sexta-feira, 21 de novembro de 2008

Cordel sobre a África




NOVO LIVRO DE FERNANDO PAIXÃO


A leitora Samya, de Fortaleza, enviou a seguinte colaboração:


O poeta Fernando Paixão lançou na VIII Bienal Internacional do Livro, "África, um breve passeio pelas riquezas e grandezas africanas", seu novo livro em cordel. Eis um trechinho desta linda estória que conta o encanto deste grande continente africano.

DEDIQUEI NESTE POEMA
O MEU PENSAR SOBRE-HUMANO
TODA MINHA INTELIGÊNCIA
E AS BÊNÇÃOS DO SOBERANO
PARA FALAR DAS BELEZAS
DO CONTINENTE AFRICANO


ESTE IMENSO CONTINENTE
QUE TANTA BELEZA ENCERRA
COM LAGOS, SELVAS E RIOS
DESERTO, SAVANA E SERRA
SITUADO BEM NO CENTRO
DO NOSSO PLANETA TERRA


O CONTINENTE AFRICANO
TEM ELEVADO CONCEITO
MAS, O MUNDO OCIDENTAL
LHE FALTOU COM O RESPEITO
VITIMANDO A BELA ÁFRICA
AO MAIS CRUEL PRECONCEITO.

quarta-feira, 19 de novembro de 2008

Dia do cordelista


DIA DO CORDELISTA
Neste dia do cordelista, segue crônica que escrevi a pedido da Revista de Cultura da AJUFE, que deverá ser publicada nos próximos dias. Na verdade, pediram-me um artigo sobre o cordel de ontem e de hoje, mas achei que ficaria meio chato um artigo no estilo acadêmico. Então fiz na forma de crônica. O texto é o seguinte:


O VELHO CANTADOR E SEUS CORDÉIS
Marcos Mairton

Naquele dia, o velho cantador chegou à feira um pouco mais tarde que de costume. As barracas já estavam quase todas armadas e havia muita gente transitando entre elas, mas o seu lugar estava vazio, como que esperando sua chegada. Ele montou o tamborete com assento de couro – que já lhe acompanhava há anos – e, antes de abrir a mala dos cordéis e espalhá-los sobre a lona que trouxera dobrada, sentou um pouco para descansar. Depois tirou sua viola do saco e conferiu a afinação. Ensaiou alguns acordes, temperou a garganta e começou a cantar:

Bom dia para a senhora
E para o senhor que passa.
Vou começar mais um dia
Cantando aqui nesta praça.
Pois se eu nasci pra cantar
Eu canto para lhes dar
O que Deus me deu de graça...

Era uma estrofe antiga. Já não recordava a primeira vez que havia começado o dia daquela maneira, saudando o início de mais uma jornada e as pessoas que passavam. Lembrou de uma época em que começava a juntar gente antes mesmo de arrumar os seus cordéis sobre a lona, mas isso havia sido muito tempo atrás. As pessoas agora andavam cada vez mais apressadas e, enquanto ele entoava seus primeiros versos, elas continuavam passando sem lhe dar muita atenção. De vez em quando, alguém parava, olhava um pouco, mas logo continuava o seu caminho.

O velho cantador parecia não se incomodar. Apesar de os pulmões já não terem a potência de antigamente, soltava a voz, lembrando das cantorias comuns em sua infância no interior do nordeste brasileiro. Desde criança, não perdia uma oportunidade de assistir às apresentações dos violeiros, aqueles homens que dominavam tão bem a arte de rimar e metrificar, com suas violas enfeitadas e suas vozes poderosas. E juntava gente para assistir. Um dia, conseguiu arrumar algum dinheiro e comprar sua própria viola, e não parou mais de cantar. Nunca foi um grande improvisador e, talvez por isso, não alcançou nenhuma projeção como repentista, mas conhecia as formas e as métricas necessárias ao ofício. Obras de seis pés, ou sextilha:

Agora vem-me à lembrança
Os passos do meu sertão
Pomba de bando, asa branca
Marreca, socó, carão,
Também pássaro pombinha
Arara e currupião.

