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segunda-feira, 23 de maio de 2011

Cordel para a ONU



CORDEL DO "ZÉ PENUDO" 
NA REVISTA CAPACIDADES


Em novembro de 2010, participei de uma oficina com uns vinte cordelistas de todo o Brasil, em Barbalha-Ce, organizada pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento - PNUD, entidade ligada à Organização das Nações Unidas.

O objetivo do encontro era transpormos para a linguagem da Literatura de Cordel pontos essenciais do Relatório de Desenvolvimento Humano Brasil 2009/2010.

Foi nessa ocasião que criei "CORDEL DO ZÉ PENUDO", que conta a história de um menino que tinha vontade de melhorar o Brasil, e levou esse sonho o mais longe que pôde.

Bem, para minha alegria, fui comunicado pelo pessoal do PNUD de que o "CORDEL DO ZÉ PENUDO" não só vai ajudar na divulgação do RDH Brasil, mas teve uma parte publicada na Revista CapaCidades, editada pelo PNUD e a Confederação Nacional dos Municípios.

Os versos publicados foram esses aí:




CORDEL DO ZÉ PENUDO (Trecho)
Marcos Mairton


Outra coisa importante,
Que também foi percebida
No estudo de Penudo,
Não deve ser esquecida:
É que muitas coisas boas
Dependem só das pessoas
Pra melhorar nossa vida.


De acordo com a pesquisa,
As pessoas apontaram
Coisas muito valiosas
Que elas consideraram.
Coisas como a amizade,
Respeito e tranquilidade,
Elas sempre desejaram.


São bens que não se adquirem
Pela força do dinheiro
E nem o governo tem
Para dar ao brasileiro.
Precisam ser conquistadas
Pelas ações praticadas
Todo dia, o ano inteiro.


Governo faz uma escola,
Hospital, delegacia,
Organiza a previdência,
Intervém na economia.
Mas a família é que ensina
O menino e a menina
A saudar com um “Bom dia!”.


Não pense, então, que o Governo
Cura todas nossas dores
Pois dos fatos sociais
Nós também somos atores
E a pesquisa de Penudo
Já mostrou que, sobretudo,
Precisamos de valores.


sábado, 14 de maio de 2011

Conto-Cordel de Marcos Mairton


O ÚLTIMO CORDEL
Marcos Mairton
Publicado originariamente em "Contos, Crônicas e Cordéis

Já havia alguns meses que o velho poeta estava prostrado naquela cama de hospital. Muitas foram as vezes em que as enfermeiras comentaram que daquele dia ele não passaria. Mas o dia terminava e ele continuava firme. Quando dava a impressão de que não veria o amanhecer, acordava melhor. 

E o mais incrível era que, apesar da saúde tão debilitada, todo dia o velho poeta aparecia com versos novos. Às vezes uma simples quadrinha, falando da luz do sol que entrava pela janela; outras vezes um romance inteiro de cordel, em sextilhas, septilhas ou décimas; outras ainda, decassílabos elogiando os dotes físicos de alguma das enfermeiras ou reclamando da comida.

Ele escrevia os versos em um caderno e depois os declamava, geralmente depois do jantar. Quando estava muito abatido e não conseguia ler em voz alta, pedia a alguma enfermeira que fizesse a leitura. As pessoas que trabalhavam ali, e até os outros doentes daquela enfermaria, divertiam-se com aquilo e afeiçoavam-se ao velho poeta.

Com o tempo, a doença foi se agravando e ele não pôde mais escrever. Pediu então, a um de seus filhos, um gravador, para que pudesse continuar criando seus versos sabendo que depois alguém os passaria para o papel. Isto fez com que o velho poeta se tornasse uma atração ainda mais especial daquele lugar. Gente que trabalhava nas outras enfermarias - e até em outros andares do prédio - passava por lá e se demorava perto do seu leito para ouvi-lo gravando as declamações de seus versos.

Um dia ele recebeu a visita de um repórter. O jovem jornalista queria saber da sua vida, das suas obras, mas, principalmente, da sua capacidade criativa, estando tão doente. Afinal de contas, a história de seus dias fazendo versos no hospital havia se espalhado e agora ele estava bem mais famoso do que fora em toda a sua vida.

O velho poeta respondia com boa vontade - e até com alegria - cada uma das perguntas. A certa altura, o repórter perguntou, como quem encaminhava a entrevista para o final:

- Depois de tantos cordéis, tantos poemas, tantas histórias de heróis, fadas e amores proibidos, ainda ficou faltando algum assunto que você gostaria de tratar em seus versos?

O velho olhou para a porta da enfermaria por alguns segundos, pensativo. Os olhos fixos no vazio, como se observasse imagens que só ele via. Depois, ligou o gravador e pediu ao repórter que também ligasse o dele, pois tinha mais uma história para contar. E começou.

O velho poeta estava
Na cama de um hospital
Dando uma entrevista
Ao repórter de um jornal,
Mas, no meio dessa prosa,
Uma mulher bem formosa
Chegou naquele local.

Ela estava bem vestida,
Elegante e perfumada,
Entrou sem fazer barulho,
Discreta e muito educada.
Em seguida, aquela dama
Postou-se ao lado da cama
E ficou sem dizer nada.

O velho continuou
O que já estava fazendo.
Às perguntas do repórter
Prosseguia respondendo.
E, enquanto o tempo passava,
A mulher observava
O que ia acontecendo.

