria, retrata situações do cotidiano da população dessa região.


A arte que influenciou nomes da literatura brasileira  como Ariano Suassuna e Guimarães Rosa, será tema de debate do 1º Fórum de Cordel, que será realizado em São Paulo, no dia 27 de agosto. O evento reunirá acadêmicos, pesquisadores e poetas, para debater a importância do ensino da literatura de cordel e do ensino dessa arte nas escolas.


Conforme o professor de sociologia Fernando Antônio Duarte dos Santos, o Nando Poeta, a literatura de cordel tem um papel fundamental na história do Brasil, mas esse gênero ainda é muito desconhecido.


Agora o Cidadão Repórter quer saber a sua opinião: Você concorda com o ensino de literatura de Cordel nas escolas? Comente e participe do nosso fórum!




Dani  comentou: 
agosto 16th, 2011 at 17:44
Com certeza eu concordo com o ensino de tal arte nas escolas. Leitura, nunca é demais. E como esse tipo de literatura usa rima e ilustrações, acho que fica até mais fácil de prender a atenção dos alunos.


ARIEVALDO VIANA  Says: 
agosto 17th, 2011 as 5:10
Sou o poeta popular ARIEVALDO VIANA, criador do projeto ACORDA CORDEL NA SALA DE AULA, que há mais de dez anos vem trabalhando com o cordel nas escolas. Costumo dizer sempre em minhas apresentações que o cordel é uma excelente ferramenta de estímulo a leitura, mas não defendo que seja disciplina obrigatória no currículo escolar. É preciso que os professores e alunos conheçam o cordel, criem uma empatia com o tema, para depois trabalharem esses textos de forma didática. O melhor caminho é a formação de CORDELTECAS (Bibliotecas de Cordel) nas escolas. Ano passado, estive em Salvador na companhia dos poetas BULE-BULE e ANTONIO BARRETO, dois grandes poetas aí da Bahia e eles também são da mesma opinião.


Arievaldo Viana (poeta popular)


http://www.acordacordel.blogspot.com


Lúcio Ferreira  comentou: 
agosto 17th, 2011 at 6:27
Sou professor e arte-educador. Venho trabalhando com o cordel há mais de três anos no município de Cabo-PE. A aceitação é formidável. As crianças têm demonstrado grande interesse pelo tema e os níveis de alfabetização melhoraram consideravelmente. O interesse pela leitura também. Desde que montamos nossa biblioteca de cordel, os alunos tem se interessado pela leitura e também pela produção de textos. Sou totalmente a favor.


José Edson Jr.  Says: 
agosto 17th, 2011 as 6:46
Vejo positivamente o uso desta ferramenta de literatura nas escolas.


PEDRO PAULO PAULINO  comentou: 
agosto 17th, 2011 at 6:47
Concordo com a adoção da Literatura de Cordel nas escolas de todo o Brasil. Cordel é fonte riquíssima de pesquisa e tb ajuda a formar opinião.


Marcos Mairton  Says: 
agosto 17th, 2011 as 6:48
Concordo com o ensino da Literatura de Cordel nas escolas, não para que todo estudante se torne cordelista, mas que cada um conheça e saiba apreciar a Literatura de Cordel. Como se sabe, a gente só gosta do que conhece. Quanto mais pessoas conhecendo as grandes obras da Literatura de Cordel, mais pessoas irão gostar dela. Claro que isso fará com que surjam novos cordelistas, mas isso deve acontecer de acordo com o talento de cada um. As crianças não devem ser forçadas a escrever em cordel, mas a aprender a gostar dele.
Só para finalizar: a Literatura de Cordel já está em muitas escolas, ajudando no aprendizado da leitura e de muitos outros temas. Seu sucesso nesse sentido já está provado.


MARIA GRACIENE  comentou: 
agosto 17th, 2011 at 7:00
Respondendo a pergunta: Você concorda com o ensino de literatura de Cordel nas escolas? Concordo plenamente com o ensino da literatura de Cordel. É uma forma de incentivar a literatura de um modo geral. É um incentivo a leitura e a nossa cultura. Parabéns a todos pela iniciativa. Que continuem dando oportunidade a cordelistas e poetas de mostrarem o valor da poesia na vida das pessoas.


Marcus Paulo Saraiva  Says: 
agosto 17th, 2011 as 11:45
Porque os comentários enviados não aparecem?
Onde é que está o botão para votar?


Marcus Paulo Saraiva  comentou: 
agosto 17th, 2011 at 11:58
Acho fantástica a idéia de divulgar o cordel através das escolas porque ao longo dos tempos foi uma grande ferramenta utilizada na alfabetização de milhares de Nordestinos. Hoje o cordel está presente em todo o Brasil e começa a conquistar o respeito nos meios acadêmicos. Parabéns para o CORDEL, legítima cultura do povo brasileiro!


