quarta-feira, 5 de novembro de 2008

Cordel e Cearês



O JEITO DE FALAR DO POVO CEARENSE

Meu amigo MARCOS MIRANDA, morando atualmente em Brasília, enviou-me essa contribuição.

O LINGUAJAR CEARENSE
AUTORA: JOSENIR A. DE LACERDA
CADEIRA Nº 3 DA ACADEMIA DOS CORDELISTAS DO CRATO

Todo poeta de fato
É grande observador
Seja da rua ou do mato
Seja leigo ou professor
Faz verdadeira pesquisa
Vasto estudo realiza
Buscando essência e teor

Por esse nato talento
Na hora de versejar
Busca o tema e o momento
Visa o leitor agradar
Não sente conformação
Se não passa a emoção
Que dentro do peito está

Neste cordel-dicionário
Eu pretendo registrar
O rico vocabulário
Da criação popular
No Ceará garimpei
Juntei tudo, compilei
Ao leitor quero ofertar

Se alguém é desligado
É chamado de bocó
Broco, lerdo e abestado
Azuado ou brocoió
Arigó e Zé Mané
Sonso, atruado, bilé
Pomba lesa e zuruó

Artigo novo é zerado
Armadilha é arapuca
O doido é abirobado
Invencionice é infuca
O matuto é mucureba
Qualquer ferida é pereba
Mosquito grande é mutuca
Quem muito agarra, abufela
Briga pequena é arenga
Enganação, esparrela
Toda prostituta é quenga
Rapapé é confusão
De repente é supetão
Insistência é lenga-lenga

Qualquer tramóia é motim
Solteira idosa é titia
Mosquitinho é mucuim
Recipiente é vasia
Meia garrafa é meiota
O exibido é fiota
Travessura é istripulia

Bebeu muito é deodato
Brisa leve é cruviana
O sujeito otário é pato
Cigarro curto é bagana
Fugir é capar o gato
O engraçado é gaiato
Quem vai preso tá em cana

Ter mesmo nome é xarapa
Muito junto é encangado
Água com açúcar é garapa
Cor vermelha é encarnado
Muita coisa dá mêimundo
Sendo Mundim é Raimundo
Valentão é arrochado

A rede velha é fianga
Com raiva é apurrinhado
Careta feia é munganga
Baitinga é o mesmo viado
O bom é só o pitéu
Bajulador, xeleléu
Sem jeito é malamanhado

Bater fofo é não cumprir
Etecetera é escambau
Sujar muito é encardir
Quem acusa, cai de pau
Confusão é funaré
Carta coringa é melé
Atacar é só de mau

Qualquer botão é biloto
Mulher difícil é banqueira
Pequenino é pirritoto
Estilingue é baladeira
Qualquer coisa é birimbelo
Descorado é amarelo
Sem requinte é labrocheira

Um perigo é boca quente
Porco novo é bacurim
Atrevido é saliente
Quem não presta é corja ruim
Dedo duro é cabuêta
A perna torta é zambêta
Coisinha pouca é tiquim

Parteira era cachimbeira
Dar mergulho é tibungar
Tem cucuruto, moleira
Olhar demais é cubar
Tem ainda ternontonte
Que vem antes do antonte
Ver de soslaio é brechar

Quem briga bota boneco
Sem valor é fulerage
Copo pequeno é caneco
Estrada boa é rodage
O tristonho é capiongo
Galo ou inchaço é mondrongo
E a ralé é catrevage

O velho ovo estrelado
É o bife do oião
Nervoso é atubibado
Repreender é carão
O zarôlho é caraôi
Enviezado, zanôi
Inquieto é frivião

A perna fina é cambito
Dar o fora é azular
Muito magrelo é sibito
Pisar manco é caxingar
Rede pequena é tipóia
Tudo bem é tudo jóia
Fazer troça é caçoar

A expressão 'dá relato'
Que atinge mais de légua
'Tá ca peste!' 'Só no Crato!'
'Tá lascado!' e 'Aarre égua!'
'Corra dentro!' ' Qué cirmá? '
'É de rosca? 'Éé de lascar! '
'Vôte!' 'Ôxente! 'Isso é paid'égua!'