A verdade é que o poeta
Desde cedo esperava
A chegada da mulher
Que agora ali estava.
Pois há meses ela ia
Ver o velho todo dia
E ali horas ficava.

Apesar disso, o poeta
Não lhe deu muita atenção.
Falava com o repórter,
Dando mesmo a impressão
De que estava incomodado
Com a mulher ao seu lado,
Feito um anjo guardião.

O tempo ia passando
E o velho não se calava.
Até mesmo o repórter
Nada mais lhe perguntava,
Pois o poeta dizia,
Em forma de poesia,
Cada coisa que lembrava.

Até que, uma certa hora,
A mulher se irritou.
Ficou de frente pro velho
E nos seus olhos olhou,
Disse: “Não quero ser rude.
Esperei tudo o que pude,
Mas agora terminou”.

“Faz meses que todo dia
Venho aqui pra lhe buscar,
Mas você encontra um jeito
De eu nunca lhe levar.
Pede sempre mais um dia,
Para alguma poesia
Que ainda tem de terminar”.

“Eu, que não sei fazer versos,
Mas acho lindo quem faz,
Sem querer vou lhe deixando
Ficar sempre um dia a mais,
E você, espertamente,
Usa desse expediente
Para me passar pra trás”.

“Agora é essa entrevista
Que parece não ter fim.
Que poeta embromador!
Nunca vi alguém assim.
Mas, chega desse tormento,
Não vou mais dar cabimento
Pra você zombar de mim”.

O velho fez uma pausa e pediu um pouco d’água. Respirava com dificuldade. A voz estava fraquinha, abafada, como se saísse de dentro de uma mala fechada. 

O repórter olhava espantado. Será que todos aqueles versos estavam sendo recitados de improviso? Ou o poeta já os havia criado antes, os guardou na memória e agora estava apenas declamando? De um jeito de outro, aquele homem velho e moribundo era um verdadeiro gênio.

Enquanto o repórter fazia essas conjecturas, o poeta respirou fundo e prosseguiu, falando pausadamente.

Então o velho entendeu
Que não adiantaria 
Encompridar a conversa
Nem fazer mais poesia.
Era hora da partida,
Desta para a outra vida,
Chegara enfim o seu dia.

De partir nessa viagem
O velho ficou com medo,
Mas a mulher disse a ele:
“Vou lhe contar um segredo:
Se você tivesse visto
Pra onde vai, eu insisto,
Tinha ido bem mais cedo”.

“O lugar do seu destino
Tem paz e tem alegria,
Tem amizade de todos,
Tem amor, tem harmonia
E uma turma preparada
Pra fazer, na sua chegada,
Uma grande cantoria”.

O velho inda duvidava
Que ela falasse a verdade,
Mas, ia fazer o quê,
Doente e naquela idade?
O jeito, então foi seguir,
E finalmente partir
Em busca da eternidade.

A mulher de quem eu falo,
O senhor já percebeu,
É a morte, que, nesse instante,
A sua mão me estendeu.
Então, o velho, cansado,
Naquela cama deitado,
Deu um suspiro...

E a voz do velho se calou para sempre, pelo menos por estas bandas. Não conseguiu pronunciar as últimas palavras do último verso, mas elas ecoaram na mente do repórter, das enfermeiras, dos médicos e dos outros empregados do hospital que se haviam aglomerado em redor de seu leito. 

A partir de certo ponto, todos haviam percebido que aquele seria o seu último cordel.

