quarta-feira, 28 de novembro de 2007

Poesia para cães

Foto obtida em http://samugliestdog.com/

“SAM, THE UGLY DOG” E O CÃO VELUDO

Estava procurando alguma coisa interessante na internet, quando me deparei com o
site do cãozinho Sam. Ao ver o bichinho tão feio, logo lembrei-me de Veludo, segundo a poesia de Luiz Guimarães, “o cão mais feio que houve no mundo”.

Na verdade, gosto muito da poesia “História d’um cão” e, apesar de já tê-la lido inúmeras vezes, ainda me emociono quando a releio.

Vejamos, então a

HISTÓRIA D'UM CÃO
Luiz Guimarães

Eu tive um cão. Chamava-se Veludo:
Magro, asqueroso, revoltante, imundo,
Para dizer numa palavra tudo
Foi o mais feio cão que houve no mundo.

Recebi-o das mãos dum camarada.
Na hora da partida, o cão gemendo
Não me queria acompanhar por nada:
Enfim - mau grado seu - o vim trazendo.

O meu amigo cabisbaixo, mudo,
Olhava-o ... o sol nas ondas se abismava....
«Adeus!» - me disse,- e ao afagar Veludo
Nos olhos seus o pranto borbulhava.

«Trata-o bem. Verás como rasteiro
Te indicarás os mais sutís perigos;
Adeus! E que este amigo verdadeiro
Te console no mundo ermo de amigos.»

Veludo a custo habituou-se à vida
Que o destino de novo lhe escolhera;
Sua rugosa pálpebra sentida
Chorava o antigo dono que perdera.

Nas longas noites de luar brilhante,
Febril, convulso, trêmulo, agitado
A sua cauda - caminhava errante
A luz da lua - tristemente uivando

Toussenel: Figuier e a lista imensa
Dos modernos zoológicos doutores
Dizem que o cão é um animal que pensa:
Talvez tenham razão estes senhores.

Lembro-me ainda. Trouxe-me o correio,
Cinco meses depois, do meu amigo
Um envelope fartamente cheio:
Era uma carta. Carta! era um artigo

Contendo a narração miuda e exata
Da travessia. Dava-me importantes
Notícias do Brasil e de La Plata,
Falava em rios, árvores gigantes:

Gabava o steamer que o levou; dizia
Que ia tentar inúmeras empresas:
Contava-me também que a bordo havia
Mulheres joviais - todas francesas.

Assombrava-me muito da ligeira
Moralidade que encontrou a bordo:
Citava o caso d’uma passageira...
Mil coisas mais de que me não recordo.

Finalmente, por baixo disso tudo
Em nota breve do melhor cursivo
Recomendava o pobre do Veludo
Pedindo a Deus que o conservasse vivo.

Enquanto eu lia, o cão tranquilo e atento
Me contemplava, e - creia que é verdade,
Vi, comovido, vi nesse momento
Seus olhos gotejarem de saudade.

Depois lambeu-me as mãos humildemente,
Estendeu-se a meus pés silencioso
Movendo a cauda, - e adormeceu contente
Farto d’um puro e satisfeito gozo.

Passou-se o tempo. Finalmente um dia
Vi-me livre d’aquele companheiro;
Para nada Veludo me servia,
Dei-o à mulher d’um velho carvoeiro.

E respirei! «Graças a Deus! Já posso»
Dizia eu «viver neste bom mundo
Sem ter que dar diariamente um osso
A um bicho vil, a um feio cão imundo».

Gosto dos animais, porém prefiro
A essa raça baixa e aduladora
Um alazão inglês, de sela ou tiro,
Ou uma gata branca sismadora.

Mal respirei, porém! Quando dormia
E a negra noite amortalhava tudo
Sentí que à minha porta alguem batia:
Fui ver quem era. Abrí. Era Veludo.

Saltou-me às mãos, lambeu-me os pés ganindo,
Farejou toda a casa satisfeito;
E - de cansado - foi rolar dormindo
Como uma pedra, junto do meu leito.

Preguejei furioso. Era execrável
Suportar esse hóspede importuno
Que me seguia como o miserável
Ladrão, ou como um pérfido gatuno.

E resolvi-me enfim. Certo, é custoso
Dizê-lo em alta voz e confessá-lo
Para livrar-me desse cão leproso
Havia um meio só: era matá-lo

Zunia a asa fúnebre dos ventos;
Ao longe o mar na solidão gemendo
Arrebentava em uivos e lamentos...
De instante em instante ia o tufão crescendo.

