quinta-feira, 31 de dezembro de 2009

Um conto de natal

Fecho o ano com esse lindo conto de natal de Luís Campos. Feliz 2010!
Ainda Há Esperança!
(Um Conto de Natal)
Um conto de Luís Campos (Blind Joker)
Estava quase à hora da ceia e Armando não sabia onde se metera oYuri. Perguntou à sua mulher, mas ela também não sabia do menino. Rosa indagou à pequena Miucha sobre o paradeiro do irmão e ela disseque não sabia dele. O vira sair em direção ao Campo Grande, por voltadas quatro horas.
Armando e rosa sentaram-se num dos bancos. Nada diziam, apenas olhavam para o nada ou, quando muito, para o céu estrelado. Miucha, alheia à preocupação dos seus pais, nos seus oito anos, brincava com sua boneca.
O homem recordava o sítio. Por que o vendera? Por que viera para Salvador atrás de um sonho que talvez nem fosse o seu? Mas ele tinha certeza que fizera essa bobagem pensando em dar um futuro melhor para as crianças. Aqui elas poderiam estudar, ser alguémna vida e quem sabe, dar-lhes uma velhice tranqüila! Por ele, ficaria no sítio. Cuidar da horta, da rocinha de feijão, milho e mandioca, ordenha Gabiroba, ver Rosa cuidar das galinhas e da Cabriolé e do Fantoche, seu casal de porcos. Sentia agora o cheiro da comida gostosa que Rosa fazia tão bem. Seu colchão de palha, suas noites de lua cheia no terreiro da casa, proseando com sua Rosa. Aquele delicioso café com tapioca toda manhã. Nada disso voltaria!
A mulher também pensava. Nunca condenou o marido e estaria disposta aseguir com ele este caminho do inferno. Procurava não pensar no que ficou pra traz. Ele lhe contara seu sonho e Rosa quis sonhar com ele!
No dia em que chegaram aqui, foram morar num barraco cedido pelopatrão. Rosa procurou uma escola próxima e matriculou as crianças. Com nove e sete anos, ainda não tinham freqüentado uma escola, embora soubessem ler, pois tanto Rosa quanto Armando lhes ensinara. Quase todas as crianças da redondeza do sítio, na idade dos seus, eram analfabetas. Em grande parte da zona rural desse País, até hoje, não há escolas. Também não há professoras. Como poderia haver professoras ou escolas se não existem estradas? A maioria dos sítios e pequenas fazendas são interligadas por caminhos estreitos e esburacados que mal dão para passar uma carroça. Assim acontecia no interior onde vivia Armando. O acesso ao seu sítio e dos vizinhos era tão estreito que quase não dava para ele passar com sua carroça, puxada por Café, seu jeguinho, quando precisava ir à"cidade" levar seus produtos para vender na feirinha e, na volta,trazer açucar, café, farinha de trigo e biscoitos para os meninos. Na região passava um pequeno rio, o que dava alguma tranqüilidade aos moradores. Também havia muitas árvores frutíferas, o que contribuía para que a alimentação das crianças fosse mais saudável. Quando a coisa "pegava", Armando saía em busca do alimento na mata. Como ainda havia alguns animais de pequeno porte por ali, Armando, devez em quando, se aventurava pela mata para caçar, acompanhado de Geléia que, aos latidos, acuava os animais, deixando-os à mercê do tiro certeiro da espingarda-de-socar que o próprio Armando fizera. Com o "almoço" da família garantido, ele retornava para casa e, pelo caminho, pegava algumas raízes e folhas para que Rosa fizesse os "santos remédios" que, nem só matavam as "bichas", como serviam para os ungüentos, usados nos machucados, bem como para os chás e xaropes.
Nem completara dois anos como frentista e fora despedido. Teve que deixar o barraco, tirar as crianças da escola e procurar onde abrigar os seus. Arrependia-se de ter vendido seus bens para vir à Capital em busca de oportunidade para seus filhos. Estava tão aéreo em suas divagações que não percebeu dois carros da Polícia Civil que se aproximavam. Quando as viaturas pararam, Armando nem imaginava a que vinham!
Vez por outra, elas estavam por ali. Algumas vezes paravam, davam uma olhadinha e iam embora. Noutras, apenas passavam devagar, olhando para um lado e para o outro.
Destas desceram quatro mulheres e três homens. Elas traziam algumas sacolas e se aproximaram deles e uma delas perguntou:
- O Senhor é o Armando Jaguaripe?
Armando olhou as mulheres. Elas sorriam. Os homens ficaram à parte, mas observavam a cena e os arredores. Miucha levantou-se do chão e veio ficar junto aos pais. Rosa também olhou aquelas mulheres muito bem vestidas e bonitas. Outros moradores se aproximaram. Armando, antes de responder, pensou em como são curiosas as pessoas.
- Sou eu sim, Senhora...
A mulher, que parecia ser a "mandona", falou para um dos homens:
- Coimbra! Trás o Yuri!
O homem foi até uma das viaturas e voltou trazendo o menino pela mão. A mulher que havia dado a ordem, disse:
- Seu Armando, pegaram o Yuri roubando umas coisas num supermercado. Ele nos contou a história de vocês e então resolvemos trazê-lo atéo Senhor!
Armando olhou para o filho carinhosamente, mas, com ar de reprovação na voz, perguntou-lhe:
- Filho, por que você fez isso? É essa a educação que lhe damos? Você viu alguma vez seu pai ou sua mãe pegar qualquer coisa de alguém?
Yuri, entre soluços e abraçando-se ao pai, respondeu:
- Me perdoe, Paizinho! Eu só queria que a gente tivesse um Natal...
- Que Natal seria esse, filho?
- Pai, um Natal de gente e não de bicho... como agente tinha na roça!
Disse o menino ainda chorando. Armando, com os olhos encharcados, replicou:
- Filho, antes um Natal de bicho a ver meu filho roubando!
- Me perdoe, Paizinho... perdoe, Mãezinha!
A esta altura, todos que estavam presentes à cena, tinham lágrimas nosolhos, até mesmo os "durões" policiais. A Delegada interrompeu esse diálogo, dizendo:
- Bem, Seu Armando... nós viemos cear com vocês e trouxemos algumas coisinhas!
Uma das moças tirou da sacola que trazia, duas toalhas de mesa com desenhos natalinos e as estendeu no chão. As outras colocaram sobre estas alguns panetones, bolos, refrigerantes de dois litros, um queijo-cuia, três frangos assados, uma vasilha com farofa e outra com arroz, além de caixinhas de passas. Um dos homens foi até a viatura. Pegou duas garrafas de "cidra", pratinhos, copos e talheres plásticos e veio juntar-se aos demais. A Delegada, sentando-se no chão, falou para os curiosos:
- Todos vocês que moram aqui na praça, podem sentar-se conosco!
E complementou, indicando um lugar:
- Venha, Seu Armando... sente-se aqui com sua família!
Então todos sentaram-se no chão, em torno das toalhas, inclusive os policiais. As quatro mulheres prepararam os pratinhos e distribuiram entre os presentes, colocando nestes, um pouco de cada coisa. Brindaram com a cidra e depois da ceia beberam refrigerante. E aqueles desafortunados que moravam na praça, nesta noite, tiveram um Natal menos indigno...
Meia hora depois, felizes, os policiais retornavam à Delegacia! Nesta noite, brilhou entre os homens a estrela da solidariedade e dacompreensão!
Ainda há esperança!
FIM

sexta-feira, 25 de dezembro de 2009

Negros, índios, portugueses e holandeses

Acabei de escrever um conto sobre escravos, índios, portugueses e holandeses. Sobre raças e missigenação. Sobre escravidão e liberdade. Durante as pesquisas que realizei, acabei encontrando esse vídeo, com Paulo Autran declamando "Navio Negreiro", de Castro Alves, e imagens do filme "Amistad". Muito bom!
Navio Negreiro
Castro Alves


