quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

Cordel e Doutorado



"O ADVOGADO, O DIABO E A BENGALA ENCANTADA" estudado em tese de doutorado


Tive uma surpresa agradável neste carnaval. Estava vasculhando a Web quando descobri que meu cordel "O advogado, o diabo e a bengala encantada" foi um dos analisados pelo Professor ANTONIO CARLOS FERREIRA LIMA em sua tese de doutoramento em Literatura Brasileira, pela Universidade Federal de Alagoas.

Esse cordel é danado: primeiro foram os estudantes da UNIFOR que o transformaram em radionovela. Agora tornou-se objeto de estudos em nível de doutorado, o que me enche mais uma vez de orgulho e alegria.

Bem, o trabalho tem como título “A permanência do ciclo místico-religioso na literatura de cordel e suas correlações com os níveis de construção textual”, e tira suas conclusões a partir da análise de obras da literatura de cordel, relacionando-as com as sagradas escrituras e a religiosidade do nosso povo. Não conheço o Professor Antonio Carlos, mas desde já agradeço suas generosas palavras a respeito de minha obra. Segue, abaixo, trecho que a aborda. Pus "(...)" onde há transcrições do texto do cordel:


Nossa última poesia desse ciclo reúne vários elementos referidos acima. Em “O advogado, o diabo e a bengala encantada”, de Marcos Mairton da Silva, em folheto de dezesseis páginas, composto por cinquenta e sete setilhas setessilábicas, com rimas ABCBDDB, temos um diabo à procura de ajuda e compreensão. Insatisfeito por ter sido expulso do céu e se sentindo injustiçado, o diabo procura um advogado para tentar “melhorar sua imagem”, em troca promete-lhe fama e riqueza: (...).
A poesia de Mairton é duplamente surpreendente: primeiro, porque mostra uma faceta do diabo dificilmente encontrada na LC, pois, nunca se viu um diabo buscando reabilitação e justificando sua ação na terra. Porém, o que mais se destaca, é ódio por ter sido banido da corte celestial; segundo, pelo forte teor teológico, ao discorrer sobre temas delicados como “pecado” e “tentação” e ao dialogar com alguns textos bíblicos, tais como a primeira carta do apóstolo João (I Jo), o Apocalipse (Ap) e o livro do profeta Ezequiel (Ez).
Em I Jo. 3, 9 lemos: “Quem comete pecado é do diabo; porque o diabo peca desde o princípio. Para isto o Filho de Deus se manifestou: para destruir as obras do diabo”. O pecado do diabo foi ter desafiado o criador, “a intriga” e a “briga com o dono do céu” foi, de acordo com os textos canônicos, fruto do desejo de ser maior que Deus, de tomar-lhe o poder e de ser o centro da criação. Percebemos na narrativa poética quão bem o poeta se apropria do texto bíblico, para, numa releitura criativa, colocar a questão da queda do diabo na oposição a Deus, devido à inveja, pois Deus criara um paraíso para colocar neles seres humanos e não um “anjo tão preparado” quanto se imaginava Lúcifer. No livro do profeta Ezequiel, encontra-se parte da justificativa do diabo para contender com Deus pela primazia na terra: “Perfeito eras nos teus caminhos, desde o dia em que foste criado, até que em ti se achou a iniquidade (Ez.28,15)”, ou, como escreveu o poeta acima “Ele me criou perfeito”.
O que causou a queda de Satanás? Na Bíblia encontramos algumas respostas no livro de profeta Ezequiel (28,17): “Elevou-se o teu coração por causa da tua formosura, corrompeste a tua sabedoria por causa do teu resplendor; por terra te lancei [...]”; e, no livro do profeta Isaías também encontramos outr explicação para queda:
Como caíste do céu, ó estrela da amnhã, filha da alva! Como foste lançado por terra tu que prostravas as nações! E tu dizias no teu coração: eu subirei ao céu; acima das estrelas de Deus exaltarei o meu trono; e no monte da congregação me assentarei, nas extremidades do norte; subirei acima das alturas das nuvens, e serei semelhante ao Altíssimo (Is. 14, 12-14).
A soberba e a inveja levam os anjos, anteriormente perfeitos, a serem lançados na terra. Uma vez nela, sua função seria – como traduz o poeta – “incentivar os homens a se enterrar em seu próprio lamaçal”, ou seja, viverem uma vida de pecados, afastados de seu criador. A maneira pela qual Satanás intervém nos destinos da humanidade é chamada na Bíblia de tentação, e o protótipo da tentação demoníaca pode ser lido no Evangelho de Mateus (Mt 4,1), quando Jesus é levado em espírito ao deserto para ser tentado pelo diabo, que lhe faz doois pedidos para que prove ser o filho de Deus (transformar pedras em pães e se lançar do ponto mais alto do templo), no que é prontamente repreendido (“não só de pão vive o homem” e “não tentarás o senhor teu Deus”). Além da oferta de glória e riquezas, em troca de adoração, que é também rechaçada com veemência (Mt 4,10): “Para trás, Satanás, pois está escrito: Adorarás o Senhor teu Deus, e só a ele servirás”. Essa última oferta – poder e riquezas – vai aparecer como modelo de tática demoníaca ao longo da história, para subverter os caminhos do homem espiritual, cuja imersão no mundo dos prazeres materiais, que o dinheiro proporciona, se afastá-lo-ia cada vez mais dos caminhos que levam a Deus. Quando o diabo pede ao advogado que melhore sua imagem, pois já está cansado de ser “tão caluniado”, o que oferece em troca é justamente fama e riqueza para realizar os sonhos do homem comum: (...).
Todo o restante da poesia vai tratar das consequências desse pacto frustrado. Ao não aceitar a proposta do diabo, e ainda humilhá-lo, perdoando-o por não ter dinheiro para dividir a conta, tem início um duelo que culimna com a intervenção mágica do “padrinho Pe. Cícero”, que empresta seu bastão encantado (espécie de varinha de condão ou Excalibur), pondo fim ao combate, com a derrota do príncipe das trevas e de sua legião de demônios, e a consequente exaltação do advogado farrista, que pede àqueles que duvidarem da história que ‘liguem pro cão’ e confirmem a veracidade da mesma: (...).
Acreditamos que a variedade temática das poesias acima são suficientes para situar a abrangência do ciclo temático místico religioso da LC. Entretanto, não pretendemos, com o corpus apresentado, limitar ou esgotar a possibilidade de variações – que são incontáveis – dentro de um mesmo tema, já que o cordel se desenvolve em sintonia com o desenvolvimento da sociedade, traduzindo valores culturais e autalizando os anseios dos homens e mulheres de uma região nas diversas áreas da existência. E a fé, com todas as implicações que dela decorrem, faz parte desse universo atemporal, cantado na poesia de cordel, atingindo seu ápice nas poesias dedicadas aos queridos santos da devoção popular do Nordeste do país: Antonio Conselheiro, Pe. Cícero Romão Batista, Frei Damião de Bozzano e a Virgem das Dores.