Chamei Veludo; ele seguia-me. Entanto
A fremente borrasca me arrancava
Dos frios ombros o revolto manto
E a chuva meus cabelos fustigava.

Despertei um barqueiro. Contra o vento,
Contra as ondas coléricas vogamos;
Dava-me força o torvo pensamento:
Peguei num remo - e com furor remamos

Veludo à proa olhava-me choroso
Como o cordeiro no final momento,
Embora! Era fatal! Era forçoso
Livrar-me enfim desse animal nojento.

No largo mar ergui-o nos meus braços
E arremessei-o às ondas de repente...
Ele moveu gemendo os membros lassos
Lutando contra a morte. Era pungente.

Voltei à terra - entrei em casa. O vento
Zunia sempre na amplidão profundo.
E pareceu-me ouvir o atroz lamento
De Veludo nas ondas moribundo.

Mas ao despir dos ombros meus o manto
Notei - oh grande dor! - haver perdido
Uma relíquia que eu prezava tanto!
Era um cordão de prata: - eu tinha-o unido

Contra o meu coração constantemente
E o conservava no maior recato
Pois minha mãe me dera essa corrente
E, suspenso à corrente, o seu retrato.

Certo caira além no mar profundo,
No eterno abismo que devora tudo;
E foi o cão, foi esse cão imundo
A causa do meu mal! Ah, se Veludo

Duas vidas tivera - duas vidas
Eu arrancaria àquela besta morta
E àquelas vís entranhas corrompidas.
Nisto sentí uivar à minha porta.

Corrí, - abrí... Era Veludo! Arfava:
Estendeu-se a meus pés, - e docemente
Deixou cair da boca que espumava
A medalha suspensa da corrente.

Fôra crível, oh Deus? - Ajoelhado
Junto do cão - estupefato, absorto,
Palpei-lhe o corpo: estava enregelado;
Sacudi-o, chamei-o! Estava morto.

quinta-feira, 22 de novembro de 2007

Cordel em Várzea Alegre



A VIOLA DE MUNDIM DO VALE

No post anterior noticiei a falta dos internautas do Cariri em MundoCordel, especialmente os de Juazeiro do Norte.

Pois no mesmo dia ocorreu de eu manter contato com meu amigo Ricardo Piau, natural de Várzea alegre, morando atualmente no Juazeiro de Meu Padim.


Pra quem não conhece, Várzea Alegre é um município localizado a 467 km de Fortaleza, com uma população de 34.844 habitantes em 2000 (fonte: wikipedia.org), muito amada pelas pessoas que nascem lá. Digo isso porque conheço vários varzealegrenses e todos vivem repetindo a frase: "Ô Várzea Alegre boa! Só é longe...". Em Fortaleza, vez por outra se vê um carro com essa frase no vidro traseiro.

Ricardo, que não vejo a anos, sempre tinha alguma história pra contar de sua terra, como aquela da cadeia que ficava na Rua da Liberdade. Tem também a história do cego da Boa Vista que morreu afogado na Lagoa Seca...

Bem, ontem Ricardo me deu a boa notícia de que seu irmão mais velho havia se tornado poeta, adotando o nome de "Mundim do Vale". Aproveitou para me enviar alguns trabalhos do poeta, um dos quais compartilho agora com os visitantes de MundoCordel:


A BANDEIRA DO SERTÃO

Toca viola guerreira
Nas mãos do teu cantador
Mostra ser a pioneira
Prova teu grande valor
Vais também para a cidade
Mostrar tua qualidade
De cultura resistente
Pede licença ao sertão
E vais mostrar perfeição
Tocando pra outra gente

Tocaste anos atrás
Com “Catulo e Aderaldo”
Hoje vens tocando mais
Com “Zé Maria e Geraldo”
És a boa companhia
Que ilustra a cantoria
De um repentista seguro
Tu que conservas a história
De um passado de glória
Olhas também teu futuro

Mostra que fizeste parte
Do folclore Brasileiro
Que seguiste o estandarte
De Antônio Conselheiro
Foste tu “ brava viola”
O caminho e a escola
Dos melhores cantadores
Conseguiste diplomar
Na cultura popular
Repentista de valores