quarta-feira, 6 de abril de 2011

Poesia de Marcos Mairton


UM PAÍS DESENVOLVIDO

Ouvi na Rádio Senado
Um político dizer
Que meu Brasil pode ser
Agora considerado
Um país classificado
Como tendo conseguido,
Afinal, ser promovido
A outra categoria.
O Brasil hoje seria
UM PAÍS DESENVOLVIDO.
Eu ouvi o que foi dito
Naquele pronunciamento,
Mas, já naquele momento,
Pensei: “Eu não acredito”.
E, mesmo agora, reflito
E novamente duvido
Que tenhamos atingido
Essa meta, finalmente,
De o Brasil ser, realmente,
UM PAÍS DESENVOLVIDO.
Pois, enquanto eu encontrar,
Nas ruas por onde ando,
Crianças perambulando,
Nos sinais a mendigar,
A cheirar cola e roubar,
Não posso ser convencido
Que tenhamos conseguido
Um salto de qualidade
Que nos faça, de verdade,
UM PAÍS DESENVOLVIDO.
Enquanto eu, ao parar
Em frente ao sinal fechado,
Me sentir preocupado
Que alguém venha me assaltar,
E, mesmo em casa, no lar,
Me sentir desprotegido,
Não vejo qualquer sentido
Na conversa que se ouviu:
Que seja o nosso Brasil
UM PAÍS DESENVOLVIDO.
Enquanto o pobre tiver
Que sair de madrugada
Para poder ter marcada
Uma consulta qualquer,
E ainda assim puder
Voltar sem ser atendido,
Eu fico até constrangido
De afirmar e dar fé
Que o Brasil agora é
UM PAÍS DE DESENVOLVIDO.
Enquanto não for cassado
Quem recebe mensalão,
E houver corrupção
Na câmara ou no Senado,
Sem ninguém ser condenado
Por ser pego envolvido
Em esquema produzido
Nas entranhas do poder,
O Brasil não pode ser
UM PAÍS DESENVOLVIDO.
Onde há desenvolvimento
Corrupção não compensa
Juiz que vende sentença,
Também vai a julgamento
Tem punição a contento,
E castigo garantido.
Nesse Brasil, tão sofrido,
Precisa que isso aconteça
Pra que um dia ele pareça
UM PAÍS DESENVOLVIDO
Porque a corrupção
Em todo lugar existe.
O que faz o quadro triste
Que se vê nesta Nação,
É não haver punição
Para um tipo de bandido
Que é sempre protegido
Por dinheiro ou por poder,
E assim não podemos ser
UM PAÍS DESENVOLVIDO.
Mas nós não apontaremos
Nosso dedo, simplesmente,
Para a classe dirigente
Do país em que vivemos.
Como é que nós queremos
O problema resolvido,
Se temos contribuído,
Com conduta malfazeja,
Para que o Brasil não seja
UM PAÍS DESENVOLVIDO?
Você acaso imagina
Que, para não ser multado,
Chamar o guarda do lado,
E oferecer propina,
Não aumenta ou dissemina
O que é pra ser combatido?
Pois quem assim tem agido,
Não pode sequer dizer
Que quer ver o Brasil ser
UM PAÍS DESENVOLVIDO.
Quem procura o tempo todo
Se dar bem, levar vantagem,
É chegado à malandragem
Tem atração por engodo;
Quem não age com denodo,
Vive em confusão metido,
Não pode estar imbuído
Do que antes se dizia:
De o Brasil ser, algum dia,
UM PAÍS DESENVOLVIDO.
“Mas o PIB aumentou”,
- alguém disse, certo dia, -
“Veja nossa economia,
Como cresceu, melhorou”.
A pessoa que falou
Não deve ter percebido
Que, sem ser distribuído,
Um PIB grande e viril
Não fará deste Brasil
UM PAÍS DESENVOLVIDO.
E, para não terminar
Em tom muito pessimista,
Eu sugiro: Não desista.
Não deixe de acreditar.
Se cada um trabalhar,
Com o bem comprometido,
Não descarto, não duvido
Que esse quadro mudaremos
E um dia construiremos
UM BRASIL DESENVOLVIDO.

segunda-feira, 28 de março de 2011

Cordel de Marcos Mairton


UM MOMENTO DE LUZ
Marcos Mairton
Imagem: Celi Aurora


Foi um momento de luz,
De muita iluminação,
O que aconteceu comigo
Numa certa ocasião,
Quando o dia terminava
E eu sozinho viajava
Pela estrada no sertão.


Estacionei na estrada
Para trocar um pneu
Que furou quando o meu carro
Em um buraco bateu,
Mas, logo que estacionei,
E as ferramentas peguei,
Algo estranho aconteceu.


Eu olhei à minha volta,
Para ver se via alguém.
Mas, naquele lugar ermo,
Não apareceu ninguém.
Só algumas avoantes
Sobrevoaram, rasantes,
E pousaram mais além.


Mas na hora em que olhei
Para onde o bando pousou
Algo na minha visão
De repente se alterou,
Pois vi cada passarinho
Tão de perto, tão pertinho,
Que isso até me assustou.


Foi como se em cada olho
Uma lente de aumento
Houvesse sido instalada
Naquele exato momento.
E tudo o que eu olhava
Depressa se aproximava
Num estranho movimento.


Como um “zoom” de filmadora
Minha vista funcionava
Aumentando qualquer coisa
Que minha vista alcançava.
Bastava eu me concentrar
Em algum ponto e olhar
E tudo se aproximava.


Estranhei aquilo tudo,
E era mesmo intrigante,
Pois olhei fixamente
Para uma avoante,
E, naquele campo aberto,
Vi a ave tão de perto
Que parecia um gigante.


E, à medida que a ave
Parecia estar crescendo,
Cada mínimo detalhe
Ia logo aparecendo.
De um olho vi a retina,
No bico, cada narina,
Tudo isso eu ia vendo.


Eu continuei olhando
E foi como atravessar
Entre as penas do seu peito
Até a pele alcançar.
Ao chegar à epiderme
Vi um parasita, um verme,
De sangue a se alimentar.


Vendo aquele parasita
Satisfazer sua fome
Pensei: “Meu Deus, neste mundo
Todo corpo se consome,
Um bicho come outro bicho,
Não existe sobra ou lixo,
Tudo se bebe ou se come”.


E, de fato, enquanto o verme
Faminto se alimentava,
Outro verme ali surgiu
E agora o atacava.
Houve uma luta entre os dois
E, alguns segundos depois,
Um ao outro devorava.


Foi então que percebi
Que outros bichos semelhantes
Habitavam entre as penas
Das pequenas avoantes,
Chegando mesmo a formar
Uma cadeia alimentar,
E das mais impressionantes.


Eu, então, naquele instante,
Olhei a areia, no chão,
E vi, que daquela areia,
Enxergava cada grão
E, entre os grãos, seres vivos
Movimentando-se ativos,
Eram vida em profusão.


Nessa hora refleti
Sobre o mundo em que vivemos:
“Com tanta vida na Terra,
Muito mais do que nós vemos,
A Terra bem pode ser
Um ser vivo a nos manter
E nós nunca percebemos”.


“Talvez o chão seja a pele
Deste ser que nos sustenta,
Que fornece as substâncias
Que a todos alimenta,
E nós, nada percebendo,
Por aqui vamos vivendo,
Nossa sina violenta”.