I
'Stamos em pleno mar... Doudo no espaço Brinca o luar — dourada borboleta; E as vagas após ele correm... cansam Como turba de infantes inquieta.
'Stamos em pleno mar... Do firmamento Os astros saltam como espumas de ouro... O mar em troca acende as ardentias, — Constelações do líquido tesouro...
'Stamos em pleno mar... Dois infinitos Ali se estreitam num abraço insano, Azuis, dourados, plácidos, sublimes... Qual dos dous é o céu? qual o oceano?...
'Stamos em pleno mar. . . Abrindo as velas Ao quente arfar das virações marinhas, Veleiro brigue corre à flor dos mares, Como roçam na vaga as andorinhas...
Donde vem? onde vai? Das naus errantes Quem sabe o rumo se é tão grande o espaço? Neste saara os corcéis o pó levantam, Galopam, voam, mas não deixam traço.
Bem feliz quem ali pode nest'hora Sentir deste painel a majestade! Embaixo — o mar em cima — o firmamento... E no mar e no céu — a imensidade!
Oh! que doce harmonia traz-me a brisa! Que música suave ao longe soa! Meu Deus! como é sublime um canto ardente Pelas vagas sem fim boiando à toa!
Homens do mar! ó rudes marinheiros, Tostados pelo sol dos quatro mundos! Crianças que a procela acalentara No berço destes pélagos profundos!
Esperai! esperai! deixai que eu beba Esta selvagem, livre poesia Orquestra — é o mar, que ruge pela proa, E o vento, que nas cordas assobia... ..........................................................
Por que foges assim, barco ligeiro? Por que foges do pávido poeta? Oh! quem me dera acompanhar-te a esteira Que semelha no mar — doudo cometa!
Albatroz! Albatroz! águia do oceano, Tu que dormes das nuvens entre as gazas, Sacode as penas, Leviathan do espaço, Albatroz! Albatroz! dá-me estas asas.
II
Que importa do nauta o berço, Donde é filho, qual seu lar? Ama a cadência do verso Que lhe ensina o velho mar! Cantai! que a morte é divina! Resvala o brigue à bolina Como golfinho veloz. Presa ao mastro da mezena Saudosa bandeira acena As vagas que deixa após.
Do Espanhol as cantilenas Requebradas de langor, Lembram as moças morenas, As andaluzas em flor! Da Itália o filho indolente Canta Veneza dormente, — Terra de amor e traição, Ou do golfo no regaço Relembra os versos de Tasso, Junto às lavas do vulcão!
O Inglês — marinheiro frio, Que ao nascer no mar se achou, (Porque a Inglaterra é um navio, Que Deus na Mancha ancorou), Rijo entoa pátrias glórias, Lembrando, orgulhoso, histórias De Nelson e de Aboukir.. . O Francês — predestinado — Canta os louros do passado E os loureiros do porvir!
Os marinheiros Helenos, Que a vaga jônia criou, Belos piratas morenos Do mar que Ulisses cortou, Homens que Fídias talhara, Vão cantando em noite clara Versos que Homero gemeu ... Nautas de todas as plagas, Vós sabeis achar nas vagas As melodias do céu! ...
III
Desce do espaço imenso, ó águia do oceano! Desce mais ... inda mais... não pode olhar humano Como o teu mergulhar no brigue voador! Mas que vejo eu aí... Que quadro d'amarguras! É canto funeral! ... Que tétricas figuras! ... Que cena infame e vil... Meu Deus! Meu Deus! Que horror!
IV
Era um sonho dantesco... o tombadilho Que das luzernas avermelha o brilho. Em sangue a se banhar. Tinir de ferros... estalar de açoite... Legiões de homens negros como a noite, Horrendos a dançar...
Negras mulheres, suspendendo às tetas Magras crianças, cujas bocas pretas Rega o sangue das mães: Outras moças, mas nuas e espantadas, No turbilhão de espectros arrastadas, Em ânsia e mágoa vãs!
E ri-se a orquestra irônica, estridente... E da ronda fantástica a serpente Faz doudas espirais ... Se o velho arqueja, se no chão resvala, Ouvem-se gritos... o chicote estala. E voam mais e mais...
Presa nos elos de uma só cadeia, A multidão faminta cambaleia, E chora e dança ali! Um de raiva delira, outro enlouquece, Outro, que martírios embrutece, Cantando, geme e ri!
No entanto o capitão manda a manobra, E após fitando o céu que se desdobra, Tão puro sobre o mar, Diz do fumo entre os densos nevoeiros: "Vibrai rijo o chicote, marinheiros! Fazei-os mais dançar!..."
E ri-se a orquestra irônica, estridente. . . E da ronda fantástica a serpente Faz doudas espirais... Qual um sonho dantesco as sombras voam!... Gritos, ais, maldições, preces ressoam! E ri-se Satanás!...
V
Senhor Deus dos desgraçados! Dizei-me vós, Senhor Deus! Se é loucura... se é verdade Tanto horror perante os céus?! Ó mar, por que não apagas Co'a esponja de tuas vagas De teu manto este borrão?... Astros! noites! tempestades! Rolai das imensidades! Varrei os mares, tufão!
Quem são estes desgraçados Que não encontram em vós Mais que o rir calmo da turba Que excita a fúria do algoz? Quem são? Se a estrela se cala, Se a vaga à pressa resvala Como um cúmplice fugaz, Perante a noite confusa... Dize-o tu, severa Musa, Musa libérrima, audaz!...
São os filhos do deserto, Onde a terra esposa a luz. Onde vive em campo aberto A tribo dos homens nus... São os guerreiros ousados Que com os tigres mosqueados Combatem na solidão. Ontem simples, fortes, bravos. Hoje míseros escravos, Sem luz, sem ar, sem razão. . .
São mulheres desgraçadas, Como Agar o foi também. Que sedentas, alquebradas, De longe... bem longe vêm... Trazendo com tíbios passos, Filhos e algemas nos braços, N'alma — lágrimas e fel... Como Agar sofrendo tanto, Que nem o leite de pranto Têm que dar para Ismael.
Lá nas areias infindas, Das palmeiras no país, Nasceram crianças lindas, Viveram moças gentis... Passa um dia a caravana, Quando a virgem na cabana Cisma da noite nos véus ... ... Adeus, ó choça do monte, ... Adeus, palmeiras da fonte!... ... Adeus, amores... adeus!...
Depois, o areal extenso... Depois, o oceano de pó. Depois no horizonte imenso Desertos... desertos só... E a fome, o cansaço, a sede... Ai! quanto infeliz que cede, E cai p'ra não mais s'erguer!... Vaga um lugar na cadeia, Mas o chacal sobre a areia Acha um corpo que roer.
Ontem a Serra Leoa, A guerra, a caça ao leão, O sono dormido à toa Sob as tendas d'amplidão! Hoje... o porão negro, fundo, Infecto, apertado, imundo, Tendo a peste por jaguar... E o sono sempre cortado Pelo arranco de um finado, E o baque de um corpo ao mar...
Ontem plena liberdade, A vontade por poder... Hoje... cúm'lo de maldade, Nem são livres p'ra morrer. . Prende-os a mesma corrente — Férrea, lúgubre serpente — Nas roscas da escravidão. E assim zombando da morte, Dança a lúgubre coorte Ao som do açoute... Irrisão!...
Senhor Deus dos desgraçados! Dizei-me vós, Senhor Deus, Se eu deliro... ou se é verdade Tanto horror perante os céus?!... Ó mar, por que não apagas Co'a esponja de tuas vagas Do teu manto este borrão? Astros! noites! tempestades! Rolai das imensidades! Varrei os mares, tufão! ...
VI
Existe um povo que a bandeira empresta P'ra cobrir tanta infâmia e cobardia!... E deixa-a transformar-se nessa festa Em manto impuro de bacante fria!... Meu Deus! meu Deus! mas que bandeira é esta, Que impudente na gávea tripudia? Silêncio. Musa... chora, e chora tanto Que o pavilhão se lave no teu pranto! ...
Auriverde pendão de minha terra, Que a brisa do Brasil beija e balança, Estandarte que a luz do sol encerra E as promessas divinas da esperança... Tu que, da liberdade após a guerra, Foste hasteado dos heróis na lança Antes te houvessem roto na batalha, Que servires a um povo de mortalha!... Fatalidade atroz que a mente esmaga! Extingue nesta hora o brigue imundo O trilho que Colombo abriu nas vagas, Como um íris no pélago profundo! Mas é infâmia demais! ... Da etérea plaga Levantai-vos, heróis do Novo Mundo! Andrada! arranca esse pendão dos ares! Colombo! fecha a porta dos teus mares!

quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

O HOMEM QUE ENGARRAFAVA NUVENS (SHOW)


Para quem ainda não me conhece eu sou o cangaceiro virtual
E serei o apresentador nesse grande show musical

Levante da cadeira e aumente o som
Vai começar o ShowBlog Baião com sucessos que você conhece
E artistas que você adora.

O nosso show está dividido em quatro partes,
Fique até o final e não vá embora,
Eu prometo diversão e muita canção
Nessa Homenagem a Humberto Teixeira
O doutor do baião.

Mas vamos deixar de Blá Blá Blá que o show já vai começar.









































Se você gostou do show dia 15 de janeiro corra para os cinemas
O Homem que Engarrafava Nuvens vai estrear com mais musica e festa para você se divertir e se emocionar.

segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

O HOMEM QUE ENGARRAFAVA NUVENS



FILME SOBRE HUMBERTO TEIXEIRA

Dia 16 de dezembro às 18hrs será divulgado no Blog Oficial do filme "O Homem que Engarrafava Nuvens" em homenagem ao "Dr. do Baião" Humberto Teixeira, parceiro de Luiz Gonzaga, filme que contou com a participação de diversos artistas renomados da música popular brasileira, cantado os principais sucessos do Dr.do Baião.
Esse show conta com a participação de Lenine, Elba Ramalho, Zeca Pagodinho,Cordel do Fogo Encantado, Gilberto Gil dentre outros artístas de sucesso.
Única apresentação deste show será dia 16 de Dezembro às 18 hrs no Blog Oficial.
http://ohomemqueengarrafavanuvens.blogspot.com/

quinta-feira, 12 de novembro de 2009

Jessier Quirino



RASGA RABO BAGUNÇADOR DE BAGUNÇA


Copiei essa do Jornal da Besta Fubana (
www.luizberto.com), da coluna “De cumpade pra cumpade”, do mestre Jessier Quirino. Já conhecia de seu livro/CD “Bandeira Nordestina”. Fantástico!


Trupizupe oia tu num me assusta
Com a fama da tua valentia
Porque esta macheza é freguesia
E até nem me parece tão robusta
Uma boa palmada não me custa
Pois no fundo eu te acho delicado
Se tu és um valente escolado
Eu quebrei no cacete a tua escola
O teu mestre saiu de padiola
E teu supervisor invertebrado.

No jardim da infância eu fui valente
E o nome da escola era bufete
No primário estudei no canivete
No ginásio no bote de serpente
Como eu era um aluno inteligente
Logo cedo já tinha me formado
Lampião tinha sido reprovado
Por froxura e por falta de frieza
Hoje, pós-graduado em malvadeza,
Vendo pena de morte no mercado.

Eu sou topada de unha encravada
Sou gilete no mei do tobogã
Sou o flagra da foda no divã
Sou feiúra dum talho de inchada
Sou um choque no furo da tomada
Sou ferrugem na agulha de injeção
Sou judeu se vingando de alemão
Cata-vento voando num comício
Sou a falta de droga num hospício
Queimadura de larva de vulcão.

Sou rolo compressor desgovernado
Libanês dirigindo um carro-bomba
Sou uns 300 quilos de maromba
Despencando do braço levantado
Sou carrasco esperando um condenado
Sou a queda fatal da guilhotina
Metralhada cruel de uma chacina
Marretada no dedo polegar
Eu sou o fósforo acesso pra fumar
Que explodiu o tambor de gasolina.

Eu sou a folha perversa da urtiga
Despontando no vaso sanitário
Querosene na mão do incendiário
Solitária mexendo na barriga
Sou machado afiado numa briga
Sou o chifre botado em Romeu
Sou Menguele com raiva de judeu
Sou o tiro certeiro do arpão
Sou a aids injetada no machão
Que enlouquece jurando que não deu.

Eu sou navalha na mão de delinquente
Jacaré triturando um caçador
Tirotei dentro dum elevador
Araldite numa escova de dente
Eu sou ninho de cobra num acidente
Sou ladrão seqüestrando um delegado
Comeine depois do atentado
Sou 500 mil watts de energia
Sou tesoura cruel de cirurgia
Que ficou na barriga do operado.

Eu sou o estouro brutal de uma boiada
Sou a fúria de um tubarão faminto
Cão de guarda trancado num recinto
Sou três tapas depois de uma facada
Eu sou rinoceronte em disparada
Explosão de usina nuclear
Sou mudança que cai do décimo andar
Sou o corte inflamado do punhal
Cianureto maior que sonrrisal
Que o nazista obrigou a mastigar.