Tocaste pra Lampião
E os seus “ Cabras-da peste “
Também pra Frei Damião
Santo frade do Nordeste
Tocaste a chuva molhando
E o sertanejo cantando
Alegre na plantação
Também tocaste o sol quente
Da cruel seca inclemente
Esturricando o sertão

Viola esse teu padrão
É de peça de estima
És o ponto de união
Entre o poeta e a rima
Teu toque lembra o romeiro
Com destino ao Juazeiro
Em seu grande objetivo
Tu lembras também teu dono
Que vive no abandono
Por falta de incentivo

Foste tu “ brava guerreira “
Que me deste inspiração
Também foste a primeira
Que tocou no meu sertão
É chegada a tua vez
De perder a timidez
Onde quer que tu estejas
Não esqueças tua fama
Que tu és “Primeira dama “
Das culturas sertanejas

O teu espaço negado
Foi pior do que tortura
Mas tu muito tens lutado
Com teu ato de bravura
Continua a batalhar
Que um dia há de chegar
O diploma do teu teste
Tu serás reconhecida
No resto da tua vida
Como um “Símbolo do Nordeste “

Não invejes a guitarra
Nas mãos de um metaleiro
Porque tu tens muita garra
Nas mãos do teu violeiro
Mostra que sabes tocar
Na cultura popular
Defendendo o teu torrão
Fazes sons aparecer
Que um dia tu hás de ser
A BANDEIRA DO SERTÃO.


quarta-feira, 21 de novembro de 2007

Saudação a Juazeiro do Norte



AOS INTERNAUTAS DE JUAZEIRO DO NORTE

Quase não acreditei! Dei uma olhada no Google Analytics e descobri que, desde que MundoCordel foi criado, em 19 de agosto de 2007, já recebeu mais de 3.200 visitas de 188 cidades do mundo inteiro, e nenhuma, mas nenhumazinha, de minha querida Juazeiro do Norte!

Peço, então, a algum internauta da região caririense que transite por este blog, ou que conheça alguém de lá, que faça chegar àquela terra onde morei tão pouco tempo, mas que me recebeu tão bem, a notícia de que existe um mundo onde se fala de cordel, de xilogravura, da Lira Nordestina e de tantas outras coisas belas que fazem o Mundo Cordel.

Na esperança de que logo os internautas caririenses estejam circulando por aqui, tomo emprestados os versos de Patativa do Assaré para fazer uma:

SAUDAÇÃO AO JUAZEIRO DO NORTE

Mesmo sem eu ter estudo
Sem ter do colégio obafejo
Juazeiro, eu te saúdo
Com meu verso sertanejo.
Cidade de grande sorte,
De Juazeiro do Norte
Tens a denominação,
Mas tem nome verdadeiro
Será sempre Juazeiro
De Padre Cícero Romão.

O Padre Cícero Romão
Que, por vocação celeste,
Foi, com direito e razão,
O Apóstolo do Nordeste.
Foi ele o teu protetor
Trabalhou com grande amor,
Lutando sempre de pé
Quando vigário daqui
Ele semeou em ti
A sementeira da fé.

E com milagre estupendo
A sementeira nasceu,
Foi crescendo, foi cerscendo,
Muito ao longe se estendeu
Com a virtude regada
Foi mais tarde transformada
Em árvore frondosa e rica.
E com a luz medianeira
Inda hoje a sementeira
Cresce, flora e frutifica.

Juazeiro, Juazeiro,
Jamais a adversidade
Extinguirá o luzeiro
De tua comunidade.
Morreu o teu protetor,
Porém a crença no amor
Vive e cada coração
E é com razão que me expresso
Tu deves o teu progresso
Ao Padre Cícero Romão.

Aquele ministro amado
Que tanto favor nos fez,
Conselheiro consagrado
E o doutor do camponês,
Contradizer não podemos
E jamais descobriremos
O prodígio que ele tinha.
Segundo a popular crença,
Curava qualquer doença,
Com malva branca e jarrinha.

Juazeiro, Juazeiro,
Tua vida e tua história
Para o teu povo romeiro
Merece um padrão de glória.
De alegria tu palpitas,
Ao receber as visitas
De longe, de muito além.
Grande glória tu viveste!
Do nosso caro Nordeste
Tu és a Jerusalém.

Sempre me lembro e relembro,
Não hei de me deslembrar:
O dia 2 de novembro,
Tua festa espetacular,
Pois vêm de muitos Estados
Os carros superlotados
Conduzindo passageiros
E jamais será feliz
Aquele que contradiz
A devoção dos romeiros.