“Essa sina violenta
Que não nos deixa entender
Que estamos fazendo a Terra
Mais e mais adoecer.
A consequência evidente:
Se o planeta está doente,
Todos vamos padecer”.


Enquanto eu pensava nisso,
Minha vista escureceu,
Me senti um pouco tonto,
Não sei o que aconteceu.
Ao recobrar o sentido,
Vi que tinha anoitecido,
A noite agora era um breu.


Só então em me lembrei
Que ainda tinha que trocar
O pneu que, horas antes,
Aconteceu de furar.
Com muita pressa troquei
E pra casa retornei
Deixando aquele lugar.


Mas, ainda hoje eu lembro
Do dia em que eu pude ver
Coisas que são pequeninas,
Mas minha vista fez crescer.
Porém, mais que enxergar,
O que eu vi me fez pensar,
E aquela ocasião,
Para mim foi um momento
De luz, de esclarecimento,
De muita iluminação.

quinta-feira, 12 de agosto de 2010

Mundo Cordel: três anos


Caros visitantes,

acabo de perceber que hoje é 13 de agosto, o que significa que este Mundo Cordel está completando três anos.

Gostaria de escrever algo, uma estrofe que fosse, em qualquer métrica, mas, de repente, não me veio nada. Talvez seja porque é zero hora e quarenta e dois minutos (hora de Brasília) e estou muito cansado. Ou talvez porque nessas horas, em que se celebram momentos importantes, a gente fica sem ter mesmo o que dizer.

Bem, neste momento de pouca inspiração, deixa pelo menos eu registrar que nesses três anos Mundo Cordel recebeu mais de 108 mil visitas, de 72 países. É pouco, se a gente se comparar com uns sites que recebem essa quantidade de visitas por dia. Mas acho muito, quando penso que no dia em que comecei não tinha qualquer experiência como webdesigner (será que já tenho alguma?) e pensava apenas em criar um espaço para publicar alguns versos meus e de alguns poetas que me autorizassem a tanto.

Além do mais, tem coisas que valem mais que milhares de acessos. Por exemplo, ontem uma leitora do blog postou o seguinte comentário em uma postagem sobre Patativa do Assaré:

Eu tenho 10 anos e sou da Argentina mas moro em bahia itacaré eu moro aqui mas eu bou a escola ESPACO EDUCAR e eu estou estudando sobre ele e preciso que alguem escreva curiocidades para mostrar para minha profesora Daniela, bom so isso obrigada.
Catalina Peruzzotti Anchart.

Precisa incentivo maior pra gente continuar trazendo poesia para este Mundo Cordel?

Obrigado, Catalina, pelo incentivo. Espero que você tenha achado algo interessante para sua professora Daniela.

Obrigado visitantes deste Mundo Cordel, por sua companhia neste blog!

quinta-feira, 11 de março de 2010

Cordel em Galopes



Esta é de quando lancei meu primeiro livro: “Uma sentença, uma aventura e uma vergonha”. Todos os cordéis estavam reunidos e ordenados, mas senti que faltava um para fechar, então escrevi a

DESPEDIDA EM GALOPE E QUINTOS GALOPADOS À BEIRA-MAR

Cheguei finalmente
Ao que pretendia.
A minha poesia
Agora é decente.
Eu fico contente,
Pois vou publicar
Esse meu cantar,
Um livro formando.
E vou galopando
Na beira do mar.

Um livro é um filho que a gente cria,
Educa e prepara, com todo carinho,
Mas quando ele cresce, é que nem passarinho,
E voa pra longe, como eu fiz um dia.
Mas, sempre é motivo pra nossa alegria,
Saber que distante, em outro lugar,
O sucesso dele vem nos orgulhar.
Assim, não podendo voar o seu vôo,
Meu livro, meu filho, pra sempre abençôo,
Cantando galope na beira do mar.

Vai, filho querido,
Cumprir tua missão.
O meu coração
Não está ferido.
Estou convencido
Que tu vais brilhar.
Tu vais a voar,
Por ti fico orando,
E vou galopando
Na beira do mar.

Desejo, portanto, que cada leitor
Que lhe tenha lido ou então folheado,
Que nunca esqueça que um livro editado
É sempre um filho para seu autor.
Se não for possível tratar com amor
Que também não chegue a lhe maltratar.
E, se por acaso for lhe desprezar,
Me mande de volta que eu fico contente.
Recebo meu filho que estava ausente
Cantando galope na beira do mar.

Se bem satisfeito
Eu até ficaria
Tu não quereria
Voltar desse jeito.
Pois você foi feito
Pra o mundo girar.
Em todo lugar
Meus versos cantando,
E seguir galopando
Na beira do mar.

É com emoção e também com prazer
Que eu vou chegando ao fim desta obra,
Pois vejo que arte eu tenho de sobra
Pra cem outros livros assim escrever.
E, pensando nisso, o que vou fazer,
Antes do trabalho enfim terminar,
É, por um momento, erguer meu olhar,
Dizendo obrigado ao meu Criador,
Esse meu talento agradeço ao Senhor,
Cantando galope na beira do mar.

terça-feira, 2 de março de 2010

Cordéis ilustrados



NOVOS LIVROS PUBLICADOS


Caros leitores de MundoCordel,

Hoje é um dia muito feliz. Qualquer escritor sabe a alegria que é quando cada novo livro fica pronto. Imaginem seis de uma vez! É isso mesmo. Ficaram prontos meus livros que estavam com a Ensinamento Editora para serem incluídos no Projeto Cesta Básica da Cultura e do Conhecimento.