Eu sou o maior beliscão do alicate
Maçarico cortando gente ruim
Tiro ao alvo na cara de Delfim
Criolina na sopa de tomate
Eu sou o pênalti perdido num empate
Sou scania sem frei na contramão
Gente besta coberto de razão
Matador disfarçado de molengo
Sou torcida irada do Flamengo
Perseguindo o juiz que foi ladrão.

Eu sou a explosão de foquete iraniano
Que subiu carregado de safado
Sou negrada invadindo o senado
Dando o golpe em galego africano
Peixerada de paraibano
Sou mijada na cara do doutor
Instrumento de esquartejador
Sou engasgo com bola de sinuca
Eu sou o tiro certeiro de bazuca
Que matou o infeliz do ditador

Trupizupe prepara a tua cova
É chegado o dia da decisão
Vai fazer tua última comunhão
Pois eu já preparei a tua prova
De arame farpado vai ter sova
Vai lembrando do teu aprendizado
Pois eu já tô ficando endiabrado
Só de raiva já dei um saculejo
Dei até beliscão num azulejo
Mas ainda não tô mal-humorado.

terça-feira, 27 de outubro de 2009

Sentença em cordel



Tenho recebido muitos pedidos para publicar em MundoCordel meu cordel "A Sentença", resultado de uma sentença que proferi em fevereiro de 2002. Aproveito e publico junto com os comentários que constam no livro "Uma sentença, uma aventura e uma vergonha".


A SENTENÇA


Este cordel trata de um caso real. A sentença realmente foi prolatada em versos e está nos autos do processo, nos arquivos da Justiça Federal do Ceará. Também foi publicada no número 69 da Revista da AJUFE.
Depois houve um concurso de poesia de cordel promovido pela Universidade de Fortaleza – UNIFOR, do qual podiam participar professores e alunos, e cujo tema era a Justiça. Tudo o que fiz foi incluir a introdução, feita nas cinco primeiras estrofes e descaracterizar os nomes das partes envolvidas, ou seja, o acusado e sua falecida esposa. O título adotado naquela ocasião foi: O CASO DO MARIDO QUE FOI ACUSADO DE ESTELIONATO PORQUE A MULHER, QUE ESTAVA COM CÂNCER, COMPROU UMA CASA E UM APARTAMENTO FINANCIADOS PARA QUE O SEGURO PAGASSE A DÍVIDA QUANDO ELA MORRESSE. Fiquei em segundo lugar, o que me serviu de grande incentivo.
Em setembro de 2005, recebi um telefonema do Desembargador Federal Carreira Alvim, Vice-Presidente do Tribunal Regional Federal da 2ª Região e Presidente do Instituto de Pesquisa e Estudos Jurídicos – IPEJ – me pedindo autorização para por a sentença original no site do IPEJ, descaracterizando apenas os nomes das partes. Fiquei surpreso com os comentários elogiosos do Desembargador Federal Carreira Alvim, que classificou a sentença como perfeita na forma e no conteúdo, especialmente por esses comentários terem partido de alguém bastante ocupado, conhecedor da matéria e a quem eu não conhecia pessoalmente.
Em janeiro de 2006, foi publicada pela Lira Nordestina, em Juazeiro do Norte, a primeira edição do folheto com o título: A SENTENÇA.
Na versão a seguir, é importante observar que há números entre colchetes no final de alguns versos. Esses números são notas explicativas, as quais constaram da sentença original, e estão reproduzidas no final da poesia.



A SENTENÇA

A vida como juiz
Nos dá muita experiência.
Aparece cada caso
Que desafia a ciência.
Nunca dá para prever
O que pode acontecer
Numa sala de audiência.

Se um caso parece simples,
Talvez seja complicado.
Quem parece inocente
Às vezes é o mais culpado.
Quem é mocinho ou bandido?
Quem vai ser absolvido?
Quem deve ser condenado?

Dos casos que até hoje
Tive o dever de julgar
Houve um que não esqueço
E que agora vou contar:
Foi numa ação criminal
Na Justiça Federal
Desta terra de Alencar.

Era o caso de um rapaz
Que estava sendo acusado
De ser estelionatário
Por sua mulher ter comprado
Casa e apartamento
Mas com seu falecimento
Ele é que foi premiado.


O caso interessante
Despertou minha atenção.
Meu coração de poeta
Encheu-se de inspiração.
Em cordel fiz a sentença
Que trago agora à presença
De toda a população:


PROCESSO: xxxxx
CLASSE 07000 - AÇÃO CRIMINAL
AUTOR: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
RÉU: Fulano de Tal da Silva


PENAL E PROCESSUAL PENAL. CRIME DE ESTELIONATO CONTRA O SISTEMA FINANCEIRO HABITACIONAL. ART. 171, § 3° DO CP. PENA EM ABSTRATO. PRESCRIÇÃO EM DOZE ANOS. CRIME TENTADO. INÍCIO DA PRESCRIÇÃO A PARTIR DO ÚLTIMO ATO DE EXECUÇÃO. RECONHECIMENTO. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE.


Vistos, etc.


1. RELATÓRIO

Trata o presente caso
De uma ação criminal
Movida neste Juízo
Buscando sanção penal
Para um ocorrido fato
Tido como estelionato
Pelo MP Federal.

Fulano de tal da Silva
É o nome do acusado,
Profissão: eletricista,
Nesta domiciliado,
É viúvo, brasileiro,
E desse modo ligeiro,
Ei-lo aí qualificado.


Denúncia foi recebida
As folhas um, oito, três
Noventa e sete era o ano
Outubro era o mês
Vinte e três era o dia
Que a ação começaria.
Com o despacho que se fez.

Veio, porém, a Juízo,
O réu, antes de citado,
Na folha dois, zero, três
Formulou arrazoado
Dizendo que prescrevera
O crime - se ocorrera ­
Do qual era acusado.

Disse que entre a conduta.
Como criminosa tida
E o dia em que a denúncia
Aqui fora recebida
Treze anos se passavam
E só doze lhe bastavam
Pra encerrar a partida.

Ouvido o douto parquet
Este fez oposição
Dizendo que o fato crime
Não teve consumação
Há tanto tempo passado
Sendo desarrazoado
Se falar em prescrição
[1].

O MM. Juiz
Acatou o argumento
Que o MP Federal
Usou como fundamento
E colocou no papel
Que ao pedido do réu
Negava deferimento
[2].


Feito isto foi marcada
Logo uma audiência
Para interrogar o réu
[3]
Sendo-lhe dada ciência
Que iria ser processado
Depois seria julgado
Com Justiça e com Prudência.


Mas com aquele decisum
Não houve conformação
Recurso em sentido estrito
Do réu foi a reação
[4]
Para ver modificada
A decisão prolatada
Negando-lhe a prescrição.