Obras de sete pés, ou septilha:

Uma Carta de ABC
E uma velha Tabuada,
Um punhado de cordéis
Numa maleta encantada,
Me deram luz do saber.
Ali eu pude aprender
Até a História Sagrada.

E até martelo agalopado, pois sem ele um cantador não sobrevive:

Admiro demais o ser humano
que é gerado num ventre feminino
envolvido nas dobras do destino
e calibrado nas leis do Soberano
quando faltam três meses para um ano
a mãe pega a sentir uma moleza
entre gritos lamúrias e esperteza
nasce o homem e aos poucos vai crescendo
e quando aprende a falar já é dizendo:
quanto é grande o poder da Natureza.

Fraco na criação de enredos e rimas, o velho cantador foi fazendo a sua fama mais como declamador de cordel do que como repentista. Para ser bom repentista é preciso ligeireza de pensamento, facilidade para usar as palavras e criar os versos na hora, de acordo com o tema oferecido, chamado mote. Já a declamação de cordel requer, antes de tudo, boa memória, e isso o velho tinha de sobra. Apesar de ler com dificuldade, decorava um folheto de cordel numa velocidade espantosa. E nunca mais esquecia. Assim, sabia, de cor, glosas sobre os mais variados assuntos, além de vários dos mais conhecidos “romances”, aqueles cordéis que trazem uma história completa, com heróis, aventuras e alguma fantasia misturando-se à realidade. “O Romance do Pavão Mysteriozo”, “Juvenal e o Dragão”, “O Cavalo que Defecava Dinheiro”... Nos bons tempos da feira, as pessoas pediam e ele ia narrando aquelas aventuras em verso, dando-lhes uma melodia que combinasse com a métrica de cada um. Um dos que mais gostava era a “Cantiga do Vilela”:

Meu povo, preste atenção
Ao que agora eu vou contar
De um homem muito valente
Que morava num lugar
E até o próprio Governo
Tinha medo de o cercar..

Vilela era natural
Do sertão pernambucano,
E ele, desde o princípio
Que tinha o gênio tirano:
Comete o primeiro crime
Com a idade de dez anos.

Com doze anos de idade,
numa véspera de São João,
Vilela mais o seu mano
Tiveram uma alteração;
Só por causa de um cachimbo,
Vilela mata o irmão.

Com quinze anos de idade,
Passando os três ao depois,
Vilela monta a cavalo,
Vai ao campo atrás duns bois;
Encontrou quatro rapazes;
Atirou num, matou dois.

E por aí prosseguia... Talvez o velho cantador não tenha noção da importância do seu ofício na preservação dessa arte tão brasileira, vinda da península ibérica nos idos do século XVI, embora não se saiba exatamente quando. A expressão “literatura de cordel” decorreria do fato de os folhetos serem expostos pendurados em barbantes, em cordéis. O velho cantador já ouvira falar disso, embora nunca tenha vendido os seus dessa maneira. Sempre os levou para a feira em uma mala e espalhou sobre a lona, no chão mesmo. Pendurado ou não, o cordel foi sendo reconhecido no Brasil, especialmente no Nordeste, não pela maneira como era exposto para venda, e sim pela forma rimada e metrificada de tratar dos assuntos mais diversos, contando histórias, dando notícias, fazendo homenagens e críticas. Aos poucos, ganhou tanta importância que chegou a ser considerado o “jornal do sertão”. Dizem até que, quando Lampião morreu, muita gente só acreditou quando saíram os primeiros cordéis contando o ocorrido.

Em um país de muitos analfabetos, a forma rimada e metrificada de se expressar, facilitava a memorização e permitia que a história fosse passada oralmente. Alguns mais interessados, como o velho cantador, aprenderam a ler por causa do cordel. De tanto ouvir os outros contarem as histórias, iam manuseando os folhetos, pedindo ajuda a quem sabia, até que acabavam aprendendo.

Apesar de o cordel ter essa bela história, os tempos foram se modernizando e os fregueses do velho cantador escasseando. Cada vez mais, arrumava seus folhetos sobre a lona e via pouca gente parar para comprar. Como nunca economizou o que ganhou nos bons tempos da juventude, o sustento foi dependendo cada vez mais da pensão da falecida esposa e de alguma ajuda dos filhos, que moram na capital.
– Os sertanejos se acostumaram a ver televisão e só querem saber de novela. Quem acaba comprando os folhetos são os turistas, quando aparecem – comentou com um de seus poucos fregueses daquele dia.