Depois faço umas postagens falando um pouco de cada um. São eles:

"A cartomante" (adaptado do conto de Machado de Assis), "O advogado, o diabo e a bengala encantada", "O jumento que Jesus montou", "O viajante e o sábio", "Os dois soldados" e "A História de Zé Luando, o homem que virou mulher".
É um projeto muito bacana, que possibilita que livros sejam incluídos nas cestas básicas distribuídas por empresas aos seus empregados.
Bem, não vou me alongar muito. Deixo com vocês as palavras do editor, meu amigo Pádua, extraídas da contracapa dos livros:
A cultura e o conhecimento devem participar da cesta básica de alimentos do cidadão. A Cesta Básica da Cultura e do Conhecimento confere à cesta básica de alimentos o caráter abrangente da cidadania. Afinal, a melhoria da qualidade de vida do homem e a sua valorização exigem cultura e conhecimento. Estimulemos o hábito da leitura, que descortina os horizontes da pessoa. “Um país se faz com homens e livros” – nos orienta Monteiro Lobato.
LITERATURA DE CORDEL

A literatura de cordel entrou na cena cultural do país para não mais sair. Sertaneja e Imediatista, vinda de além-mar, aportou também na intelectualidade, e nela faz escola. Se antes era somente o jeito que os poetas tinham para cantar a pureza de uma Donzela Teodora, de um Pavão Mysteriozo... mesclando realidade e ficção, também registra fatos históricos e políticos, de interesse comum. De modo lúdico, vestiu-se de cores e hoje se alia à fantasia da literatura infanto-juvenil.
Cordel não é somente a crônica ou o registro de uma época; é também a fonte onde muitos poetas embriagam-se de poesia. Apesar do requinte editorial de diversos folhetos, ainda há muitos que trabalham com a xilogravura em pequenas tipografias de fundo de quintal...

terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

Cordel em Prosa III




A HISTÓRIA DE ZÉ LUANDO,
O HOMEM QUE VIROU MULHER
Marcos Mairton
Parte III
(Clique para voltar para a Parte I ou Parte II)



Pois era Maria mesmo a mulher que ali estava, e, na praça, com seu filho, sob as árvores brincava. Luzinete, ao ver Maria e o filho naquele dia, quase não acreditava. Ficou entre o receio e a curiosidade de ir falar com Maria. Era grande a sua vontade, mas também sentia medo de revelar o segredo da sua nova identidade.



Entre o medo e a vontade, esta é que prevaleceu. Foi falar com Salomé para saber como viveu ela nos últimos anos. Funcionaram os seus planos: Maria não percebeu; nem notou que Luzinete era o mesmo Zé Luando. Então ficaram as duas lá na praça, conversando.


Sobre a vida de Maria, Luzinete, aos poucos, ia mais e mais se informando. Inventou que tinha vindo há pouco de Fortaleza, para abrir uma boutique ou um salão de beleza, e iria precisar de alguém para lhe ajudar nos trabalhos da empresa. Maria, interessada pela oportunidade, foi logo lhe orientando sobre as coisas da cidade, querendo lhe demonstrar que queria trabalhar e tinha capacidade.


Luzinete perguntou se o marido de Maria seria a favor ou contra que ela passasse o dia trabalhando em seu salão. Maria disse que não, que marido não havia. Que há mais de cinco anos o esposo tinha ido embora pra algum lugar que era incerto e não sabido, e que ela, desde então, tomara a decisão de não ter outro marido. Disse:


– Já gostei de homem, mas hoje não quero mais. Prefiro viver sozinha, levar minha vida em paz, trabalhando honestamente. Caminho sempre pra frente e evito olhar para trás.


Luzinete então falou:


– Sua história é parecida com o que tenho passado ao longo da minha vida. Eu também vivo sozinha. Toda esperança que eu tinha, para sempre está perdida.


Então Salomé lhe disse:


– Vou dizer para a senhora: eu poderia viver como já vivi outrora, se meu marido voltasse, e voltando me chamasse para ir daqui embora. Pois, embora Zé Luando também não fosse perfeito, ele era um homem bom, que me aceitava do meu jeito. Tratava-me com amor, me dava muito valor, e por mim tinha respeito. Se um dia foi embora, eu lhe dou toda razão, porque eu me aproveitei de sua boa intenção. Maldosamente menti, mas depois me arrependi daquela injusta traição. Mas, mudemos de assunto. Estou lhe incomodando, falando do meu passado e também de Zé Luando.


Então Maria olhou para Luzinete e notou que ela estava chorando. Maria disse:


– Senhora, o que está acontecendo? Me explique, por favor, o que a deixa assim, sofrendo? Eu fiz algo de errado? Mexi com o seu passado com o que estou dizendo?


– O homem de quem tu falas, hoje em dia não existe. Mas eu choro de emoção, não penses que estou triste. Fico feliz de te ver agora se arrepender de trair como traíste.


Luzinete disse isso olhando bem para Maria, que, olhando também pra ela, nessa hora percebia que estava conversando com o mesmo Zé Luando que foi seu marido um dia. Quando viu que Luzinete era o mesmo Zé Luando, Maria não se conteve, foi logo lhe abraçando e dizendo:


– Que saudade! Será, meu Deus, que é verdade, ou será que estou sonhando?


Luando disse baixinho:


– Não é sonho não, Maria. É apenas um momento de prazer e de alegria, que talvez lá no passado tenha sido programado para acontecer neste dia.