(páginas 89 e seguintes).

quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009

Cordel e Língua Portuguesa

(peguei a imagem em http://blogdofavre.ig.com.br/2008/09/nova-ortografia-da-lingua-portuguesa/)
ALGUNS VERSOS SOBRE
O NOVO ACORDO ORTOGRÁFICO DA LÍNGUA PORTUGUESA


Semana passada estive em Recife, participando de um curso sobre o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa. No final, tinha que fazer um paper sobre o tema. Achei mais interessante fazer uns versos sobre o assunto.


O ACORDO ORTOGRÁFICO E AS MUDANÇAS NO PORTUGUÊS DO BRASIL

Com licença, meus amigos,
Quero falar com vocês
Sobre o que estão fazendo
Com o nosso português.
Eu não sei se é bom ou mau
Mas, Brasil e Portugal
Assinaram um tratado
Pra que em nossa ortografia,
Que é diferente hoje em dia,
Seja tudo unificado.

Moçambique, Cabo Verde,
Angola e Guiné-Bissau
Assinaram o acordo
Com Brasil e Portugal.
O Timor Leste também
Embarcou no mesmo trem
E andaram me dizendo
Que entrou até São Tomé,
Mas este, sendo quem é,
Eu só acredito vendo.

Eu sei é que para nós,
Do português-brasileiro,
O acordo entrou em vigor
A primeiro de janeiro.
E agora não tem jeito,
Reclamando ou satisfeito,
O que é preciso fazer
É estudar a reforma
Para conhecer a forma
Que nós temos que escrever.