Talvez o velho cantador não soubesse que essa queda de movimento na feira não significava que o interesse pelo cordel estivesse acabando, mas apenas mudando de forma... E de lugar. Bastaria ele acessar a Internet para perceber isso. Digita-se a expressão “literatura de cordel” no Google, e logo surgem mais de duzentas mil referências. Tiram-se as aspas e esse número sobre para mais de trezentas mil. Encontra-se de tudo na rede. São sites com cordéis antigos e novos, textos sobre a história do cordel, biografia de seus nomes mais proeminentes e vários artigos acadêmicos abordando o assunto.

A par disso, as estruturas de rima e de métrica do passado continuam a ser usadas pelos cordelistas dos tempos atuais, em um encontro inacreditavelmente harmônico da tradição com a modernidade. Obras de seis, sete, oito e dez pés; versos de sete, dez ou onze sílabas; moirões, martelos e galopes à beira-mar... O cordel continua se mostrando um excelente instrumento para abordar questões sociais e contar histórias fantásticas, mas também para tratar de temas mais recentes como a tecnologia. Encontrado em páginas da Internet, diz o “Cordel do Software Livre”


Computador e internet
Vivem no nosso Presente
Mesmo sendo tão ligados
Cada um é diferente
Mas toda coisa criada
Não serviria pra nada
Se não fosse para gente

Como uma calculadora
Um bocado mais sabida
Nasceu o computador
Pra fazer conta e medida
Mas foi se modernizando
Seu poder acrescentando
E o "programa" ganhou vida

E seguem as estrofes sobre esse assunto tão diferente daqueles tratados nos primeiros cordéis. O velho cantador não poderia imaginar uma coisa dessas: o cordel se desprendendo do folheto e se difundindo no mundo virtual da Internet. Ao mesmo tempo, a Internet virando tema de cordéis e repentes...

Mas as transformações pelas quais o cordel vem passando não ficam nisso. Quando o velho cantador se queixa que só os turistas se interessam por seus folhetos, talvez nem imagine que não apenas turistas, mas também professores e alunos de inúmeras escolas brasileiras são hoje grandes apreciadores do cordel. Os educadores brasileiros estão redescobrindo o cordel como ferramenta para o aprendizado. A cada dia encontram-se mais projetos de escolas estudando o cordel – como manifestação cultural – e usando o cordel para que os próprios alunos desenvolvam a leitura, a escrita e a expressão artística. Coletâneas de folhetos, reunidos em livro, estão em todas as livrarias. Obras de literatura infantil ilustradas, com o texto em cordel, são adotadas com entusiasmo nas escolas. E há os clássicos da literatura adaptados para o cordel, como “O Corcunda de Notredame”, “Os Miseráveis”, “A Ambição de Macbeth” e contos de Machado de Assis[3], dentre outros.

Se soubesse dessas coisas, o velho cantador não sentiria apenas nostalgia ao expor seus folhetos na feira, mas também orgulho de ver o cordel ocupando novos espaços e novas mídias. Mas, ele não terá oportunidade para isso. Já ouvira falar em computadores e Internet, mas como algo muito distante de sua realidade. Considerava-se velho para mexer com essas coisas.

Naquele dia, sentia-se cansado, lento, com a vista embaçada. Quando tentava tomar fôlego para cantar um pouco mais alto, era como se algo pressionasse o seu peito. Indisposto, voltou mais cedo para o barraco compartilhado com sua viola e seus folhetos. Depois de tomar um pouco de mingau de aveia que ele mesmo preparou, deitou na rede, apagou a luz e ficou esperando o sono chegar. Foi então que começou a ouvir alguns acordes de viola, primeiro longe, depois se aproximando, até chegar à porta do seu barraco. Alguém começou a cantar um “dez pés em quadrão”:

Velho que canta na feira
E mora nesse barraco,
Põe a viola no saco,
Encerra essa brincadeira
De passar a tarde inteira
Como antigos menestréis,
Querendo mostrar que és,
Para o povo ignorante,
Mais que um comerciante
De repentes e cordéis.