Prosseguiram na conversa, quando o abraço acabou, e Zé contou pra Maria muitas coisas que passou, desde quando ele partiu e pelo mundo saiu, até que um dia voltou. Falou-lhe do seu trabalho e da vida que vivia. Das coisas que aprendeu e dos lugares onde ia. Finalmente, ele contou que em mulher se tornou depois de uma cirurgia.


– É por isso que eu lhe disse que já não existe mais o homem que se casou com você tempos atrás. Eu acho que, hoje em dia, a Luzinete e a Maria são pessoas quase iguais. Mas tenho uma proposta, você topa se quiser. Como eu não quero mais homem, e você também não quer, peço que você me diga, se quer que eu seja sua amiga, ou então sua mulher. De um jeito ou de outro, uma coisa eu lhe digo: você me fará feliz, se vier morar comigo, e traga sua criança, pois tenho muita esperança, que ele seja meu amigo.


Maria ficou surpresa com a proposta formulada, mas a verdade é que ela ficou muito interessada. E disse:


– Eu nunca pensei em um dia virar gay, essa vida é engraçada. Mas, antes de lhe dizer qual a minha decisão, eu lhe peço que agora preste muita atenção, pois tenho algo a dizer. Também tenho que fazer a minha revelação. O menino que você está vendo ali, brincando, não é o mesmo menino que você está pensando. Não é filho do pastor, é fruto do nosso amor, é filho de Zé Luando. Não sei se você se lembra de todo o acontecido, quando me jogou na cama e ficou enfurecido, no dia que eu confessei o meu erro e revelei que havia lhe traído. Caso você não se lembre, eu vou lhe dizer agora, que seu lado masculino despertou naquela hora. Depois que me possuiu, você se virou, dormiu e de manhã foi embora. Aquele é o nosso filho, acredite se puder. Revelar isso pra ele, você só faz se quiser. Mas eu posso ensinar ele a lhe respeitar, seja você homem ou mulher.


Zé Luando, ouvindo isso, não continha a emoção. Olhou bem para Maria, segurou a sua mão, e disse:


– Pegue o menino. Aqui o nosso destino tomou outra direção! E quanto ao seu outro filho, vá buscar ele também. Viveremos todos juntos, uma família de bem. O que houver de diferente é problema só da gente, não interessa a ninguém.


Nesse ponto, a história começou a terminar. Luzinete e Maria foram para outro lugar levando as duas crianças, e com muitas esperanças de a vida recomeçar.


Pelo que fiquei sabendo, Luzinete e Maria são hoje muito felizes, vivendo em paz e harmonia. Os filhos estão criados, em breve estarão formados em Direito e Engenharia. Foi um deles, aliás, quem me contou tudo isso, e apenas pediu que eu assumisse o compromisso de colocar no papel, procurando ser fiel a tudo o que me contou.


E assim vou terminando a história de Zé Luando, que muito me impressionou.

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

Cordel em Prosa II




A HISTÓRIA DE ZÉ LUANDO,
O HOMEM QUE VIROU MULHER
Marcos Mairton


Parte II
(para ver a Parte I, clique aqui)


O tempo ia passando, e o Zé daquele jeito. Com nada se agradava, já não falava direito, até que, um certo dia, ele disse pra Maria:




– Não estou nada satisfeito. Desde o dia em que você disse pra mim que estava com a barriga crescendo, pois um filho carregava, passei a imaginar, e até desconfiar, que você me enganava. Eu me casei com você por eu ter acreditado que do homossexualismo Deus havia me curado. E você vê como eu tento, mas o nosso casamento ainda não foi consumado. Já falei com o pastor, que me disse pra ter fé. Mas preciso que você me explique como é que esse menino nasceu. Pois, se ele não é meu, quem é o pai, Salomé?



Nessa hora, Salomé não teve como se opor à pergunta do marido, e disse:


– Seja o que for que agora você faça, já está feita a desgraça. Esse filho é do pastor!


Zé Luando, nessa hora, sofreu uma transformação. Rasgou a roupa que usava, ajoelhou-se no chão, levantou-se de um salto, deu um grito – um grito alto – ficou virado no cão. Jogou Maria na cama, arrancou-lhe o vestido, deu meia dúzia de tapas, na cara e no “pé-do-ouvido”, dizendo:


– Sua desgraçada! Você estava combinada com aquele cabra atrevido!


Você se casou comigo para esconder seu pecado. Era amante do pastor e dele tinha emprenhado. Casou só pra esconder que um filho ia ter daquele cabra safado!


Depois disso, não se sabe direito o que aconteceu. Se Luando desmaiou ou se ele adormeceu, mas, de cima de Maria, só saiu no outro dia, depois que amanheceu. Depois de se levantar, disse:


– Tenho que partir. Vou só botar uma roupa e em seguida vou sair.


Maria não entendeu quando ele escolheu um vestido pra vestir. Vestiu-se com a roupa dela, usou sua maquiagem, passou creme no cabelo, numa espécie de massagem, despediu-se de Maria. Disse que não voltaria e foi-se sem levar bagagem.


Maria ficou olhando enquanto Zé ia embora. Vestido com sua roupa, saiu pela rua afora. Então disse, bem baixinho:


– Deus clareie o caminho que você tomou agora.


Dizem que no mesmo dia Zé deixou sua cidade. Partiu para Fortaleza em busca da liberdade de viver como mulher, sem ninguém por a colher em sua sexualidade.