No lugar onde se achar
Um fervoroso romeiro,
Ai daquele que falar
Contra ou mal, do Juazeiro.
Pois entre os devotos crentes,
Velhos, moços, inocentes,
A piedade é comum,
Porque o santo reverendo
Se encontra ainda vivendo
No peito de cada um.

Tu, Juazeiro, és o abrigo
Da devoção e da piedade.
Eu te louvo e te bendigo
Por tua felicidade,
Me sinto bem, quando vejo
Que tu és do sertanejo
A cidade predileta.
Por tudo quanto tu tens
Recebe estes parabéns
Do coração de um poeta.

terça-feira, 20 de novembro de 2007

Cordel de Antonio Francisco



O QUE FALTA NA HUMANIDADE


Semana passada MundoCordel recebeu pedido da poesia "Aquela dose de amor", de Antonio Francisco. Trata-se, realmente, de obra que dá gosto de se ler. E nesses tempos de conscientização em favor da ecologia, é oportuna a reflexão para a responsabilidade do ser humano pelas dificuldades pelas quais o planeta está passando. Fiquemos com a poesia de Antonio Francisco (para ler mais sobre Antonio Francisco neste blog, clique aqui):


AQUELA DOSE DE AMOR
(do livro
DEZ CORDÉIS NUM CORDEL SÓ, Ed. Queima-Bucha, Mossoró, 2006)
Antonio Francisco

Um certo dia eu estava
Ao redor da minha aldeia
Atirando nas rolinhas,
Caçando rastros na areia,
Atrás de me divertir
Brincando com a vida alheia.

Eu andava mais na sombra
Devido ao sol muito quente,
Quando vi uma juriti
Bebendo numa vertente.
Atirei, ela voou.
Mas foi cair lá na frente.

Carreguei a espingarda,
Saí olhando pro chão,
Procurando a juriti
Nos troncos do algodão,
Quando surgiu um velhinho
Com um taco de pão na mão.

O velho disse: - “Senhor,
Não quero lhe ofender,
Mas se está com tanta fome
E não tem o que comer,
Mate a fome com este pão,
Deixe este pássaro viver.”

Eu disse: - Muito obrigado,
Pode guardar o seu pão...
Eu gasto mais do que isso
Com a minha munição.
Eu mato só por prazer,
Eu caço por diversão.

O velho disse: -“É normal
Esse orgulho do senhor
E todo esse egoísmo
Que tem no interior.
É porque falta no peito
Aquela dose de amor.

Se eu tivesse botado
Ela no seu coração,
Você jamais mataria
Um pardal sem precisão,
Nem dava um tiro num pato
Apenas por diversão.”

Eu fiquei muito confuso
Com as frases do ancião.
Aquelas suas palavras
Tocaram meu coração
Derrubando meu orgulho
E a vaidade no chão.

Me vali da humildade
E disse: - Perdão, senhor,
Desculpe a minha arrogância,
Mas lhe peço um favor,
Que me conte essa história
Sobre essa dose de amor.

O velho disse: - “Pois não.
Vou explicar ao senhor
Porque mesmo sem querer
Sou o maior causador
De hoje em dia o ser humano
Ser tão carente de amor.

Isso tudo aconteceu
Há muitos séculos atrás
Quando meu Pai fez o mundo
Terra, mares, vegetais.
Me pediu pra lhe ajudar
No último dos animais.

Pai me disse: - ‘Filho, eu fiz
Da formiga ao pelicano;
Botei veneno na cobra,
Bico grande no tucano,
Agora estou terminando
Este animal ser humano.

Mas ficou meio sem graça
Este animal predador...
O couro não deu pra nada,
A carne não tem sabor,
Na cabeça tem juízo,
Mas, no peito, pouco amor.

Por isso que eu lhe chamei
Pra você lhe consertar,
Botar mais amor no peito,
Lhe ensinar a amar
E tirar dessa cabeça
O desejo de matar’.

Depois disse: - ‘Filho, vá
Amanhã lá no quintal,
No casa dos sentimentos,
Perto do pote do mal...
Traga a dose de amor
E bote nesse animal’.

De manhã eu fui buscar
Aquela dose sozinho,
Mas na volta me entreti
Brincando com um passarinho
Perdi a dose do amor
Numa curva do caminho.

Quando eu notei que perdi,
Voltei correndo pra trás,
Procurei em todo canto,
Mas cadê eu achar mais.
Aí eu fiz a loucura
Que toda criança faz.