Do jeito que estava deitado na rede, o velho cantador respondeu no ato:

De repentes e cordéis
Eu sou mais que vendedor.
Sou um velho cantador
De “martelos” e “dez pés”.
Não inverta os papéis,
Você que canta aí fora,
Vem chegando a essa hora,
Mas sei que seu pensamento
É vender seu instrumento
Para poder ir embora.

Ele próprio se impressionou com a facilidade com que respondeu aos versos provocativos que ouvira. Conhecia suas limitações como repentista, mas naquela noite os versos fluíram fáceis. O entusiasmo renovou-lhe as energias. Levantou-se num salto, pronto para pegar a viola e continuar a cantoria lá fora, mas logo percebeu que ao redor da sua rede havia vários violeiros afinando seus instrumentos, sorrindo para ele, envoltos em uma luz que só poderia ser coisa do sobrenatural.

O velho cantador entendeu o que estava acontecendo e sorriu também. Agora sabia que as coisas fantásticas que aconteciam nos romances de cordel não eram apenas fruto da imaginação de seus autores. Enquanto cumprimentava cada um daquele grupo de cantadores, alguém começou um “martelo” mais ou menos assim:

Sê bem vindo, bom e velho cantador,
Neste mundo em outra dimensão
Já cumpriste na terra tua missão
De ser da nossa arte um difusor.
Quando eu lhe chamei de vendedor
De folhetos de cordel em plena feira
Saiba que foi somente brincadeira
Na verdade, foste muito importante
Pra manter o cordel vivo e pulsante
No cenário da cultura brasileira.

A cantoria prosseguiu noite adentro, com todos aqueles poetas se revezando no cantar de seus versos, e o velho cantador nunca mais foi visto na feira.


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[1] Este exemplo e os dois seguintes foram extraídos da obra “Cantadores” de Leonardo Mota, na qual constam outras métricas. Também disponível em http://mundocordel.blogspot.com/2007/10/tcnica-de-fazer-cordel.html.
[2] Obra de autoria de Cárlisson Galdino, disponível em http://www.dicas-l.com.br/dicas-l/20071223.php.
[3] “O Corcunda de Notre Dame”, Ed. Nova Alexandria, de João Gomes de Sá; “Os Miseráveis”, Ed. Nova Alexandria, de Klévisson Viana; “A Traição de Macbeth”, Ed. IMEPH, de Arievaldo Viana; Marcos Mairton adaptou “A Cartomante” e Rouxinol do Rinaré “O Alienista”, ainda não publicados.

Lançamento de Uma Aventura na Amazônia



LANÇAMENTO COM RECITAL


Bom demais o lançamento do meu "Uma aventura na Amazônia", ontem, em Fortaleza. Parentes e amgos dando o maior apoio.
Na foto, trecho do recital, quando cantei acompanhado da Cactus Kid, formada por Abimael (guitarra), Moreira (violão), João Paulo (baixo) e Chicão (bateria).

segunda-feira, 17 de novembro de 2008

Lançamento em Fortaleza: Uma aventura na Amazônia



"Uma aventura na Amazônia": Consciência ecológica e aventura


O lançamento de "Uma aventura na Amazônia" em Fortaleza acontecerá amanhã, terça-feira, dia 18, às 19h30, na livraria Oboé do shopping Center Um.


O livro traz a história de Daniel, um menino de 10 anos que se aventura em um passeio pela selva amazônica.

O tráfico de animais é o tema abordado pelo texto, estimulando o despertar da consciência ecológica nas crianças em uma trama que promete prender a atenção não só dos pequeninos, como também dos adultos.


Com ilustrações do paraense Rafael Limaverde, o livro conta ainda com um glossário com explicações sobre a fauna e flora da Amazônia e de todas as palavras indígenas utilizadas no texto.


Serviço:
Lançamento de “Uma Aventura na Amazônia” (Editora Conhecimento, R$25,00), de Marcos Mairton da Silva, terça-feira, dia 18, à 19h30, na Livraria Oboé, no Shopping Center Um. Informações: 3087.5902

quarta-feira, 5 de novembro de 2008

Cordel e Cearês



O JEITO DE FALAR DO POVO CEARENSE

Meu amigo MARCOS MIRANDA, morando atualmente em Brasília, enviou-me essa contribuição.