Vieram os autos conclusos
Pra que eu decida afinal
Se inverto a decisão
E dou ao feito um final
Ou mantenho o seu curso
Instruo logo o recurso
E mando pro Tribunal.


É o relatório. Decido.



2. FUNDAMENTAÇÃO


Ao apreciar o caso
Que ora é apresentado
Importa examinar
Com cautela e com cuidado
o termo inicial
Do prazo prescricional
Pela defesa alegado.


Nesse sentido, vejamos
o fato considerado
Como artificioso,
Ardiloso, simulado
Que o réu criou em sua mente
Buscando dolosamente
o beneficio almejado.


É fato que causa espanto
o que passo a descrever
Pois do que consta dos autos
o que ele intentou fazer
Foi obter quitação
De mútuos de habitação
Com seguro a receber.


Como modus operandi
Para o seu desiderato
A sua esposa, Maria
[5]
Figurou em dois contratos
Usando financiamento
Comprou casa, apartamento
Porém omitindo um fato.


O fato omitido in casu
Era a saúde de Maria
Que, portadora de câncer,
Brevemente morreria
E através da sua morte
Na verdade seu consorte
Se beneficiaria.

É que Maria morrendo
Os seguros pagariam
Todo o saldo dos empréstimos
E as contas se quitariam
A casa, o apartamento
Após feito o pagamento
Pro marido ficariam
[6].

Mas do que vejo dos autos
Esse plano não vingou
Porque a seguradora
Bem cedo desconfiou
Foi pondo dificuldade
E o fato é que, em verdade,
Os seguros não pagou.

As folhas cinqüenta e cinco
O BEC é que noticia
Sete anos que passaram
E ainda não havia
Sido providenciada
A cobertura esperada
Do que o seguro previa
[7].

Também em favor da tese
Que não houve a conclusão
Da conduta criminosa
De que trata esta ação
Um feito judicial
Na Justiça Estadual
Está em tramitação.

Vejo às folhas 200
Um oficio a informar
[8]
Que em uma Vara Cível
Aqui mesmo do lugar
o espólio de Maria
Litiga até hoje em dia
Com Allianz Ultramar.

Bem se sabe, pra que haja
Estelionato consumado
Impõe-se que o agente
Alcance o fim planejado
Pois como o tipo é descrito
Na norma em que está inscrito
[9]
É crime de resultado.

Tendo, assim, convicção
De que o fato tratado
Como crime nestes autos
Foi simplesmente tentado
Retorno a minha atenção
Ao prazo da prescrição
E como ele é contado.

O transcurso de tal prazo
Em caso de tentativa
Expressamente é previsto
Em locução normativa
Diz a norma que começa
No mesmo dia que cessa
A atividade nociva.

A norma que ora cito
É de sabença geral
Bem no artigo cento e onze
Lá do Código Penal
o inciso é o segundo
Não é coisa do outro mundo
Só disciplina legal.

Sobre o tema MIRABETE
Dá a seguinte lição:
Que havendo tentativa
o prazo de prescrição
Começa mesmo de fato
No dia do último ato
De sua execução
[10].

Partindo dessa premissa
Resta só verificar
Qual o ato executório
Feito em último lugar
Por parte do acusado
Pra ser beneficiado
Pela Allianz Ultramar.

Identificar tal ato
Não me traz qualquer tormento.
É claro que a tentativa
De ter locupletamento
Encerrou quando o acusado
Sentindo-se habilitado
Entregou o requerimento
[11].

O mês em que ocorreu
o fato acima apontado:
Setembro de oitenta e quatro
Isso está bem comprovado
[12]
Sendo um pouco inteligente
Isto é suficiente
Pra ser tudo calculado.

Daquele mês de setembro
Até o outro momento
Que formulada a denúncia
Deu-se o seu recebimento
Foram mais de treze anos
Não há como ter enganos,
Este é meu pensamento.

Assim, não se pode mais
Discutir a autoria.
A materialidade
Se, no caso, dolo havia,
Pois a prejudicial
Do prazo prescricional
Impede a pena tardia.

Tem, pois, razão a defesa
Quando alega prescrição
Não pode mais o Estado
Exercer a pretensão
De punir o acusado
E assim fundamentado
Exerço a retratação.

3. DISPOSITIVO

POSTO ISTO, julgo extinta
Toda punibilidade
Da conduta do acusado,
Cuja materialidade
Na denúncia está descrita,
Mas que hoje está prescrita,
Livre de penalidade.

Sem custas.

Publique-se. Registre-se. Intime-se.

Expedientes de praxe.


Fortaleza, 07 de fevereiro de 2002.


Marcos MAIRTON da Silva
Juiz Federal Substituto da 11ª Vara.

NOTAS:

[1] Às fls. 212 a douta Procuradora da República ressalta que o delito somente alcançaria consumação com o dano patrimonial representado, no caso sub examine, pela quitação do imóvel por parte da seguradora, e que o documento de fls. 102 apresentava evidente indicação de que até aquela data (29 de dezembro de 1992) não se havia consumado o delito.

[2] Fls. 213v.

[3] Interrogatório às fls. 216/217.

[4] Fls. 221.

[5] Maria de Tal.

[6] A cláusula décima segunda do contrato de fIs. 26/28 contém previsão de contratação de seguro com esse fim.

[7] A carta é enviada pelo BEC à Seguradora Allianz Ultramar, cobrando a cobertura das parcelas do contrato de Maria de Tal, a falecida esposa do acusado.

[8] O oficio é do próprio Juiz da 31ª. Vara Civel de Fortaleza, e dá conta de que, naquele Juízo, corre uma ação de cobrança do Espólio de Maria Tal contra Allianz Ultramar, sob o número 00.02.16071-4.

[9] Art. 171, e parágrafos, do Código Penal.

[10] MIRABETE, Júlio Fabrini, Código Penal Interpretado, Atlas, 1999, p. 601.

[11] Pleiteando a cobertura do seguro, obviamente.

[12] Conforme documentos de fls. 17, 19 e 21, dentre outros.

quinta-feira, 8 de outubro de 2009

Mourão

Com “M” é mourão voltado
Com “V” é voltar mourão
(Allan Sales e Heleno Alexandre, peleja pelo MSN em 06/10/09)
*
Quero um “C” pra meu cordel-ALLAN
Quero um “T” pra meu trabalho – HELENO
Com um “A” não me atrapalho
No “P” eu faço um papel
Eu com “Q” vou no quartel
Quero um “B” Pra Batalhão
Eu com “F” sou ferrão
Eu com um “T” sou tarado
Com “M” é mourão voltado
Com “V” é voltar mourão

Com um “X” eu pega Xuxa – HELENO
Eu com “G” pego a Giselle- ALLAN
Quero o “C” de Cicareli
Eu com “P” meu verso puxa
Com “B” boto até a bucha
Eu com “C” uso um canhão
Com “T” tenho mais tesão
Com “L” é teu leriado
Com “M” é mourão voltado
Com “V” é voltar mourão

Eu com “A” vou avançando- Allan
Com um “B” eu brigo e bato – HELENO
Eu com “C” um verso eu cato
Com “D” eu vou lhe dobrando
Eu com “F” lhe ferrando
Com “G” lhe faço um gangão
Eu com “H” homenzarrão
Eu com um “I” fico irado
Com “M” é mourão voltado
Com “V” é voltar mourão

Com um “J” eu jejuei- HELENO
Eu com “L” vi a luz- ALLAN
Com “M” eu colho mastruz
Com um “N” eu naveguei
Com um “O” eu operei
Com um “P” fui no pregão
Com “Q” resolvo questão
Com “R” vejo resultado
Com “M” é mourão voltado
Com “V” é voltar mourão.

segunda-feira, 5 de outubro de 2009

Mercedes Sosa


MERCEDES SOSA
09 de julho de 1935 - 04 de outubro de 2009

BUENOS AIRES (Reuters) - A cantora Mercedes Sosa, símbolo latino-americano e principal voz da música argentina, morreu neste domingo aos 74 anos, informou sua família.

