terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

Cordel em Prosa III




A HISTÓRIA DE ZÉ LUANDO,
O HOMEM QUE VIROU MULHER
Marcos Mairton
Parte III
(Clique para voltar para a Parte I ou Parte II)



Pois era Maria mesmo a mulher que ali estava, e, na praça, com seu filho, sob as árvores brincava. Luzinete, ao ver Maria e o filho naquele dia, quase não acreditava. Ficou entre o receio e a curiosidade de ir falar com Maria. Era grande a sua vontade, mas também sentia medo de revelar o segredo da sua nova identidade.



Entre o medo e a vontade, esta é que prevaleceu. Foi falar com Salomé para saber como viveu ela nos últimos anos. Funcionaram os seus planos: Maria não percebeu; nem notou que Luzinete era o mesmo Zé Luando. Então ficaram as duas lá na praça, conversando.


Sobre a vida de Maria, Luzinete, aos poucos, ia mais e mais se informando. Inventou que tinha vindo há pouco de Fortaleza, para abrir uma boutique ou um salão de beleza, e iria precisar de alguém para lhe ajudar nos trabalhos da empresa. Maria, interessada pela oportunidade, foi logo lhe orientando sobre as coisas da cidade, querendo lhe demonstrar que queria trabalhar e tinha capacidade.


Luzinete perguntou se o marido de Maria seria a favor ou contra que ela passasse o dia trabalhando em seu salão. Maria disse que não, que marido não havia. Que há mais de cinco anos o esposo tinha ido embora pra algum lugar que era incerto e não sabido, e que ela, desde então, tomara a decisão de não ter outro marido. Disse:


– Já gostei de homem, mas hoje não quero mais. Prefiro viver sozinha, levar minha vida em paz, trabalhando honestamente. Caminho sempre pra frente e evito olhar para trás.


Luzinete então falou:


– Sua história é parecida com o que tenho passado ao longo da minha vida. Eu também vivo sozinha. Toda esperança que eu tinha, para sempre está perdida.


Então Salomé lhe disse:


– Vou dizer para a senhora: eu poderia viver como já vivi outrora, se meu marido voltasse, e voltando me chamasse para ir daqui embora. Pois, embora Zé Luando também não fosse perfeito, ele era um homem bom, que me aceitava do meu jeito. Tratava-me com amor, me dava muito valor, e por mim tinha respeito. Se um dia foi embora, eu lhe dou toda razão, porque eu me aproveitei de sua boa intenção. Maldosamente menti, mas depois me arrependi daquela injusta traição. Mas, mudemos de assunto. Estou lhe incomodando, falando do meu passado e também de Zé Luando.


Então Maria olhou para Luzinete e notou que ela estava chorando. Maria disse:


– Senhora, o que está acontecendo? Me explique, por favor, o que a deixa assim, sofrendo? Eu fiz algo de errado? Mexi com o seu passado com o que estou dizendo?


– O homem de quem tu falas, hoje em dia não existe. Mas eu choro de emoção, não penses que estou triste. Fico feliz de te ver agora se arrepender de trair como traíste.


Luzinete disse isso olhando bem para Maria, que, olhando também pra ela, nessa hora percebia que estava conversando com o mesmo Zé Luando que foi seu marido um dia. Quando viu que Luzinete era o mesmo Zé Luando, Maria não se conteve, foi logo lhe abraçando e dizendo:


– Que saudade! Será, meu Deus, que é verdade, ou será que estou sonhando?


Luando disse baixinho:


– Não é sonho não, Maria. É apenas um momento de prazer e de alegria, que talvez lá no passado tenha sido programado para acontecer neste dia.


Prosseguiram na conversa, quando o abraço acabou, e Zé contou pra Maria muitas coisas que passou, desde quando ele partiu e pelo mundo saiu, até que um dia voltou. Falou-lhe do seu trabalho e da vida que vivia. Das coisas que aprendeu e dos lugares onde ia. Finalmente, ele contou que em mulher se tornou depois de uma cirurgia.


– É por isso que eu lhe disse que já não existe mais o homem que se casou com você tempos atrás. Eu acho que, hoje em dia, a Luzinete e a Maria são pessoas quase iguais. Mas tenho uma proposta, você topa se quiser. Como eu não quero mais homem, e você também não quer, peço que você me diga, se quer que eu seja sua amiga, ou então sua mulher. De um jeito ou de outro, uma coisa eu lhe digo: você me fará feliz, se vier morar comigo, e traga sua criança, pois tenho muita esperança, que ele seja meu amigo.


Maria ficou surpresa com a proposta formulada, mas a verdade é que ela ficou muito interessada. E disse:


– Eu nunca pensei em um dia virar gay, essa vida é engraçada. Mas, antes de lhe dizer qual a minha decisão, eu lhe peço que agora preste muita atenção, pois tenho algo a dizer. Também tenho que fazer a minha revelação. O menino que você está vendo ali, brincando, não é o mesmo menino que você está pensando. Não é filho do pastor, é fruto do nosso amor, é filho de Zé Luando. Não sei se você se lembra de todo o acontecido, quando me jogou na cama e ficou enfurecido, no dia que eu confessei o meu erro e revelei que havia lhe traído. Caso você não se lembre, eu vou lhe dizer agora, que seu lado masculino despertou naquela hora. Depois que me possuiu, você se virou, dormiu e de manhã foi embora. Aquele é o nosso filho, acredite se puder. Revelar isso pra ele, você só faz se quiser. Mas eu posso ensinar ele a lhe respeitar, seja você homem ou mulher.


Zé Luando, ouvindo isso, não continha a emoção. Olhou bem para Maria, segurou a sua mão, e disse:


– Pegue o menino. Aqui o nosso destino tomou outra direção! E quanto ao seu outro filho, vá buscar ele também. Viveremos todos juntos, uma família de bem. O que houver de diferente é problema só da gente, não interessa a ninguém.


Nesse ponto, a história começou a terminar. Luzinete e Maria foram para outro lugar levando as duas crianças, e com muitas esperanças de a vida recomeçar.


Pelo que fiquei sabendo, Luzinete e Maria são hoje muito felizes, vivendo em paz e harmonia. Os filhos estão criados, em breve estarão formados em Direito e Engenharia. Foi um deles, aliás, quem me contou tudo isso, e apenas pediu que eu assumisse o compromisso de colocar no papel, procurando ser fiel a tudo o que me contou.


E assim vou terminando a história de Zé Luando, que muito me impressionou.

Um comentário:

  1. Maravilhosa história, bem formulada e contada, eu diria ue é mesmo um "causo acontecido" uma perfeição! Parabéns ao autor!

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