O LINGUAJAR CEARENSE
AUTORA: JOSENIR A. DE LACERDA
CADEIRA Nº 3 DA ACADEMIA DOS CORDELISTAS DO CRATO

Todo poeta de fato
É grande observador
Seja da rua ou do mato
Seja leigo ou professor
Faz verdadeira pesquisa
Vasto estudo realiza
Buscando essência e teor

Por esse nato talento
Na hora de versejar
Busca o tema e o momento
Visa o leitor agradar
Não sente conformação
Se não passa a emoção
Que dentro do peito está

Neste cordel-dicionário
Eu pretendo registrar
O rico vocabulário
Da criação popular
No Ceará garimpei
Juntei tudo, compilei
Ao leitor quero ofertar

Se alguém é desligado
É chamado de bocó
Broco, lerdo e abestado
Azuado ou brocoió
Arigó e Zé Mané
Sonso, atruado, bilé
Pomba lesa e zuruó

Artigo novo é zerado
Armadilha é arapuca
O doido é abirobado
Invencionice é infuca
O matuto é mucureba
Qualquer ferida é pereba
Mosquito grande é mutuca
Quem muito agarra, abufela
Briga pequena é arenga
Enganação, esparrela
Toda prostituta é quenga
Rapapé é confusão
De repente é supetão
Insistência é lenga-lenga

Qualquer tramóia é motim
Solteira idosa é titia
Mosquitinho é mucuim
Recipiente é vasia
Meia garrafa é meiota
O exibido é fiota
Travessura é istripulia

Bebeu muito é deodato
Brisa leve é cruviana
O sujeito otário é pato
Cigarro curto é bagana
Fugir é capar o gato
O engraçado é gaiato
Quem vai preso tá em cana

Ter mesmo nome é xarapa
Muito junto é encangado
Água com açúcar é garapa
Cor vermelha é encarnado
Muita coisa dá mêimundo
Sendo Mundim é Raimundo
Valentão é arrochado

A rede velha é fianga
Com raiva é apurrinhado
Careta feia é munganga
Baitinga é o mesmo viado
O bom é só o pitéu
Bajulador, xeleléu
Sem jeito é malamanhado

Bater fofo é não cumprir
Etecetera é escambau
Sujar muito é encardir
Quem acusa, cai de pau
Confusão é funaré
Carta coringa é melé
Atacar é só de mau

Qualquer botão é biloto
Mulher difícil é banqueira
Pequenino é pirritoto
Estilingue é baladeira
Qualquer coisa é birimbelo
Descorado é amarelo
Sem requinte é labrocheira

Um perigo é boca quente
Porco novo é bacurim
Atrevido é saliente
Quem não presta é corja ruim
Dedo duro é cabuêta
A perna torta é zambêta
Coisinha pouca é tiquim

Parteira era cachimbeira
Dar mergulho é tibungar
Tem cucuruto, moleira
Olhar demais é cubar
Tem ainda ternontonte
Que vem antes do antonte
Ver de soslaio é brechar

Quem briga bota boneco
Sem valor é fulerage
Copo pequeno é caneco
Estrada boa é rodage
O tristonho é capiongo
Galo ou inchaço é mondrongo
E a ralé é catrevage

O velho ovo estrelado
É o bife do oião
Nervoso é atubibado
Repreender é carão
O zarôlho é caraôi
Enviezado, zanôi
Inquieto é frivião

A perna fina é cambito
Dar o fora é azular
Muito magrelo é sibito
Pisar manco é caxingar
Rede pequena é tipóia
Tudo bem é tudo jóia
Fazer troça é caçoar

A expressão 'dá relato'
Que atinge mais de légua
'Tá ca peste!' 'Só no Crato!'
'Tá lascado!' e 'Aarre égua!'
'Corra dentro!' ' Qué cirmá? '
'É de rosca? 'Éé de lascar! '
'Vôte!' 'Ôxente! 'Isso é paid'égua!'