Mercedes Sosa se encontrava hospitalizada desde 18 de setembro em Buenos Aires e seu estado de saúde se agravou na semana passada, devido a problemas renais e hepáticos, que debilitaram seus órgãos vitais.

"Nesta data, na cidade de Buenos Aires, Argentina, temos que informar que a senhora Mercedes Sosa, a maior artista da Música Popular Latino-americana, nos deixou", afirmou sua família em uma nota.

Com seis décadas de carreira na qual circulou por todos os gêneros musicais, também no exílio, enfrentando a censura de ditadores, Mercedes Sosa repartiu o palco em todo mundo com músicos de diferentes estilos e gerações, sem perder nunca sua profunda ligação com o folclore, a música predominante do interior argentino.

"Haydé Mercedes Sosa nasceu no dia 9 de julho de 1935 na cidade de San Miguel de Tucumán. Com 74 anos e uma trajetória de 60 anos, ela transitou por diversos países do mundo... e deixou um grande legado", acrescentou a mensagem da família.

O corpo da artista será velado a partir do meio-dia (horário de Buenos Aires), na sede do Congresso Nacional.

http://oglobo.globo.com/mundo/mat/2009/10/04/cantora-argentina-mercedes-sosa-morre-aos-74-anos-767903745.asp

segunda-feira, 28 de setembro de 2009

Poesia de Luís Campos (Blind Joker)

UM CORDEL SOBRE O LIXO
(e a chegada de mais um poeta ao Mundo Cordel)
Semana passada tive mais uma dessas surpresas agradáveis que Mundo Cordel sempre me proporciona. Em minha caixa de e-mails estava um do cordelista Luís Campos, de Salvador-BA, propondo-se a publicar alguns de seus cordéis por aqui.

Claro que concordei. Logo chegaram os cordéis, e um desses é o que publico hoje.
Quem quiser saber mais sobre a poesia de Luís Campos, pode visitar ose seguintes sites:

1. Planeta Educação:
http://www.planetaeducacao.com.br(Clique no link, Revista Cego à Vista e divirta-se com as historinhas!)
2. Vanmix: http://www.vanmix.com

Uma curiosidade: como Luís Campos é cego, utiliza um software especial (Dosvox), que gera arquivos em formato TXT.

Para os estudiosos do cordel que sempre vem por aqui, chamo a atenção para a métrica, em sétimas, com rima ABCBDDB e cada estrofe começando com verso que rima com o último da estrofe anterior.
Bem, vamos ao cordel, excelente na rima, na métrica e na oração, com mensagem ambientalista super atual!


CUIDADO COM O LIXO

Luís Campos (Blind Joker)
Acho que o pessoal
já não tem educação
a cidade anda suja
parecendo um lixão.
Ninguém tá preocupado
é lixo por todo lado
entupindo o grotão.
*
Para ser bom cidadão
tem que cuidar da cidade
zelar por sua limpeza
não é fazer caridade.
É dever de todos nós
sujam rio até a foz
seja dita a verdade.
*
Não é questão de bondade
ou mesmo de simpatia
quem só pensa em si mesmo
não deve ter alegria.
Vamos pensar no vizinho
limpar o nosso cantinho
pra viver em harmonia.
*
Casca de fruta na via
provocando acidente
cachorro morto na vala
causando sua enchente.
Tem acessório de carro
tem bituca de cigarro
queimando o pé da gente.
*
também o povo carente
contribui co'a mazela
já vi resto de comida
jogado pela janela.
Saco de lixo na rua
pé-de-cabra e gazua
na porta duma capela.
*
Já vi tampa de panela
entupindo um bueiro
colchão velho e sofá
bem no meio do terreiro.
Escova, garfo e faca
de cachorro, muita caca
exalando seu mau cheiro.
*
Esse povo de dinheiro
anda muito ocupado
eu já vi em bairro nobre
resto de concreto-armado.
Palito de picolé
um pacote de café
do quinto andar ser jogado.
*
Vi um coco descascado
papel de bombom no chão
um banco enferrujado
pendurado num portão.
Encontrei pneu careca
um short, uma cueca
e um braço de violão.
*
Ao passar o caminhão
para recolher o lixo
derrama a churumela
enche a rua de bicho.
Não se faz a varrição
e o lixo pelo chão
é só falta de capricho.
*
Não quero fazer buxixo
mas conto o que já vi
tubo de televisão
e de carro, um chassi.
Balde, cabo de vassoura
e até peruca loura
de um velho travesti.
*
Agradeço ao gari
que trabalha pra valer
varrendo essa cidade
pra um outro recolher.
A estes vai meu abraço
por trabalhar no mormaço
todo dia a varrer.
*
O que tô a descrever
não é mera ficção
vamos ter que reciclar
reduzir a produção.
Todo esse consumismo
vai gerar um cataclismo
e sumimos no lixão.
*
Não repito a lição
mas posso dar um conselho
escreva sobre o lixo
se mire no meu espelho.
Seja em prosa ou verso
para o bem do universo
vá metendo seu bedelho.
*
Eu não vou ficar vermelho
por ter sido intimado
a escrever umas linhas
em verso metrificado.
É dever do cidadão
não deixar o seu irmão
vir a ser prejudicado.
*
Já é fato consumado
lixo e corrupção
a sujeira na política
apavora a Nação.
Isso é café pequeno
e a dose do veneno
está nesta eleição.
*
Vamos usar a razão
pra todo lixo varrer
na hora de dar seu voto
pense no que vai fazer.
Nesse balaio de gatos
escolha o candidato
que pareça com você.

segunda-feira, 31 de agosto de 2009

Poesia de Dalinha

Meus agradecimentos ao Rubão pela belíssima imagem
que fui buscar em http://sevenarts.com.br/ciadejesus/?p=283



Participação especial de Dalinha Catunda (Blog Cantinho da Dalinha), poetisa e leitora ilustre deste Mundo Cordel:


O SERTANEJO

O Sertanejo quando sai
Do seu querido torrão,
Só sai porque necessita,
Sai porque tem precisão.
Se fosse mesmo por gosto,
Jamais deixaria seu chão.