Eu já soube, por exemplo,
Que acabaram com o trema
E, aliás, quanto a isso,
Não vejo o menor problema.
Pois pronunciar “frequência”,
“tranquilidade”, “sequência”
e até “ambiguidade”,
A gente foi aprendendo
Ouvindo e depois dizendo
Através da oralidade.

O “k”, o “y” e “w”
Entraram no alfabeto.
E quanto a isso eu achei
Que o acordo foi correto
Pois já tinha muita gente
Com nome bem diferente
No sertão do Ceará:
O Yuri e o Sidney,
Franklyn, Kelly e Helvesley,
Já usam essas letras lá.

Mais complicado é o hífen
Que ora tem, ora não.
Parece que há uma regra
Pra cada situação.
Em muitas ele caiu
Mas em algumas surgiu.
E, como a coisa complica,
Já falam em reunir
Mais gente pra discutir
Quando sai e quando fica.

Mas, parece que os problemas
Que vão incomodar mais
Vêm com a queda dos acentos
Ditos diferenciais.
Pólo, pêra, pêlo e pára
Ficam com a mesma cara
Pra sentidos diferentes.
Mas, de acordo com reforma,
“pôde”, “pôr”, “dêmos” e “forma”
São exceções existentes.

Tem muitas outras mudanças
Que ainda temos que estudar.
Permitam-me um conselho
Que agora quero lhes dar:
É bom ficar bem atentos
Para essa queda de acentos
Na escrita brasileira.
E quando for se sentar
Cuide pra ninguém tirar
O assento da cadeira.

Já chega de falar tanto
Sobre a língua portuguesa.
Vou pegar um avião
E voar pra Fortaleza.
Mas, antes desse percurso
Devo dizer que esse curso
Valeu mais que ouro em pó.
Tomara que o tratado
Seja também adotado
No país de Mossoró.

quinta-feira, 5 de fevereiro de 2009

Rock & Cordel

Da esquerda para a direita: Abimael Carvalho, Moisés Veloso, Marcos Mairton, Leo Carlos e Franzé Batera
(A foto foi obtida em http://picasaweb.google.com.br/rockcordel03/ProjetoEnxofre#. Clique no link para ver mais fotos)

PROJETO ENXOFRE NO ROCK CORDEL

Dia 31 de janeiro de 2009 a Banda Projeto Enxofre se apresentou no Rock Cordel, no Centro Cultural Banco do Nordeste, em Fortaleza. O nome do festival é bem escolhido, pois passaram por ali várias formas de manifestação cultural, umas mais ligadas ao rock, outras à cultura nordestina.

Não sei se o Projeto Enxofre era a única banda de rock que tinha um cordelista entre seus participantes (eu), mas fiquei feliz ao pisar no palco e lembrar que trafego pelas duas áreas.
Para ver o Projeto Enxofre interpretando a música "Sobrinho", de nossa autoria, clique aqui: http://www.youtube.com/watch?v=eOvwBdQBnzQ

Na abertura, declamei esse martelo:


Nesse espaço de arte e de cultura
Tem lugar pra guitarra e pro pandeiro
Repentista se encontra com roqueiro
Rock'n roll com xaxado se mistura.
Cada um chega aqui e logo procura
Cumprir com maestria seu papel.
Nessa torre que não é de Babel
É melhor você ir se preparando:
O Projeto Enxofre está chegando
Pra botar fogo no Rock Cordel!


terça-feira, 3 de fevereiro de 2009

Poesia de Mundim do Vale



POESIA LIMEIRIANA


Meu generoso amigo Mundim do Vale me enviou mais uma de suas obras. Dessa vez o tema é a carta escrita por Pero Vaz, quando do descobrimento do Brasil. Só que em uma versão limeiriana, que todo mundo sabe que era fantástico em rima e métrica, mas deixava a desejar na fidelidade aos fatos históricos. Afinal é de Zé Limeira a glosa que diz:


Pedro Álvares Cabral
Inventor do telefone
Começou tocar trombone
Na banda do Zé Leal.
Mas como tocava mal
Injeitou três instrumento
Jesus saiu lá de dento
Correndo atrás duma lebre
Quem for podre que se quebre
Diz o novo testamento.


Vejamos como ficou a carta limeiriana de Mundim do Vale. E obrigado, Mundim, por mais essa colaboração!