Mais uma vez a história poderia terminar. Começando outra vida, morando em outro lugar, selava-se o destino do Zé, que nasceu menino, para mulher se tornar. Mas, como já disse antes, nada disso eu invento. Apenas conto o que chega até meu conhecimento. É por isso que prossigo, pedindo ao leitor amigo que permaneça atento.


Cinco anos se passaram desde que aconteceu de Luando ir embora da cidade onde nasceu. O povo ainda comentava, às vezes se perguntava, se era vivo ou se morreu. Enquanto isso, Luando arranjou em Fortaleza emprego de manicure em um salão de beleza. Só andava maquiado, com o cabelo arrumado, parecia uma princesa. Ali, ninguém lhe chamava por seu nome original. Luzinete foi o nome que adotou na capital. Tinha até um namorado, servidor aposentado da Receita Federal.


Mas, apesar dessa vida que ele agora levava, uma parte do seu corpo ainda lhe incomodava. Pensava, então, consigo:


– Pra ser mulher, meu amigo, se pudesse, eu lhe cortava.


Comentava com as amigas que já guardava dinheiro, pois mesmo que precisasse viajar para o estrangeiro, um dia ainda faria a sonhada cirurgia pra ser mulher por inteiro. Acabou achando um médico pra fazer a cirurgia. Cortou de onde sobrava, fez furo onde não havia, com o serviço terminado, disse que foi transformado em mulher naquele dia.


O que ele não sabia, nem podia imaginar, era que o seu destino novamente ia mudar. O que houve, na sequência, até hoje a ciência não conseguiu explicar.


Depois de passar um tempo curtindo o resultado da sonhada operação que tinha realizado, Luzinete percebeu que em seguida aconteceu um fato inesperado. Pois se deu que Luzinete, que um dia foi Luando, do antigo namorado foi aos poucos desgostando. Ao invés de se entenderem e de em paz conviverem, estavam sempre brigando. Até que não deu mais certo e o namoro acabou. E Luzinete gostou quando tudo terminou. Alguns dias mais à frente, com a sua confidente, Luzinete comentou:


– Não sei o que aconteceu depois da operação. Eu fiquei toda feliz com minha transformação. Mas, depois que eu me virei em mulher, eu abusei a homem. Quero mais não! Você pode até achar que isso não faz sentido. Que meu juízo era pouco e agora está perdido, mas, comigo, até parece que quase tudo acontece ao contrário ou invertido. De uns dias para cá, o que me deu foi vontade de em algum feriado ir ver a minha cidade. Do jeito que estou agora, ando por lá e venho embora ocultando a identidade.


A amiga lhe falou que não fosse tão ousada. Que talvez essa viagem fosse muito arriscada. Se fosse reconhecida, bagunçava sua vida que estava tão arrumada.


Aconselhar Luzinete de nada adiantava. Quando queria uma coisa, ninguém mais lhe segurava. Em uma sexta imprensada, Luzinete, na estrada, pelo sertão viajava. Guiando seu automóvel, foi entrando na cidade e foi logo percebendo que estava com saudade do lugar onde nasceu, e também onde viveu um trecho da mocidade. Percorreu algumas ruas e parou para descansar na praça em frente à igreja, onde pôde observar as pessoas que passavam e ali se acomodavam ficando a conversar. Lembrou de tempos atrás, quando também lá esteve, e dos momentos felizes que ali um dia teve. Tomada de emoção, pôs a mão no coração, de chorar não se conteve.


Estava assim Luzinete, curtindo sua nostalgia, quando viu que ali chegava uma mulher, que sorria brincando com um menino. Então pensou:


– Mas que destino! Aquela não é Maria?


domingo, 17 de janeiro de 2010

Cordel em prosa



A HISTÓRIA DE ZÉ LUANDO,
O HOMEM QUE VIROU MULHER
Marcos Mairton(*)
Parte I


Era uma vez Zé Luando, que um dia nasceu menino, cresceu, casou, descasou, mas, por obra do destino, não ficava à vontade, nem tinha felicidade, no seu corpo masculino. No sertão do Ceará dizem que ele nasceu. Numa pequena cidade, estudou, brincou, cresceu. Todo mundo o conhecia, mas ninguém esperaria ocorrer o que ocorreu.

Esse nome “Zé Luando” veio de um combinado do nome de sua mãe com o de seu pai ligado. Luana a mãe se chamando, e o pai, José Fernando, o nome assim foi formado.

Desde que era pequenino, muita gente já notava que brinquedo de menino a ele não agradava. Soltar pião, jogar bola, brincar de luta na escola, nada disso ele gostava. Mas logo se alegrava se chegava à sua mão um batom ou um espelho que achasse pelo chão. Com a boca toda pintada, deixava a mãe intrigada com a sua animação. O pai não tinha noção do que estava acontecendo. Ou estava trabalhando, ou em algum bar, bebendo. O menino delicado, e o pai, sempre ocupado, nada ia percebendo.

Assim ele foi crescendo com seu jeito diferente. De menino em rapaz tornou-se rapidamente. Mas, arranjar namorada era coisa complicada, que lhe deixava doente. Quando ia a uma festa, bem que ele até tentava. Aproximava-se das moças, conversava, conversava, mas, só de imaginar a sua boca beijar, seu estômago embrulhava. Na verdade, nessas horas, quando estava perto delas, olhava era para as roupas usadas então por elas. Ficava a imaginar, algum dia desfilar, usando uma daquelas.