Voltei, peguei outra dose
Igualzinha a do amor,
O vidro da mesma altura,
O rótulo da mesma cor...
Cheguei em casa e botei
No peito do predador.

Mas logo no outro dia
Meu pai sem querer deu fé
Do animal ser humano
Chutando o sapo com o pé
E no outro ele mangando
Dos olhos do caboré.

Vendo aquilo pai chorou,
Ficou triste, passou mal,
Me chamou e disse: - ‘Filho,
O bicho não tá normal.
O que foi que você fez
No peito desse animal?’

Quando eu contei a verdade
De tudo aquilo que eu fiz
Pai disse tremendo a voz:
- ‘Eu sei que você não quis,
Mas você botou foi ódio
No peito desse infeliz.

Esse bicho inteligente
Com esse ódio profundo,
Com pouco amor nesse peito
Não vai parar um segundo
Enquanto não destruir
A última célula do mundo.

Depois daquelas palavras,
Chorei como um santo chora.
Quando foi à meia-noite
Eu saí de porta afora
E nunca mais eu pisei
Na casa que meu pai mora.

Daquele dia pra cá
É esta a minha pisada,
Procurando aquela dose
Em todo canto da estrada,
Pois, sem ela, o ser humano
Pra meu pai não vale nada.

Sem ela, vocês humanos
Não sabem dar sem pedir,
Viver sem hipocrisia,
Ficar por trás sem trair
Nem distante do poder
Nem discursar sem mentir.

Sem ela, vocês trucidam
E batizam os crimes seus.
Na era medieval
Queimaram bruxas e ateus
E perseguiram os hereges
Usando o nome de Deus.

Sem ela, foram pra África
E fizeram a escravidão...
Com os grilhões do preconceito
Escravizaram o irmão
Com a espada na cintura
E uma bíblia na mão’.

O velho disse: - “Perdoe
Ter tomado o tempo seu.
Consertar vocês, humanos,
É um problema só meu.”
Aí o velho sumiu
Do jeito que apareceu.

E eu fiquei ali em pé
Coçando o queixo com a mão,
Pensando se era verdade
As frases do ancião
Ou se era tudo fruto
Da minha imaginação.

E naquele mesmo instante
Vi passando na estrada
A juriti que eu chumbei
Com uma asa quebrada,
Mas não tive mais coragem
De atirar na coitada.

Joguei fora a espingarda,
Voltei olhando pro chão
Procurando aquela dose
Nos troncos do algodão
Pra guardá-la com carinho
Dentro do meu coração.

Se acaso algum de vocês
Tiver a felicidade
De encontrar aquela dose,
Eu peço por caridade
Derrame todo o sabor
Daquela dose de amor
No peito da humanidade.

terça-feira, 13 de novembro de 2007

Minha poesia e o violão de Nonato Luiz



ENCONTRO DA MÚSICA COM A POESIA

Era um sábado à tarde – e isso já faz quase um ano – quando eu estava na casa do amigo Samuel Facó, advogado em Fortaleza, e comentei com o compositor e violonista Nonato Luiz, nosso amigo em comum, sobre a intenção de gravar meus cordéis em um CD, especialmente para as pessoas que não sabem ler a poesia em seu ritmo característico.

Nonato imediatamente pôs à disposição suas músicas, para funcionarem como cenário das declamações, e fez a sugestão, que para mim foi um comando: “A poesia OS CINCO SENTIDOS você vai declamar ao som de RUBI GRENÁ”.




Depois disso, “letrei” uma música de Nonato, e fico todo orgulhoso quando ele me chama de “parceiro”. Afinal, Nonato Luiz é “um dos instrumentistas brasileiros mais respeitados no circuito europeu, onde vem desenvolvendo, ao longo dos anos, inúmeros concertos em violão, elogiados pela crítica especializada. Suas músicas já foram gravadas por violonistas de todo o mundo (Brasil, Tchecoslováquia, Estados Unidos, Inglaterra, China, Argentina, Alemanha, Áustria, França etc.). É um dos privilegiados brasileiros a lançar na Europa um livro reunindo as partituras de suas composições entitulado 'Suíte Sexta em Ré Para Guitarrra', editado pela Henry Lemoine, em Paris-França”, conforme registra seu site.

Bem, o CD ainda não saiu, mas o encontro de OS CINCO SENTIDOS com RUBI GRENÁ eu fiz no clipe acima.