Cecilia Ferreira  Says: 
agosto 17th, 2011 as 12:34
Um absurdo completo! Vamos ensinar o que ha de mais dificil, e nao o que ha de mais simples.
Vamos ensinar Suassuna e Guimaraes! Isso sim!


Dodó Félix  comentou: 
agosto 17th, 2011 at 12:47
Minha concordência é total e absoluta.Já devia estar ocorrendo em todas as escolas brasileiras.


Marco Haurélio  Says: 
agosto 17th, 2011 as 14:37
Cordel na sala de aula
é uma realidade.
Parabéns aos que divulgam,
com gana, garra e vontade,[
a nossa literatura
no sertão e na cidade.


CICERO LIMA  comentou: 
agosto 17th, 2011 at 16:33
Claro que sim afinal se não me engano e uma cultura que surgiu no nordeste do brasil.


Josué Almeida  Says: 
agosto 17th, 2011 as 16:47
Sou a favor, sim, desde que não fira as regras gramaticais oficiais. A poesia é uma forma muito gostosa de se ensinar e de se aprender.A informação flui e o ouvido se enche de prazer com as rimas.Acho uma arte a improvisação e acredito que seja para poucos.Ao mesmo tempo acredito que é possível aprendê-la, mas deve se levar muito tempo, já que teremos que combinar teoria com prática.Ao mesmo tempo o cordel é engraçado, devido às suas rimas inesperadas.


ems  comentou: 
agosto 17th, 2011 at 17:24
Claro que concordo , é mais um jeito de reconhecer um tipo de literatura da nossa gente.


erick  Says: 
agosto 18th, 2011 as 3:33
Sempre que posso compro para o meu filho de 7 anos, ele adora… Tem alguns específicos para crianças, e vc ler junto com ele é muito divertido.


O problema de inserir na escola, é o preparo e a boa vontade do professor sobre o tema… infelizmente em alguns locais do Nordeste, o tal “orgulho de ser nordestino” não existe, e ainda há nordestinos que preferem consumir o “way of life sudestino”, a valorizar o seu e o dos seus…


´Maria Angélica de Jesus Santos  comentou: 
agosto 18th, 2011 at 3:43
`Não é só cordel…
é preciso abrir
a mente dessa juventude.
Inserido nas escolas manifestações
artísticas, para temos no futuro uma novo
geração,conscientes em direitos e deveres
com a nação!


Gel Santos ( Artista Plástica )


silvinha  Says: 
agosto 18th, 2011 as 7:57
claro que sim, devemos resgatar a nossa cultura, a cultura nordestina. Sou professora de história e estou trabalhando o Projeto de Leitura:Viajando na literatura de Cordel onde todas as disciplinas trabalharam o seu conteúdo da unidade construindo cordéis junto com os alunos que tbm confeccionaram as capas referentes aos mesmos. foi um trabalho super prazeroso e cumprimos nossos objetivos.


Vera  comentou: 
agosto 18th, 2011 at 8:00
Concordo plenamente. Há muita importância na Literatura de Cordel como expressão legítima da Literatura Brasileira qual ficou desconhecida por algumas pessoas, pelo fato exato de dificilmente ser encontrada em livros didáticos, não é erudita, mas prevalece como forma poética a poesia.Este tipo de Literatura no Brasil não morreu, apenas tem uma cultura indefinida que precisa ser resgatada principalmente nas escolas.


Vera  Says: 
agosto 18th, 2011 as 8:23
Outra razão é o fato de pensar que é uma cultura que surgiu no Brasil. A Literatura de Cordel não é coisa nova, data da época dos povos conquistadores greco romanos, chegando a Península Ibérica com outros nomes “Pliegos Sueltos”,”Folhas Soltas”,”Volantes, logo com esta infuência chegou a Salvador, irradiando-se para os demais estados do Nordeste. Logo um ponto inconteste é sua importância e a certeza de que a maioria das pessoas tem alguém na família que de alguma forma se identifica com esta Literatura.


Manoel Belizario  comentou: 
agosto 18th, 2011 at 10:01
Por que o romance a poesia e outros gêneros literários da chamada “literatua erudita” fazem parte da grade curricular do ensino público e o cordel não? A perspectiva de inserção do cordel no ensino público que defendo não é para que os professores ensinem a fazer cordel . Mas sim na perspectiva de se estudar a história, os textos e os autores. Estudar a relevância e representatividade cultural desta literatura para o nosso país.