Carta de Pero Vaz segundo Zé Limeira

Mundim do Vale

Certa vez lá em Natal
Limeira tava cantando
Todo tempo misturando
Mossoró com Portugal.
Falava de carnaval
Numa casa de farinha,
Até que Zé de Ritinha
Perguntou: - Tu é perito?
Pois rime o que tava escrito
Na missiva de Caminha.

A carta:

Senhor rei de Portugal
Aos vinte e nove de abril
De um tronco de pau Brasil
Escrevo a carta real.
A viagem foi normal
Com as graças de Jesus
Que nos mostrou uma luz
Para uma ação pioneira.
Onde ergui sua bandeira
Na terra de Vera Cruz.

A terra aqui é tão boa
Que até já me acostumei
Confesso para o meu rei
Que já esqueci Lisboa.
A nativa sobe à toa
Na árvore pra chupar manga
Vestida só com uma tanga
Com o peito descoberto.
E a gente olha bem de perto
E a danada nem se zanga.

Não vou mais voltar aí
Pra não ter que trabalhar
Pois levo o tempo em pescar
E comer Índia tupy.
Vou ficar mesmo é aqui
Porque não sou abestado
Me esqueça no seu reinado
Que aqui tudo é maravilha.
Já comi até a filha
Do chefe Touro Deitado.

Tou fazendo um relatório
De tudo que acontece,
Dos índios fazendo prece
Na frente do oratório.
Já montei meu escritório
Na taba do feiticeiro,
Mas mande pena e tinteiro
E também papel paltado,
Que estou comprando fiado
A um cigano estradeiro.

Os índios querem adotar
O costume português.
O vício da embriagues
E a mania de trocar.
Não tenho como evitar
Essa permuta ilegal
Porque o próprio Cabral
Vive trocando arruela.
E até a índia mais bela
Já foi trocada por sal.

Quero também avisar
Pra meu rei tomar ciência
Que precisa providência
Urgente nesse lugar.
Os europeus vão chegar
Mudando a religião.
Vai chegar também ladrão
Para furtar à vontade,
Daí nasce a impunidade
Para a futura nação.

Chegou aqui um francês
Que é metido a bichinha
Ele esculhamba a rainha
E tudo quanto é português.
Aconteceu certa vez
Aqui no Monte Pascoal
Que ele assediou Cabral
Oferecendo o caneco.
Cabral quase teve um treco
Lá dentro do matagal.

Aqui já apareceu
O tal do esquentamento
Precisa medicamento
Que muita gente morreu.
Escute esse servo seu
Pra coisa não desandar,
A corte tem que mandar
Um médico para esse povo.
Eu mesmo já tou com um ovo
Em tempo de cozinhar.

Aqui já tem confusão
De índio com português
Já é a terceira vez
Que eu faço intervenção.
O nativo faz questão
De uma vida reservada,
Sem calçar nem vestir nada
E meu rei tem que entender
Que faz gosto a gente ver
Uma nativa pelada.

Prepare um navio cargueiro
Pra trazer equipamento,
Mande birô e acento
Pra seu fiel cavalheiro.
Eu passo um mês inteiro
Vivendo nesse sufoco
Recebendo muito pouco
Nessa minha sub-vida.
Já tou com a bunda doída
De viver sentado em toco.

O meu rei deve lembrar
Que a terra foi Deus que deu,
Depois vem o europeu
Querendo se apossar.
Os índios não vão gostar
Dessa perversa invasão
E vão entrar em questão
Mas não vão levar vantagem,
Porque somente a coragem
Não pode vencer canhão.

Não é bom meu rei mandar
Jogadores nem detentos
Pois esses maus elementos
Só servem para furtar.
É bom a corte cortar
O mal cheiro pela essência,
Pra não gerar descendência,
Dessa raça malfazeja.
Evitando que um esteja
Um dia na presidência.

Sei que vossa majestade
É o nosso rei soberano
Mas desenvolvi um plano
Pra essa comunidade.
Mostre a vossa autoridade
Agindo com inteligência,
Munido de coerência
E coragem de pra reinar,
Na hora de decretar
O ato da independência.

Se um dia meu rei vier
É melhor que venha só
Aqui se arranja xodó
Porque não falta mulher.
Índia não sabe o que quer
Nem manda botar baralho.
E pra findar meu trabalho
Assino na última linha.
Seu Pero Vaz de Caminha
Sarney Magalhães Barbalho.