Segue o texto da poesia:

OS CINCO SENTIDOS
(para Natália Guberev)

Com os meus cinco sentidos
Percebo a natureza.
Boca, olhos e ouvidos,
Pele e nariz na certeza
De captar o sabor
A beleza, o odor,
A textura, a melodia
Das coisas que a cada dia
Eu encontro em minha vida,
E da mulher tão querida,
Que me enche de alegria.

O PALADAR
Existem muitos sabores
Pra agradar o paladar:
Bebidas finas, licores,
Vinho tinto e caviar.
Mas nada tem o sabor
Dos beijos do meu amor,
Quando vem e me abraça.
Com os braços me enlaça,
Encosta seu corpo ao meu,
E eu pergunto: quem sou eu
Pra merecer essa graça?

A VISÃO
Fazendo a comparação
De onde há mais beleza.
Na água, no ar, no chão,
Em toda a natureza,
Nunca vi coisa tão bela
Como o sorriso dela,
Da minha doce amada.
Ela vem tão delicada,
E fala ao meu ouvido:
És meu príncipe querido,
Eu quero ser tua fada.

A AUDIÇÃO
A música nos alcança
Por meio da audição.
Pelos ouvidos avança,
Pra chegar ao coração.
Mas, o som que mais me agrada
É a voz da minha amada,
Quando fala ao meu ouvido.
Cada sussurro ou gemido,
Cada agudo e cada grave
É uma nota suave
Me deixando embevecido.

O TATO
O tato é que nos revela,
Na escuridão mais escura,
Do veludo e da flanela,
A maciez e a textura.
Mas não há tecido ou fio
Que possa ser mais macio
Que a pele da minha amada.
Fica comigo abraçada,
Se transforma em cobertor,
E o frio vira calor
No meio da madrugada.

O OLFATO
Num jardim com muitas flores,
É grande a diversidade
De essências e odores
De toda variedade.
Mas não existe uma flor
Com o cheiro do meu amor,
Quando vem pra minha cama.
Vem falando que me ama,
E me diz suavemente:
Tu és a centelha quente
Que acende a minha chama.

segunda-feira, 12 de novembro de 2007

Cordel e atualidades: as prisões


QUEM ESTÁ DENTRO E QUEM ESTÁ FORA DAS PRISÕES?

Perguntei ao poeta Marcos Mairton, autor deste blog, se ele me faria versos falando sobre as prisões brasileiras. Ele pediu um tempo para pensar, e no dia seguinte me enviou um e-mail com os versos abaixo:

No jornal vi a notícia
Que não chega a ser surpresa:
“Muita gente que está presa
Não dá sossego à polícia”.
Com engenho e com malícia
E com muita ousadia
Os bandidos, quem diria,
Dão golpe por telefone.
Acho que nem Al Capone
Esperava isso um dia.

Traficantes poderosos
Também dão continuidade
À sua atividade
Seus negócios criminosos.
Auxiliares ciosos
Vão cumprindo as missões
Que recebem dos chefões
Que estão dentro dos presídios
Seqüestros e homicídios
São suas ocupações.

Já o cidadão de bem
Esse vive assustado,
Na sua casa trancado,
E até no carro, quem tem,
Ali se tranca também,
Levanta o vidro e então
Segue com o coração
Batendo muito ligeiro,
É assim o carcereiro
Da sua própria prisão.

Cercas eletrificadas
Se estendem sobre os muros
Que já não deixam seguros
Seus lares, suas moradas.
Janelas bem gradeadas,
Também não dão segurança.
Vai morrendo a esperança
De em nossa sociedade,
Reinar a tranqüilidade
De quando eu era criança.

Vendo isso acontecer
Reflito sobre o problema:
Por que o nosso sistema,
De punir e de prender
Não consegue resolver
A questão da violência?
Será só incompetência
Dos governos da nação?
Ou existe outra razão
E nós não temos ciência?

Eu sei que essa questão
Envolve outros fatores
Que também são causadores
Do problema em discussão.
Desemprego, educação,
Ou melhor, a falta dela,
Abandono da favela
Ao poder dos traficantes,
São fatores importantes
Para por em nossa tela.

Compondo esse cenário
Se destacam as prisões.
Lotadas, sem condições,
Seu estado é bem precário.
Nelas o presidiário,
Em vez de se arrepender,
E nunca mais cometer
O ato que o condenou,
Sai pior do que entrou
Do crime passa a viver.