Se é muito longe, arrenego
Que Deus do céu nos acuda
É pra lá da caixa prego
Lá no calcanhar do juda
Nas bimboca ou cafundó
Nas brenha ou caixa bozó
Onde o vento a rota muda

Se é cheia de babilaque
É ispilicute ou dondoca
Ligeiro é 'que nem um traque'
Agachado é tá de coca
Sem rumo é desembestado
O faminto é esguerado
Bolha na pele é papoca

Chamuscado é sapecado
Nuca, cangote é cachaço
Meio tonto é calibrado
A coluna é espinhaço
Se está adoentado
Tá como diz o ditado:
'da pucumã pro bagaço'

Cearense tem mania
Chama todo mundo Zé
Zé da onça, Zé de tia
Zé ôin ou Zé Mané
Zé tatá ou Zé de Dida
Achando pouco apelida
Um bocado de Zezé

Fazer goga é gaiofar
O que é longo é cumprissaio
Provocar é impinjar
Toda pilôra é desmaio
Salto ligeiro é pinote
Bando, turma é um magote
Cesto sem alça é balaio

A comidinha caseira
Tem fama no Ceará
Tipicamente brasileira
Faz o caboco babar
No bar do Mané bofão
Pau do guarda, panelão
O cardápio vou citar:

Sarrabulho, panelada
Mucunzá e chambari
Tripa de porco, buchada
Baião de dois com piqui
Tem pão de milho e pirão
Carne de sol com feijão
Tijolo de buriti

Quem é ruivo é fogoió
O tristonho é distrenado
Tornozelo é mocotó
Cheio de grana, estribado
Jarra de barro é quartinha
O banheiro é a casinha
Sem saída, 'tá pebado'

A bebida e o seu rol
No Ceará todo habita
A fubuia e o merol
A truaca e a birita
Amansa sogra ou quentinha
Engasga gato, caninha
A meropéia e a mardita

O picolé no saquinho
Aqui se chama dindin
Se é o dedo menorzinho
É chamado de mindin
Riso sonoro é gaitada
Confusão é presepada
Atrevido é saidin

Papo longo e sem valor
É 'miolo de pote'
Muito esperto é vívido
Adolescente é frangote
Soldado raso é samango
A lagartixa é calango
O tabefe é cocorote

A lista é quase sem fim
Não cabe num só cordel
Tem alpercata, alfinim
Enrabichada e berel
Chué, baé, avexado
Bãe de cúia, ôi bribado
Quebra-queixo e carritel

Tem visage, sarará
Tem bruguelo e inxirido
Rabiçaca e aluá
Ispritado e zói cumprido
Bunda canastra, lundu
Dona encrenca, sabacu
Bonequeiro e maluvido
O caerense é assim:
Dá cotoco à nostalgia
A tristeza leva fim
Na cacunda dá euforia
dá de arrudei na carência
Enrola a sobrevivência
e embirra na alegria

terça-feira, 4 de novembro de 2008

O cordel e os clássicos da literatura


CLÁSSICOS NO CORDEL



Clássicos da literatura estão sendo adaptados para os cordéis. Assim, é possível reler obras de escritores como Machado de Assis

Dramas contundentes, paixões traiçoeiras, ´causos´ escrabosos, bravura ´quixotesca´. Romantismo e muito humor. São alguns dos ingredientes que endossam uma boa história de cordel. Sem falar, ainda, do ritmado certeiro e do compasso inebriante de seus versos popularescos. Como trovadores medievais, os cordelistas do Nordeste dinfundem ´mundo afora´ narrativas e poéticas embasadas nas tradições orais, que, segundo o estudioso Paul Zumthor, referem-se à transmissão oral, conduzida entre as gerações, dos conhecimentos armazenados na memória do ser humano.
Em toda a história da literatura erudita, a narrativa popular sempre exerceu forte influência. A partir dela, grandes escritores como o inglês William Shakespeare e os brasileiros Ariano Suassuna, José Lins do Rego e Guimarães Rosa, encontraram a inspiração necessária para criar seus romances, contos e peças teatrais. Da mesma forma, como uma troca constante, a poesia popular se apropria de elementos da esfera erudita para tecer suas histórias.