Se é muito longe, arrenego
Que Deus do céu nos acuda
É pra lá da caixa prego
Lá no calcanhar do juda
Nas bimboca ou cafundó
Nas brenha ou caixa bozó
Onde o vento a rota muda

Se é cheia de babilaque
É ispilicute ou dondoca
Ligeiro é 'que nem um traque'
Agachado é tá de coca
Sem rumo é desembestado
O faminto é esguerado
Bolha na pele é papoca

Chamuscado é sapecado
Nuca, cangote é cachaço
Meio tonto é calibrado
A coluna é espinhaço
Se está adoentado
Tá como diz o ditado:
'da pucumã pro bagaço'

Cearense tem mania
Chama todo mundo Zé
Zé da onça, Zé de tia
Zé ôin ou Zé Mané
Zé tatá ou Zé de Dida
Achando pouco apelida
Um bocado de Zezé

Fazer goga é gaiofar
O que é longo é cumprissaio
Provocar é impinjar
Toda pilôra é desmaio
Salto ligeiro é pinote
Bando, turma é um magote
Cesto sem alça é balaio

A comidinha caseira
Tem fama no Ceará
Tipicamente brasileira
Faz o caboco babar
No bar do Mané bofão
Pau do guarda, panelão
O cardápio vou citar:

Sarrabulho, panelada
Mucunzá e chambari
Tripa de porco, buchada
Baião de dois com piqui
Tem pão de milho e pirão
Carne de sol com feijão
Tijolo de buriti

Quem é ruivo é fogoió
O tristonho é distrenado
Tornozelo é mocotó
Cheio de grana, estribado
Jarra de barro é quartinha
O banheiro é a casinha
Sem saída, 'tá pebado'

A bebida e o seu rol
No Ceará todo habita
A fubuia e o merol
A truaca e a birita
Amansa sogra ou quentinha
Engasga gato, caninha
A meropéia e a mardita

O picolé no saquinho
Aqui se chama dindin
Se é o dedo menorzinho
É chamado de mindin
Riso sonoro é gaitada
Confusão é presepada
Atrevido é saidin

Papo longo e sem valor
É 'miolo de pote'
Muito esperto é vívido
Adolescente é frangote
Soldado raso é samango
A lagartixa é calango
O tabefe é cocorote

A lista é quase sem fim
Não cabe num só cordel
Tem alpercata, alfinim
Enrabichada e berel
Chué, baé, avexado
Bãe de cúia, ôi bribado
Quebra-queixo e carritel

Tem visage, sarará
Tem bruguelo e inxirido
Rabiçaca e aluá
Ispritado e zói cumprido
Bunda canastra, lundu
Dona encrenca, sabacu
Bonequeiro e maluvido
O caerense é assim:
Dá cotoco à nostalgia
A tristeza leva fim
Na cacunda dá euforia
dá de arrudei na carência
Enrola a sobrevivência
e embirra na alegria

6 comentários:

  1. Caro Dr. Mairton, parabéns pela sua arte e sensibilidade. Sou seu admirador. Lembro-me bem que há muito tempo eu fui assistir uma cantoria e as palavras do Poeta me marcaram até hoje, eram mais ou menos assim: "Num País onde Xuxa e endeusada e Sérgio Malando é engraçado, cantador de violar não tem vez". Lutemos para que isso não aconteça.
    Um grande abraço. Carlos Magno (Maninho) www.maninhodesenhos.blogspot.com

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  2. estou divulgando esse interessante texto de cordel no meu bloguinho, como forma de divulgar tal genialidade aos meus amigos que visitam meu blog, caso os autores sintam-se lesados, comentar no blog: http://culturanocariri.blogspot.com/
    sou muito fã de cultura, parabens e agradecida! janinha!

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  3. Cada terra tem um jeito/
    Do seu povo se expressar/
    Uns falam bem explicado
    Outros faz gesticular/
    Só os poetas entendem tudo/
    Compreendem cegos e mudos/
    Nâo importa o limguajar./

    ***************************
    //Anizio

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  4. Poetas sabem de tudo/
    Mesmo se nunca estudou/
    Nos versos ele dar um show/
    Entende o falante, o mudo/
    Poeta é mesmo um absurdo/
    Num palco ele é destaque/
    Declama todos os sotaque/
    Do litoral ao sertão/
    Não importa a região/
    Nego rir de soltar traque./

    *************************

    //Anizio, 06/03/2010

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  5. Acabo de remeter-me à épocas nostalgicas, onde poesia busca essência, sentimentos e muita musicalidade; parabéns aos poetas que conservam esses grandes traços Simbolistas em seus versos. De um Grande fã da Literatura porpular/regional....

    Marcos Ferreira/ N.Olinda-CE

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  6. Você é o cara. Sou Cearense moro em São Paulo há bastantes tempo e de vez enquanto tenho esse embate no dia a dia com colegas dessa riqueza cultural de tamanha preciosidade de Nosso Patativa e Suassuna. Irmão brasileiro leiam mais...
    Zito/SP.

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