quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

Cordel de Wagner Cortes


Já disse aqui, várias vezes, que uma das coisas que mais me dá prazer neste Mundo Cordel é receber e publicar contribuições em versos dos que por aqui passam.

No finalzinho de 2012, recebi esses versos do leitor que se apresnta como Wagner Cortes, o Palhaço Mingau.

Pesquisando no Google, achei algums fotos do Palhaço Mingau, como essa:


É você mesmo, não, Wagner?

Seguem os seus versos...


O ANUNCIANTE E A ABELHA

Na cidade de Parelhas
Onde tudo aconteceu
No ano dois mil e seis
O teatro apareceu
Para se apresentar
No bendito do lugar
Foi onde tudo ocorreu

Lá na casa de cultura
Rolava a apresentação
Eu tava muito empolgado
Com a alegria e animação
E o público esperava
Daqui a pouco eu estava
Já entrando em ação

Começamos no cortejo
Com bastante energia
A música ia rolando
Logo, logo eu falaria
Eu era o anunciante
Por isso falava antes
Ou depois das cantorias

No início da tal peça
Uma abelha perambulando
Em cima da’minha cabeça
Ficou um tempo voando
Passou perto da plateia
Daí tive uma ideia
De lugar eu fui mudando

Bem lá no meio da peça
Chegou minha vez de falar
Me esqueci daquela abelha
Que queria me picar
Não estava nem lembrando
E continuei falando
Sem se quer me preocupar

Minha cena era curta
Já perto de encerrar
A peste daquela abelha
Não deixou eu terminar
Pela minha boca entrou
Na garganta ela picou
Começando a inflamar

Mas continuei falando
Minha voz já enrolada
Só sentia aquele bolo
Da garganta inflamada
Eu já se aperreando
Sem ar eu tava ficando
Por causa da ferroada

Sem ter mais o que fazer
Eu terminei de falar
Disse ligeiro a Dedé:
-Não dá mais, eu vou parar
Ele perguntou: porquê?
-Digo agora pra você...
...não consigo respirar

Expliquei tudo pra ele
E a peça continuando
Ele todo preocupado
E o meu ar já acabando
Fui bater no hospital
Porque tava muito mal
E aos poucos piorando

Duas injeções na bunda
Pra poder desinflamar
Ainda tirei um sono
Para me recuperar
Dormir ainda uma hora
Depois disso fui embora
Bem lentinho e devagar

Já na casa de cultura
Fui chegando na calçada
Olharam com tom de riso
 Caíram na gargalhada
Mangando daquela cena
Debocharam sem ter pena
Por causa da tal picada

Um causo inusitado
Eu nunca tinha vivido
Pra mim foi um aperreio
Pra galera divertido
De abelha eu tenho medo
Pra ninguém isso é segredo
Desse bicho ando escondido

Música boa e saudade

LUÍS SÉRGIO E ROLANDO BOLDRIN

No post anterior, publiquei um poema que me foi enviado pelo amigo Ricardo Morais.
Depois de postar, deu saudade do seu irmão, Luís Sérgio, que tão precocemente deixou esta existência.
Ainda bem, no pouco tempo que ficou por aqui, produziu obras capazes de amenizar a saudade, como a música "Saúde de Ferro", apresentada no programa Som Brasil, apresentado por Rolando Boldrin na década de 1980.
Segue o vídeo de Luís Sergio que Ricardo pôs no YouTube...


quarta-feira, 23 de janeiro de 2013

Poesia: O Casamento dos Velhos



Meu amigo Ricardo Morais, o Ricardo Piau, de Várzea Alegre-CE, me enviou essa poesia, cuja autoria desconheço. Ricardo só me disse que pegou em dos shows do Dilson Pinheiro, artista cearense que atualmente apresenta o Programa Ceará Caboclo, na TV Ceará, aos domingos, dez da manhã.

Dilson Pinheiro no Ceará Caboclo

Se algum leitor deste Mundo Cordel souber da autoria dos versos, gostaria de completar esta postagem com a informação.

ATUALIZAÇÃO ÀS 20:00 DE 23.01.2013: 
O leitor Cancão de Fogo, ou seja, nosso renomado cordelista Arievaldo Viana rapidamente trouxe a este Mundo Cordel o nome do autor do poema, no caso, o repentista Louro Branco.

Valeu, Ari!

Segue a poesia...