JULIANA ARAUJO  Says: 
agosto 18th, 2011 as 11:26
Concordo em parte com o Belizário, realmente a função do professor não é ensinar a fazer cordel. Entretanto já assisti algumas oficinas e o resultado é surpreendente. No meio de 40 ou 50 participantes sempre aparecem duas ou três pessoas que realmente têm o dom da poesia e acaba se descobrindo cordelistas. Entretanto, o papel do cordel na escola deve ser, antes de qualquer coisa, despertar o interesse pela leitura e mostrar que esses textos podem ser absorvidos por pessoas de qualquer faixa etária e de qualquer nível social.


ARIEVALDO VIANA  comentou: 
agosto 18th, 2011 at 16:18
A leitora Cecilia Ferreira acha que cordel é “muito simples” e que as escolas deveriam ensinar a obra de Ariano Suassuna e Guimarães Rosas. Certamente que são dois autores estupendos, duas sumidades no campo das letras na pátria tupiniquim. Entretanto recomendo à dona Cecília ler um pouco da obra de Leandro Gomes de Barros, José Camelo de Melo, José Pacheco e outros mestres do cordel para saber melhor do que está falando. Cordel não é tão simples assim… Se fosse coisa de pouco valor não seria sobejamente pesquisado na Europa, Estados Unidos e até no Japão. Se fosse coisa sem importância no campo da Literatura, Carlos Drummond de Andrade não teria dito que um autor de Cordel (Leandro Gomes de Barros) foi um poeta maior do que OLAVO BILAC.


ARIEVALDO VIANA

segunda-feira, 15 de agosto de 2011

Poesia de Onildo Barbosa




RETRATOS DO PASSADO


Pesquei no Jornal da Besta Fubana esta poesia de Onildo Barbosa, de Vitória da Conquista 


Meu Sertão de minha vida.
Caminhos por onde andei
Casa velha onde nasci
Açudes que me banhei.
Estradas de chão batido
Chapéu de couro curtido
Lua cheia de verão,
Cheiro de curral de gado
São retratos do um passado
Na minha imaginação.


Caminhos tortos, riacho,
Porteira aberta, vazante.
Gravatá brotando cacho
Um sol se pondo distante
Rastros de pássaros na areia,
Sorriso de lua cheia,
Cantiga de Azulão,
Um rouxinol no telhado
São retratos do passado
Na minha imaginação.


Um corocoxó de sapos
Brindando a água barrenta
Cabritos dando sopapos
Enquanto a cabra amamenta
Lençol de saco estendido
Um entardecer chovido
Um pé de manjericão
Num pote velho quebrado
São retratos do passado
Na minha imaginação.


Um ninho de patativa
Feito de folha e raiz
A plantação de maniva
Um sertanejo feliz.
Boi comendo na baixada,
Uma viola afinada
Um poeta, uma canção,
Um martelo agalopado,
São retratos do passado
Na minha imaginação.


Uma jurema florida
Numa manhã de neblina
Uma cabana pendida,
Uma cerca de faxina
Uma briga de caçote,
A jia dando pinote
Na beira do cacimbão
Um cururu escanchado
São retratos do passado
Na minha imaginação.


Uma rolinha cantando
No galho da goiabeira
Um jumento se coçando
Nas estacas da porteira
Uma fogueira queimando
O cheiro do milho assando
No braseiro do fogão,
Rádio de pilha ligado
São retratos do passado
Na minha imaginação.


Um jumento relinxando
Uma jumenta no cio
A meninada brincando
De peteca e currupio
Umbuzeiro de estrada
Uma algaroba copada
Catagem de algodão,
Um bizerro encurralado
São retratos do passado
Na minha imaginação.


Na forquilha da cozinha
Um ninho de jão de barro
Uma rã pequenininha,
Escondida atras do jarro
Num formsto de atilho
14 espigas de milho
penduradas no oitão,
um marimbondo arranchado
são retratos do passado
na minha imaginação.

quarta-feira, 3 de agosto de 2011

Relatório de Inquérito Policial em Versos



SOBRE O RELATÓRIO DE 
INQUÉRITO POLICIAL EM VERSOS

Liguei a TV e deparei-me com a notícia de que um delegado havia feito um boletim de ocorrência em versos. 

Na reportagem, o apresentador do telejornal dizia que o delegado havia se inspirado na Literatura de Cordel, tendo herdado do avô o dom de fazer versos.

Só para confirmar se o fato havia ganho espaço na mídia, entrei no Google e pesquisei as palavras “delegado”, “ocorrência”, “versos” e “cordel”. Como eu esperava, lá estavam inúmeros sites replicando a matéria, começando mais ou menos assim:

O delegado Reinaldo Lobo, da 29º Delegacia de Polícia de Riacho Fundo (DF), cidade a 18 km de Brasília, fez um boletim de ocorrência que chamou a atenção não pelo caso, de receptação de uma moto, mas pela redação. O texto foi escrito em forma de poesia. (R7 Notícias).