Nos alforjes carregados
Transporta tristeza e dor.
Saudades da lua cheia,
Das noites no interior.
Do amanhecer do dia
Com galo despertador.

Com olhos marejados,
Lacrimeja de emoção.
Quando escuta no rádio
Ou mesmo na televisão,
Canções que antes ouvia
Em seu saudoso sertão.

Dói na alma dói no peito,
É bem grande a emoção,
Do “sertanejo que é forte”,
Mas vira menino chorão,
Se sente a saudade telúrica
Batendo em seu coração.


sexta-feira, 21 de agosto de 2009

Fábula em Cordel

(Ilustração de Gustave Doré)


A MORTE E O LENHADOR
Marcos Mairton
(adaptado da fábula de La Fontaine)


Foi o francês La Fontaine
Quem, certa vez, me contou
A história de um homem
Que pela morte chamou,
Mas depois se arrependeu,
Quando ela apareceu
E perto dele chegou.


Era um velho lenhador
Que andava muito cansado
Do fardo que, até então,
Ele havia carregado.
Um fardo que parecia
Sempre e sempre, a cada dia,
Mais incômodo e pesado.


Estava velho e doente,
Sentia o corpo doído.
Maltratado pelo tempo,
Seu semblante era sofrido.
Seguia, assim, seu caminho,
Atormentado e sozinho,
Sempre sujo e mal vestido.


Certa vez, ao fim do dia,
Quando ia pela estrada,
Para a choupana que então
Lhe servia de morada,
Foi obrigado a parar
Um pouco pra descansar
Da extensa caminhada.


Trazia um feixe de lenha
Que foi buscar na floresta.
Largou a lenha no chão,
Passou a mão pela testa,
Maldizendo-se da sorte,
Pensou: – É melhor a morte,
Que uma vida que não presta.


– Não consigo carregar
Essa lenha tão pesada.
Já não tenho mais saúde,
Meu ganho não dá pra nada,
Perseguido por credores,
Meu corpo cheio de dores,
Ai que vida desgraçada!


– Ó, Morte, onde é que andas,
Que não ouve o meu lamento?
Que não vem pra me tirar
Desse brejo lamacento?
Dona Morte, eu te rogo,
Venha acabar, venha logo,
Com meu grande sofrimento!


Aí, ela apareceu,
Com sua foice na mão.
Aproximou-se do velho
E disse logo: – Pois não.
Estavas a me chamar?
Em que posso te ajudar,
Querido filho de Adão?


O velho sentiu um frio
Lhe correr pelo espinhaço,
Quando a voz rouca da morte
Ecoou naquele espaço.
E pensou, na mesma hora:
“O que é que eu faço agora?
E agora o que é que eu faço?”

Então disse: – Essa honra,
Não acredito que eu tenha,
Que atendendo meu chamado
A senhora aqui me venha.
Mas, se posso pedir tanto,
Me ajude, por enquanto,
A carregar essa lenha!


A morte saiu dali
Um tanto desapontada,
E o velho foi embora
Cantarolando na estrada,
Porque, “mesmo padecendo,
Melhor é seguir vivendo
Que morrer sem sofrer nada”.


É essa a moral da história
Que La Fontaine nos deu,
Nessa fábula que ele,
Entre muitas, escreveu.
Eu, apenas transformei
Em cordel e dediquei
A você, que agora leu.


Jean de La Fontaine é o mais célebre fabulista e um dos escritores franceses mais lidos em todos os tempos. Nasceu em 8 de julho de 1621 em Château – Thierry, Champagne. Começou sua carreira literária em 1650, tendo publicado seus primeiros livros de fábulas em 1668. Em 1683 foi admitido na Academina Francesa de Letras. Os útimos volumes de suas fábulas foram editados em 1694, um ano antes de sua morte, em 13 de abril de 1695, aos 73 anos.

terça-feira, 28 de julho de 2009

Florbela Espanca



Pronto. Satisfiz a minha curiosidade. O poema que Danilo nos trouxe ao Mundo Cordel, "Quem sou eu?", é de nada menos que Florbela Espanca. Obrigado, Danilo, pela colaboração.

Enquanto isso, dois novos seguidores chegaram o Mundo Cordel, com os blogs "Canto do Meu Cordel" e "Pela Vida".

Sejam bem vindos os novos seguidores!
Encerremos com um pouco mais de Florbela Espanca:


CEGUEIRA BENDITA

Ando perdida nestes sonhos verdes
De ter nascido e não saber quem sou,
Ando ceguinha a tatear paredes
E nem ao menos sei quem me cegou!

Não vejo nada, tudo é morto e vago…
E a minha alma cega, ao abandono
Faz-me lembrar o nenúfar dum lago
´Stendendo as asas brancas cor do sonho…

Ter dentro d´alma na luz de todo o mundo
E não ver nada nesse mar sem fundo,
Poetas meus irmãos, que triste sorte!…

E chamam-nos a nós Iluminados!
Pobres cegos sem culpas, sem pecados,
A sofrer pelos outros té à morte!

Florbela Espanca - Trocando olhares - 24/04/1917

quarta-feira, 22 de julho de 2009

Quem sou eu?



Quanto o cabra é criativo, até uma simples apresentação vira poesia. Vi que Mundo Cordel tinha recebido um novo seguidor e fui olhar quem era. O nome: Danilo L. A apresentação transcrevi logo abaixo. Mas antes quero perguntar: Ô Danilo, de quem são esses versos?

Sobre mim


Eu?


Eu sou o que no mundo anda perdido,

eu sou o que na vida não tem norte,

sou o irmão do sonho, e desta sorte

sou o crucificado... o dolorido...


Sombra de névoa tênue e esvaecido,

e que o destino amargo, triste e forte,

impele brutalmente para a morte!

Alma de luto sempre incompreendido!...


Sou aquele que passa e ninguém vê...

Sou o que chamam triste sem o ser...

Sou o que chora sem saber por quê...


Sou talvez a visão que alguém sonhou.