 O CASAMENTO DOS VELHOS


Tem certas coisas no mundo       
Que eu morro e num acredito      
Mas essa eu conto de certo       
Dum casamento bonito             
De um viúvo e uma viúva          
Bodoquinha Papaúva               
E Tributino Sibito               

O véio de oitenta ano            
Virado num estopô                
A véia setenta e nove            
Maluca por um amor               
Os dois atrás de esquentar       
Começaram a namorar               
Porque um doido ajeitou          

Um dia o véio comprou            
Um corpete pra bodoquinha        
Quando a véia foi vestir         
Nem deu certo, coitadinha        
De raiva quase se lasca          
Que o corpete tinha as casca     
Mas os miolo num tinha           

No dia três de abril             
Vêi o tocador Zé Bento           
Mataram trinta preá              
Selaram oitenta jumento          
Tributino e Bodoquinha           
Sairam de manhazinha             
Pra cuidar do casamento          

O veião saiu vexado              
Foi se arranchar na cidade       
Mandaram chamar depressa         
Naquela oportunidade             
O veião chegou de choto          
Inda deu catorze arroto          
Que quase embebeda o padre       

O padre ai perguntô:             
Seu Tributino, o que pensa,      
Quer receber Bodoquinha          
Sua esposa, pela crença?         
O veião dixe: eu aceito          
Tô tão vexado dum jeito          
Chega tô sem paciência           

 E preguntô a Bodoquinha:
 Se aceitar esclareça
 A véia lhe arrespondeu
 Dando um jeitim na cabeça
 Aceito de coração
 Tô cum tanta precisão
 Tô doida que já anoiteça

 Casaram, foram pra casa
 Comeram de fazer medo
 Conversaram duas horas
 Uns assuntos duns segredo
 E Bodoquinha dixe: agora,
 Meu pessoá, vão embora
 Que eu quero drumi mais cedo

 O véi vestiu um pijama
 Ficou vê uma raposa
 A véia de camisola
 Dixe: óia aqui sua esposa
 Cuma é, vai ou num vai?
 O veião dixe: ai, ai, ai
 Já  tá  me dando umas coisa

 A véia dixe me arroche
 Cuma se novo nóis fosse
 O véio dixe: ê minha véia
 Acabou-se o que era doce
 A véia dixe: é assim?
 Então se vai dar certim
 Que aqui também apagou-se

 Inda tomaram uns remédio
 Mas num deu jeito ao enguiço
 De noite a véia dizia:
 Mas meu véi, que diabo é isso?
 Vamo vendê essa cama
 Nóis sempre demo na lama
 Ninguém precisa mais disso

 A véia dixe: isso é triste
 Mas esse assunto eu esbarro
 Eu já bati o motor
 Meu véi estrompou o carro
 Ê, meu veião Tributino
 Nóis dois só tem um menino
 Se a gente fizer de barro


quinta-feira, 17 de janeiro de 2013

Documentário de Poesia


POETAS DO REPENTE

Trago hoje ao Mundo Cordel o documentário "Poetas do Repente", uma realização do Ministério da Educação, através da TV Escola e da Fundação Joaquim nabuco.
Vale a pena ver e saber mais sobre o repente, além, é claro, de se deleitar com os versos desses mestres de uma poesia instantânea. É incrível como os repentistas conseguem criar versos com tanta rapidez.

Vamos aos vídeos...









terça-feira, 8 de janeiro de 2013

Geraldo Amancio no Caderno 3 do DN


No jornal Diário do Nordeste de ontem, 08.01.2013, vi esse excelente artigo do professor Batista de Lima sobre um dos grandes talentos da cantoria e do cordel, Geraldo Amancio. Vale a pena ler.
Na foto, eu e Geraldo Amancio, por ocasião de festival de cantoria em Maracanaú-CE.



Variações sobre Geraldo Amâncio
Batista de Lima

Há várias vertentes por onde se pode conhecer o talento de Geraldo Amâncio. De minha parte fui conhecendo aos poucos. Primeiramente como violeiro repentista eu o conheci em cantorias, formando dupla principalmente com Zé Maria de Fortaleza. Impressionaram-me sua voz potente, suas tiradas filosóficas e as rimas improvisadas. Por esse tempo, bairrista como sou, foi uma felicidade tomar conhecimento de nossa origem conterrânea espraiada pelas cercanias de Lavras e Cedro. Daí era só acompanhar suas apresentações na Rádio Iracema, de Iguatu, depois, na outra Iracema, de Juazeiro, e por fim na Rádio Alto Piranhas, de Cajazeiras, onde já militava radialista nosso parente comum, Nonato Guedes.

O segundo momento que consolidou essa minha admiração, ocorreu quando sob os auspícios da Universidade de Fortaleza, foi possível trazer de João Pessoa, o lendário Orlando Tejo, que escreveu a melhor obra sobre o fantástico poeta surreal Zé Limeira. Orlando Tejo aqui veio com sua esposa, com passagem, hospedagem, cachê e traslado, por conta da Unifor, para uma apresentação do seu trabalho em torno do gênio Limeira. Lotamos o auditório da Biblioteca da Universidade, de poetas, trovadores, menestréis, jograis, beletristas e boêmios, e ao anunciarmos a fala de Orlando Tejo, ele que estava calado, calado ficou.