Diante da amplitude que o caso ganhou, aproveito minha condição de poeta-juiz (ou de juiz-poeta) para comentá-lo sob dois aspectos: do Direito e da Literatura de Cordel.

Do ponto de vista jurídico, a primeira coisa que percebi foi que não se tratava de um B.O. e sim do próprio Relatório, com o qual delegado encerra o inquérito para remeter ao Ministério Público, a fim de que este ofereça a denúncia.


É o caso de esclarecer, portanto, que no B.O. quem narra os fatos é a pessoa que o registra, cabendo à autoridade policial apenas transcrevê-los para o documento. Já no relatório, o texto é elaborado pelo delegado, sendo este o responsável por seu conteúdo. Ou seja, a partir do B.O. o delegado inicia o inquérito, com o Relatório o delegado o encerra.


Isso muda alguma coisa quanto a sua validade jurídica? Não, porque não existe nenhuma norma que proíba que atos administrativos e até judiciais sejam redigidos em versos. O que se exige é que eles sejam escritos na língua pátria – o português – e que contenham as informações previstas em lei, no caso do Relatório, coisas como a qualificação do ofendido, a qualificação ou descrição do suposto autor do crime e a narração do fato.

Eu mesmo já sentenciei dois casos em versos, um criminal (que virou folheto e está publicado neste Mundo Cordel) e outro cível, e as sentenças tiveram o mesmo valor jurídico que as outras que já proferi em prosa. E não poderia ser de outra forma, pois, se a sentença tem relatório (descrição dos fatos), fundamentação (razões que levaram ao resultado) e dispositivo (resultado), não faz diferença se foi escrita em prosa ou em verso.

Da mesma forma, o fato de ter sido escrito em versos jamais poderia ser motivo para invalidar o Relatório do Inquérito.

A partir daqui, passo a falar como cordelista, e o faço destacando o fato de o delegado Reinaldo Lobo ser capaz de fazer brotar sua vocação poética até em meio à dura realidade da atividade policial. É preciso ter um coração de poeta para agir assim.

Apenas quanto à forma, observo que o sistema de rimas e de métrica está muito irregular, o que afasta o texto dos padrões reconhecidos como característicos da tradicional Literatura de Cordel.

Assim, se fosse o caso de dizer algumas palavras ao poeta-delegado, diria o seguinte: “Colega poeta, a poesia é uma flor bela e delicada, mas que às vezes brota em lugares improváveis, entre pedras e espinhos. Se sua intenção é escrever em forma de Cordel, estude um pouco mais os sistemas de rimas e métricas da Literatura de Cordel, para dar um padrão mais definido aos seus versos. Independentemente disso, não desista da poesia, nem de tentar fazer do nosso país um lugar melhor para se viver”.

Segue, a íntegra do texto do BO:

Já era quase madrugada
Neste querido Riacho Fundo
Cidade muito amada
Que arranca elogios de todo mundo


O plantão estava tranquilo
Até que de longe se escuta um zunido
E todos passam a esperar
A chegada da Polícia Militar


Logo surge a viatura
Desce um policial fardado
Que sem nenhuma frescura
Traz preso um sujeito folgado


Procura pela Autoridade
Narra a ele a sua verdade
Que o prendeu sem piedade
Pois sem nenhuma autorização
Pelas ruas ermas todo tranquilão
Estava em uma motocicleta com restrição


A Autoridade desconfiada
Já iniciou o seu sermão
Mostrou ao preso a papelada
Que a sua ficha era do cão
Ia checar sua situação


O preso pediu desculpa
Disse que não tinha culpa
Pois só estava na garupa


Foi checada a situação
Ele é mesmo sem noção
Estava preso na domiciliar
Não conseguiu mais se explicar
A motocicleta era roubada
A sua boa-fé era furada


Se na garupa ou no volante
Sei que fiz esse flagrante
Desse cara petulante
Que no crime não é estreante


Foi lavrado o flagrante
Pelo crime de receptação
Pois só com a polícia atuante
Protegeremos a população


A fiança foi fixada
E claro não foi paga
E enquanto não vier a cutucada
Manteremos assim preso qualquer pessoa má afamada


Já hoje aqui esteve pra testemunhá
A vítima, meu quase xará
Cuja felicidade do seu gargalho
Nos fez compensar todo o trabalho


As diligências foram concluídas
O inquérito me vem pra relatar
Mas como nesta satélite acabamos de chegar
E não trouxemos os modelos pra usar
Resta-nos apenas inovar


Resolvi fazê-lo em poesia
Pois carrego no peito a magia
De quem ama a fantasia
De lutar pela Paz ou contra qualquer covardia


Assim seguimos em mais um plantão
Esperando a próxima situação
De terno, distintivo, pistola e caneta na mão
No cumprimento da fé de nossa missão


Riacho Fundo, 26 de Julho de 2011