Exemplo disso, é a adaptação produzida para a linguagem de cordel dos grandes clássicos da literatura nacional e internacional. Os cordelistas cearenses Klévison Viana, Rouxinol do Rinaré e Arievaldo Viana são mestres no ofício. Cada um, a sua maneira, vem realizando várias produções dessa natureza. Atualmente, estão lançando três novas adaptações: ´A ambição de Macbeth e a maldade feminina´, de Arievaldo Viana(Cortez Editora); ´Os Miseráveis´, de Klévisson Viana, e ´O Alienista´, de Rouxinol do Rinaré,( ambas pela editora Nova Alexandria).

Com ´A ambição de Macbeth e a maldade feminina´, Arievaldo Viana realiza uma livre adaptação do livro ´Macbeth´, de William Shakespeare. Promovendo um recorte sobre os principais acontecimentos dessa obra, o cordelista constrói uma narrativa interessante que enfatiza toda uma aura de mistério, excitando a curiosidade do público. Klévisson Viana, por sua vez, realiza a adaptação de ´Os Miseráveis´, romance homônimo de Victor Hugo. Nele o autor une aspectos da linguagem popular (expressões e gírias locais) com construções mais rebuscadas provenientes da obra original. Em ´O Alienista´, o poeta Rouxinol do Rinaré mostra-se fiel ao texto original de Machado de Assis, mas, ao mesmo tempo, preza pelo bom humor e pela ironia, tão bem focada pela poesia dos cordéis.

Cordel educativo

A literatura de cordel tem se mostrado um importante instrumento pedagógico capaz de facilitar o processo de ensino-aprendizado de jovens e crianças. Reconhecendo o potencial desse gênero, o Ministério da Educação vem incorporando na sua política de formação de leitores e democratização do acesso de alunos e professores à cultura e à informação, através do Programa Nacional Biblioteca da Escola (PNBE), a poesia dos cordéis em sala de aula. ´Os Miseráveis´ (Klévisson Viana) e ´A ambição de Macbeth e a maldade feminina´ (Arievaldo Viana) farão parte do programa em 2009.

Criador do ´Projeto Acorda Cordel na Sala de Aula´, Arievaldo Viana diz que a poesia popular, por todas as suas características (linguagem simples, jogo de rima e bom-humor), desperta o desejo de jovens, crianças e adultos pela leitura e até mesmo pela escrita de suas próprias histórias. ´A poesia popular chama atenção pelo seu teor educativo, estimulando o interesse da garotada pela leitura e escrita de cordéis. A partir das experiências obtidas em oficinas realizadas em cidades como Campina Grande e Canindé, posso dizer que a receptividade entre os alunos é excelente, sobretudo, em atividades como leitura em grupo e elaboração de novos folhetos. Descobri garotos talentosos, que têm potencial e nem se quer sabiam disso´, conta Arievaldo Viana.

Complementando as palavras do amigo e parceiro de trabalho, Klévisson Viana afirma que o reconhecimento do cordel no setor educativo é fruto de uma atuação sólida, empreendida por artistas dedicados e apaixonados pelo que fazem, abrangendo diversas atividades. ´Devemos considerar não só a feitura do cordel em si, mas todo o trabalho de visitação às escolas, palestras e oficinas que realizamos pelo País´, assinala o cordelista.

Além disso, Klévison destaca que vem crescendo o interesse das editoras em publicar cordel em formatos diferentes do habitual, onde se destaca a presença de capa dura, papel couchê e gravuras coloridas, não necessariamente seguindo os moldes das xilogravuras. ´O formato gráfico pode ser diferente, mas o texto se mantém com as mesmas características: métrica, rima, linguagem simples, narrativa e poesia popular. Não queremos fabricar poetas e nem tomar o lugar do folheto tradicional, mas explorar esses novos formatos, atender uma nova demanda, há mercado para isso. As editoras já estão se atentando para isso´.


LANÇAMENTOS

"A Ambição de Mcbeth e a maldade feminina"
Arievaldo Viana
R$ 27,00
36 páginas
Editora Cortez


"Os miseráveis "
Klévisson Viana
R$ 22,00
47 páginas
2008
Nova Alexandria

"O Alienista"
Rouxinol do Rinaré
R$ 22,00
48 páginas
Nova Alexandria