Aquele silêncio perturbador durou intermináveis instantes até sua esposa me comunicar em pé de ouvido que por conta de um AVC, o escritor estava impossibilitado de se pronunciar. Nesse momento difícil diante de uma plateia ávida por poesia, vislumbrei entre os presentes a figura de Geraldo Amâncio a quem chamei ao palco e contei o problema. Ele afirmou que não me preocupasse que ele ia dar um jeito. Passei-lhe o microfone e aí ergueu-se na frente de todos o showman Geraldo que eu não conhecia. Recitou, cantou, e começou a chamar ao palco poetas presentes e fez a festa da poesia.

Um terceiro momento dessa admiração por Geraldo Amâncio ocorreu ao ler sua produção literária em parceria com Vanderlei Pereira que já vai por três publicações, destacando aqui, em especial, a antologia "De Repente Cantoria", um dos melhores manuais que conheço em torno da poesia popular. É um livro que se destaca pela pesquisa que foi feita, nos moldes de Leonardo Mota, mas principalmente pelo seu conteúdo didático. Essa obra é indispensável para estudantes de Letras que precisam conhecer a crônica nordestina feita em versos pelos melhores poetas que por aqui versejaram ao longo dos tempos.

Há ainda um momento faceta em quarto lugar que foi conhecê-lo como apresentador de televisão, com um programa na TV Diário com sua audiência cativa. Ali estive me apresentando em uma ocasião e conheci os bastidores do programa, a seriedade como é feito, o respeito pelos convidados e principalmente o trato cerimonioso como é tratada essa bela dona chamada poesia. Não é fácil, nos dias de hoje, manter um programa de violeiros numa TV, diante do gosto globalizado das gerações atuais, enfeitiçadas pelo que vem de fora para dentro da nossa aldeia local.

Depois de tudo isso, aparece Geraldo Amâncio com um livro de trovas pedindo-me uma leitura. Demorei alguns meses para sorver uma por uma, trova por trova, verso por verso, rima por rima, para me regalar com o que de melhor tenho visto nesse setor da arte poética. Trovar é das artes mais difíceis, e filosofar por trovas ainda é mais difícil. O leitor quando se depara com uma delas, curtinha no tamanho, quatro versos apenas, acha que é fácil, confeccioná-la, mas seu poder de síntese, seu conteúdo profundo, seu raciocínio lógico imprimem tremenda dificuldade de elaboração.

A leitura das trovas de Geraldo Amâncio mostra o perfil de um trovador existencialista, preocupado principalmente com o poder corrosivo do tempo sobre o relevo metonímico das pessoas. Além disso há jogos de palavras e trocadilhos que embelezam o texto, por exemplo: "Existem menos defeitos/ mais justiça e menos danos,/ entre os humanos direitos/ que nos direitos humanos". Há, como se vê, literariedade casada com doutrina, moral, ética e caráter. Mesmo com trovas de teor filosófico, ele abre espaço para falar em Mário Gomes, poeta da praça, ébrio, boêmio e louco. Também não esquece sua terra e em momento telúrico dispara: "Queria o rio Salgado/ seguir de qualquer maneira/ mas ficava encarcerado/ em Lavras da Mangabeira".

Isso é um preâmbulo das trovas com que ele canta o Boqueirão de Lavras: "Deus viu o meu rio cheio/ sem poder chegar ao mar;/ cerrou a serra no meio/ pra água poder passar. (…) Deus olhou a água presa/ sem para o mar ter desvio,/ ordenou à natureza:/ corte a serra e solte o rio". Além desse telurismo, o poeta ainda arrisca umas metatrovas botando a poesia para falar de si própria, como para dizer que é ela que mais se conhece. "O que o bom trovador faz/ é mesmo impressionante/ numa trova ele é capaz/ de eternizar um instante. (…) Se é boa a trova, de fato,/ eu nela admiro tudo./ Tão pequena no formato,/ tão grande no conteúdo". Poder-se-iam transcrever todas as suas trovas que essa qualidade não diminuiria.

Finalmente pode-se concluir que Geraldo Amâncio é um trovador especial. Se ele tem dúvida da qualidade de seus versos, o leitor não tem. É preciso portanto que esse belo material seja editado para o conhecimento do público. A trova resistiu ao tempo e agora quando cultivamos uma diversidade de estilos e em que as vanguardas estão caducas, nada melhor que retornarmos com força a esse gênero sublime da literatura. Precisamos ler esses poemas para mergulharmos no sentido profundo que cada um carrega, para nos impressionar com o preciosismo gramatical do poeta. Sem essa de licença poética pois em Geraldo Amâncio a poesia é que tem de pedir licença para se aconchegar no seu regaço. Poucos são os que tratam tão bem essa bela senhora como esse poeta trovador.