Na cidade, àquela altura, todo mundo comentava, pois chamava a atenção Zé Luando onde passava. Fosse na volta da missa ou no bar da Dona Ciça, assunto é o que não faltava.
Assim, foi grande a surpresa quando chegou a notícia:

– Zé Luando vai casar com a filha de Dona Eunícia! E não pode ser boato, pois quem me contou o fato foi um cabo da polícia!

Segundo o cabo, ele esteve na Igreja Transversal, conversou com o pastor, explicou o principal e perguntou:

– Terá cura para uma criatura que nasce homossexual?

O pastor disse:

– É claro! O milagre é dos pequenos! Basta só você ter fé, e os resultados são plenos. Mas, pra mostrar devoção, faça uma doação de cem reais, pelo menos.

Zé Luando acreditou e fechou logo o negócio. Entregou os cem reais ao chefe do sacerdócio, que lhe disse:

– Tenha fé, pois Jesus agora é, além de amigo, seu sócio.

A partir daquele dia, Luando ficou mudado. Só vivia na igreja rezando, ajoelhado. Um dia o pastor falou:

– A maldição acabou. O irmão está curado. Você agora é homem para o que der e vier. Vai casar e ser feliz, ter os filhos que quiser. Espere que, amanhã, apresento-lhe a irmã que vai ser sua mulher.

Zé Luando, emocionado, quase não acreditava no milagre que o pastor então lhe comunicava. Por ele, no mesmo dia, a noiva conheceria e com ela se casava.

É aí que entra na história a Maria Salomé, filha de Dona Eunícia com Seu João Buscapé. Uma mocinha faceira que trabalhava de obreira na mesma igreja de Zé. Era ela a dita noiva que o pastor lhe arranjou, e depois disse que ela por José se apaixonou. Entre Luando e Maria, na noite do mesmo dia o noivado começou.

A notícia do noivado foi uma grande surpresa. Lá no bar da Dona Ciça, era assunto em toda mesa, porque, mesmo namorando, ninguém via em Zé Luando qualquer sinal de macheza. Ficava até esquisito, quando o casal passava. Saía gente na porta, todo mundo olhava, olhava... Luando até parecia mais mulher do que Maria, e ela nem se incomodava.

E assim foi o namoro e o tempo do noivado. O dia do casamento também foi logo marcado. Quando esse dia chegou, o povo se ajuntou pra ver Luando casado. No casório, o pastor sorria todo contente. O milagre de Luando encheu a igreja de gente. E a arrecadação de dízimo e doação aumentava de repente.

A história poderia acabar neste momento. Um “felizes pra sempre”, logo após o casamento, e a história de José, com Maria Salomé, terminaria a contento. Mas tenho que prosseguir narrando o que aconteceu, pois, sete meses depois, o filho de Zé nasceu, mas, em vez de animado, Zé ficou acabrunhado, com cara de “já morreu”.

Os amigos visitavam o bebê recém nascido, que, apesar de prematuro, era grande e bem nutrido, mas o Zé continuava alheio ao que se passava, de alegria desprovido.

(*) Saiba um pouco sobre esta obra:
Ano passado, participei do concurso "Arte da Magistratura", uma iniciativa muito interessante da Associação Paulista da Magistrados, abrindo espaço para os juízes que, apesar da complexidade e seriedade de seu trabalho, conseguem manter viva em seu espírito a chama da arte e da sensibilidade. O concurso era aberto a juízes estaduais de São Paulo, mas juízes federais e do trabalho poderiam ser de qualquer estado da federação, o que permitiu que eu concorresse.
Havendo duas categorias - artes plásticas e obra literária - Claro que participei da segunda. Para minha felicidade, dois de meus escritos ficaram entre os 24 semi-finalistas: a crônica "Uma confissão apaixonada" e o conto "A história de Zé Luando, o homem que virou mulher". No finalzinho de 2009, foi divulgada a lista dos dez finalistas e, para minha alegria, lá estava meu nome entre eles, com a obra "Uma confissão apaixonada". Resolvi postar as duas neste MundoCordel, começando pela "História de Zé Luando", que tem uma peculiaridade: originalmente, o conto foi escrito em cordel, mas, para concorrer como conto, achei que a apresentação em versos poderia confundir a cabeça da comissão julgadora. Afinal, como o cordel poderia concorrer como conto, se os contos são em prosa e os cordéis em verso? Perguntei a uma amiga, Juliana, prima de minha esposa, doutora em letras, o que fazer. Segundo ela, o cordel é poesia. Poesia épica, como a "Ilíada" a "Odisséia" e "Os Lusíadas". Enchi-me de orgulho diante de tal parecer - ainda mais vindo de quem entende do assunto - mas, continuei achando que, na categoria poesia, a coisa seria complicada. Além disso, eu lia o texto e continuava vendo um conto. Foi aí que veio a idéia de apresentá-lo como um texto escrito em prosa, inclusive abrindo mão da rima e da métrica de vez em quando, se necessário fosse para melhorar o resultado final. Afinal, são técnicas diferentes de escrita, então, algumas construções muito boas em verso não ficam bem quando em prosa, e vice-versa. Bem, o resultado está logo acima. Como ficou um pouco longo, está dividido em três capítulos. Espero que esses comentários não tenham cansado o leitor, a ponto de fazê-lo desistir da leitura dos próximos capítulos.