Alguém que veio ao mundo pra me ver

e que nunca na vida me encontrou.

sábado, 4 de julho de 2009

Crônica de Marcos Mairton



PEQUENA TRAGÉDIA NARRADA DO FINAL PARA O COMEÇO
Marcos Mairton

E tudo acabou ali. O corpo de um homem caído ao chão, morto, estendido ao longo do meio-fio de uma movimentada rua da cidade. Chamava-se Jorge. Fora atropelado. O carro que o atingiu havia se afastado rapidamente, em fuga. As pessoas que se aglomeravam em volta do corpo comentavam como tudo tinha acontecido.
– Foi muito rápido. Acho que o carro nem freou...
– Alguém anotou a placa?
– Parece que era 2501... Ou 2510, não sei...
Alguém observou que Jorge teria tentado atravessar a rua, mas estava olhando para o lado contrário àquele de onde vinham os carros. Andava depressa, quase correndo, como se perseguisse alguém, quando o acidente aconteceu.
De fato. As pessoas que estavam ali não sabiam, mas Jorge tentava alcançar Sonia. Seguia-a desde o estacionamento de um shopping próximo dali. Ela havia chegado em um carro preto, com vidros escuros que impediam a identificação do homem que estava à direção. Quando o carro se afastou, ela olhou para trás e deu de cara com Jorge, que a observava à distância.
Foi um choque. Jorge havia estacionado seu próprio carro e se dirigia para os elevadores do shopping, quando viu Sonia desembarcar. Antes de fechar a porta e se afastar, ela inclinou-se para dentro do carro. Mesmo de longe, Jorge pôde ver que se tratava de um beijo de despedida.
Mas, na verdade, aquela cena não havia sido totalmente uma surpresa para Jorge. Nos últimos dias, ele tinha estado nervoso, acompanhando cada vez mais de perto os passos de Sonia. Ficava atento às ligações que ela recebia no celular, para ver se percebia algo de suspeito. Mesmo quando as conversas dela ao telefone eram sobre os preparativos do casamento, ele disfarçava e ficava ouvindo, tentando identificar alguma linguagem em código. Jorge tinha ciúme de Sonia, e esse ciúme havia evoluído para a desconfiança. Certa vez havia dito para ela, em tom de brincadeira, mas segurando fortemente o seu braço:
– Se um dia vir você com outro, mato os dois. Primeiro você, depois ele.
– Que é isso, Jorge? Você está louco? – dissera ela sorrindo, mas sentindo que havia algo de verdadeiro na advertência que lhe fora feita.
Sonia sabia que Jorge andava desconfiado. Também sabia que havia motivo para isso. Era uma situação que já se arrastava há algum tempo. Estavam noivos há mais de um ano, mas, nos últimos dois ou três meses, Jorge notara comportamentos estranhos em Sonia. Já não mostrava tanta empolgação quando falava do casamento, diminuíra a quantidade de vezes que ia ao futuro apartamento do casal e – o mais sintomático – comumente deixava de atender as ligações de Jorge para seu celular, retornando apenas horas depois, sempre explicando que deixara o aparelho na bolsa ou estava em alguma situação que não podia atender. Jorge tentava não demonstrar, mas essas justificativas não o convenciam, especialmente porque, quando os dois estavam juntos, Sonia nunca deixava o celular tocar mais que três vezes. O mais comum era atender ao primeiro toque, deixando transparecer certa ansiedade, ainda que contida.
Tudo isso fazia com que Jorge já não visse em Sonia aquela noiva apaixonada de poucos meses atrás, que falava com ele quase o tempo todo sobre o casamento e mostrava com alegria pequenos utensílios comprados para a composição de seu futuro lar. Bandejas, pratos, copos, coisas às quais Jorge não dava a menor importância, embora procurasse demonstrar atenção quando ela exibia e explicava como cada objeto seria usado depois que estivessem casados. Fosse Jorge dotado dessa capacidade que as mulheres têm de se concentrar em detalhes, talvez houvesse observado que, aos poucos, a única parte do casamento que passara a merecer toda a atenção de Sonia era a programação musical da festa. Quase todo o dia ia à casa do cantor e produtor musical Giovanni Ramos, lá permanecendo por horas a fio, às vezes a tarde inteira.
Jorge não tinha conhecimento da frequencia com que Sonia se encontrava com Giovanni, embora já houvesse acontecido de procurá-la em casa e obter a informação de que ela teria ido à casa do músico.
– Fui pegar o DVD de um casamento onde ele se apresentou. Eu nem ia entrar, mas a namorada dele estava e me convidou para ver o filme com ela...
Jorge, que por esse tempo ainda não havia começado a desconfiar de Sonia, acreditou. Até ficou aliviado por não ter que assistir a mais uma cerimônia de casamento ao lado de Sonia, mormente quando o objetivo era apenas observar detalhes da decoração e das roupas, já que os noivos eram pessoas que eles nem conheciam.
Além do mais, Jorge dava-se muito bem com Giovanni. Foi ele quem apresentou o cantor à noiva. Uma de suas raras intervenções na organização da festa de casamento foi exatamente sugerir a contratação do músico para cantar na cerimônia.
Naquela noite, o casal recebera Giovanni na casa da mãe de Sonia e, enquanto os três estavam reunidos, Sonia sugeria as músicas mais românticas que conhecia. Giovanni não se furtava a interpretar trechos de algumas delas, às vezes ao violão – que sempre levava consigo nessas ocasiões – às vezes sem acompanhamento algum, “na capela”, como os artistas costumam falar. Era nesses momentos, quando apenas sua voz solitária ecoava pela casa, que Sonia mais se emocionava.
Foi no meio de uma dessas canções que Jorge afastou-se para atender ao telefone e o olhar de Giovanni se encontrou com o de Sonia por alguns segundos. Tempo suficiente para fazer disparar a série de acontecimentos que levaria à morte de Jorge dali a alguns meses.
Houvesse imaginado que isso poderia acontecer, Jorge jamais teria convidado Giovanni para ir à casa de sua futura sogra naquela noite. Os dois haviam se conhecido no dia anterior, pela manhã, quando Jorge levara seu carro para fazer uma revisão e aguardava o transporte que o conduziria para casa. Giovanni estava ali pelo mesmo motivo.
Antes de entrarem na van da concessionária, já haviam conversado o suficiente para Jorge saber que estava diante do cantor Giovanni Ramos, de quem Sonia havia falado há alguns dias, dizendo que o vira em uma apresentação no casamento de uma amiga e gostara muito.
– Rapaz, você tem que vir à casa de minha sogra! Minha noiva não vai acreditar nessa coincidência! – convidou Jorge, animado com a surpresa que faria a Sonia.
– Vou sim. Se depender de mim, vocês casam ao som da minha banda!
Era realmente uma grande coincidência. Justamente ele – que, apesar de querer muito casar com Sonia, não levava o menor jeito para a organização da festa – conhecer casualmente e se afinar tão bem com o cantor que ela tanto gostaria que participasse de seu casamento.
Mas aquela não havia sido a única coincidência daquele dia. A primeira havia acontecido quando Giovanni chegou à concessionária dirigindo um carro parecidíssimo com o de Jorge, um Corola preto, com vidros escuros. Percebendo a semelhança entre os dois automóveis, Jorge aproximou-se e comentou com o recém chegado:
– Bom dia, amigo! Desculpe eu estar olhando assim para o seu carro, mas é que estou impressionado com a semelhança com o meu. Aquele que está estacionado ali...
– É verdade. Mas aqui na concessionária aparecem muitos desses, não?
– Imagino que sim. Mas o seu tem outro detalhe que chamou mais ainda a minha atenção. Vou casar daqui a seis meses e minha noiva acabou de me ligar confirmando que já reservou a igreja. Pois não é que os números da placa do seu carro formam exatamente a data do casamento?!
– Vinte e cinco de janeiro? – admirou-se Giovanni.
– Exatamente. Vinte e cinco de janeiro...
Foi assim que tudo começou.