Não precisa ser doutor
Pra saber dessa verdade,
Quem diz, na realidade,
É o próprio infrator.
O Pedrinho Matador,
Que já matou mais de cem
Certa vez disse a alguém,
Com muita convicção:
“A cadeia, meu irmão,
não recupera ninguém”.

quarta-feira, 7 de novembro de 2007

Cordel e Xilogravura


XILOGRAVURA NA LITERATURA DE CORDEL

Uma das muitas coisas boas que pude encontrar na Feira do Livro de Mossoró foi o livro XILOGRAVURA POPULAR NA LITERATURA DE CORDEL, de Jeová Franklin, em comemoração aos 100 anos da xilogravura popular na literatura de cordel, editado pela LGE Editora.

Apresentando obras dos principais xilogravadores nordestinos, o livro traz ainda um DICIONÁRIO ONOMÁSTICO DE XILOGRAVADORES POPULARES DO NORDESTE.

Segue um trecho do livro:

A gravura popular utilizada na literatura de Cordel apareceu no Nordeste em 1907, sem festas e completou o primeiro centenário, quase 200 anos depois da chegada da imprensa ao Brasil. A primeira xilogravura apareceu no folheto de Francisco das Chagas Baptista em setembro de 1907. Foi editado na Imprensa Industrial instalada na Rua Visconde de Itaparica, números 49 e 51 no Recife.

Na página interna onde era impressa a xilogravura, não havia título e nenhum tipo de apresentação, apenas a legenda pura e simples com o nome Antonio Silvino. Um homem vestido de chapéu de couro, com bacamarte na mão e espada na cintura, mais parecido com o tipo europeu.

Ao imprimir o enredo poético de 48 páginas, sem outros anexos, o folheto trazia na capa o nome do autor, o título em horizontal e abaixo dele o seguinte aviso: A história de Antonio Silvino, contendo o retrato e toda a vida de crimes do célebre cangaceiro, desde o seu primeiro crime até a data presente – Setembro de 1907.

Tanto os folhetos com xilogravura ou sem xilogravura fazem parte dos primeiros enredos datados e arquivados no Brasil. Os poetas pioneiros em poesia popular, Antonio Pirauá de Lima, Francisco das Chagas Baptista e Leandro Gomes de Barros, não deixaram cópias escritas dos poemas populares editados no final do século XVIII.

A Fundação Casa de Rui Barbosa mantém na Literatura popular em versos o folheto produzido por Chagas Baptista em 1904, com o nome a Vida de Antonio Silvino, editado pela Imprensa Industrial. Nele está o enredo impresso em oito páginas, acrescido dos poemas Anatomia do Homem e mais as poesias Chromo (para Hortência Ribeiro) e Amor Materno (à minha mãe), com 16 páginas.

Em 1908, Chagas Baptista lançou em Recife A História de Antonio Silvino (novos crimes) “Contendo todas as façanhas do célebre quadrilheiro desde setembro de 1907 até junho de 1908” e depois A morte de Cocada e a prisão de suas orelhas e a política de Antonio Silvino.

A partir de 1911, Chagas Baptista passou a editar o cordel na Paraíba. O primeiro com o título Novas Lutas de Antonio Silvino, editado pela Livraria Gonçalves Penna localizada na rua Maciel Pinheiro, na cidade hoje chamada de João Pessoa. Neste, o enredo impresso em 16 páginas prometia continuar na Segunda Luta de Antonio Silvino com uma onça. Na segunda página vinha a gravura de Antonio Silvino com traços esmaecidos como se fosse produto da passagem da gravura original por diferente processo de produção.

Com as gravuras sempre na segunda página, as histórias de Chagas Baptista prosseguiam. Em 1912 com a imagem mais deformada. No ano de 1925, também em página interna, a mesma figura de Antonio Silvino passou a ilustrar a História Completa de Lampião só que desta vez traçada em nova xilogravura com pequena e gorda imagem, mais parecido com o homem nordestino. Ela está impregnada de forte tinta no alto relevo de matizes de madeira, que viriam a se transformar em prática atual dos xilogravadores populares.

Nos folhetos de Chagas Baptista as gravuras só vieram para a capa a partir de 1925, quando Chagas aderiu à zincografia (matizes metálicas) nos livretos Conselhos do Padre Cícero a Lampião e O marco de Lampião.