sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

Cordel em Prosa II




A HISTÓRIA DE ZÉ LUANDO,
O HOMEM QUE VIROU MULHER
Marcos Mairton


Parte II
(para ver a Parte I, clique aqui)


O tempo ia passando, e o Zé daquele jeito. Com nada se agradava, já não falava direito, até que, um certo dia, ele disse pra Maria:




– Não estou nada satisfeito. Desde o dia em que você disse pra mim que estava com a barriga crescendo, pois um filho carregava, passei a imaginar, e até desconfiar, que você me enganava. Eu me casei com você por eu ter acreditado que do homossexualismo Deus havia me curado. E você vê como eu tento, mas o nosso casamento ainda não foi consumado. Já falei com o pastor, que me disse pra ter fé. Mas preciso que você me explique como é que esse menino nasceu. Pois, se ele não é meu, quem é o pai, Salomé?



Nessa hora, Salomé não teve como se opor à pergunta do marido, e disse:


– Seja o que for que agora você faça, já está feita a desgraça. Esse filho é do pastor!


Zé Luando, nessa hora, sofreu uma transformação. Rasgou a roupa que usava, ajoelhou-se no chão, levantou-se de um salto, deu um grito – um grito alto – ficou virado no cão. Jogou Maria na cama, arrancou-lhe o vestido, deu meia dúzia de tapas, na cara e no “pé-do-ouvido”, dizendo:


– Sua desgraçada! Você estava combinada com aquele cabra atrevido!


Você se casou comigo para esconder seu pecado. Era amante do pastor e dele tinha emprenhado. Casou só pra esconder que um filho ia ter daquele cabra safado!


Depois disso, não se sabe direito o que aconteceu. Se Luando desmaiou ou se ele adormeceu, mas, de cima de Maria, só saiu no outro dia, depois que amanheceu. Depois de se levantar, disse:


– Tenho que partir. Vou só botar uma roupa e em seguida vou sair.


Maria não entendeu quando ele escolheu um vestido pra vestir. Vestiu-se com a roupa dela, usou sua maquiagem, passou creme no cabelo, numa espécie de massagem, despediu-se de Maria. Disse que não voltaria e foi-se sem levar bagagem.


Maria ficou olhando enquanto Zé ia embora. Vestido com sua roupa, saiu pela rua afora. Então disse, bem baixinho:


– Deus clareie o caminho que você tomou agora.


Dizem que no mesmo dia Zé deixou sua cidade. Partiu para Fortaleza em busca da liberdade de viver como mulher, sem ninguém por a colher em sua sexualidade.


Mais uma vez a história poderia terminar. Começando outra vida, morando em outro lugar, selava-se o destino do Zé, que nasceu menino, para mulher se tornar. Mas, como já disse antes, nada disso eu invento. Apenas conto o que chega até meu conhecimento. É por isso que prossigo, pedindo ao leitor amigo que permaneça atento.


Cinco anos se passaram desde que aconteceu de Luando ir embora da cidade onde nasceu. O povo ainda comentava, às vezes se perguntava, se era vivo ou se morreu. Enquanto isso, Luando arranjou em Fortaleza emprego de manicure em um salão de beleza. Só andava maquiado, com o cabelo arrumado, parecia uma princesa. Ali, ninguém lhe chamava por seu nome original. Luzinete foi o nome que adotou na capital. Tinha até um namorado, servidor aposentado da Receita Federal.


Mas, apesar dessa vida que ele agora levava, uma parte do seu corpo ainda lhe incomodava. Pensava, então, consigo:


– Pra ser mulher, meu amigo, se pudesse, eu lhe cortava.


Comentava com as amigas que já guardava dinheiro, pois mesmo que precisasse viajar para o estrangeiro, um dia ainda faria a sonhada cirurgia pra ser mulher por inteiro. Acabou achando um médico pra fazer a cirurgia. Cortou de onde sobrava, fez furo onde não havia, com o serviço terminado, disse que foi transformado em mulher naquele dia.


O que ele não sabia, nem podia imaginar, era que o seu destino novamente ia mudar. O que houve, na sequência, até hoje a ciência não conseguiu explicar.


Depois de passar um tempo curtindo o resultado da sonhada operação que tinha realizado, Luzinete percebeu que em seguida aconteceu um fato inesperado. Pois se deu que Luzinete, que um dia foi Luando, do antigo namorado foi aos poucos desgostando. Ao invés de se entenderem e de em paz conviverem, estavam sempre brigando. Até que não deu mais certo e o namoro acabou. E Luzinete gostou quando tudo terminou. Alguns dias mais à frente, com a sua confidente, Luzinete comentou:


– Não sei o que aconteceu depois da operação. Eu fiquei toda feliz com minha transformação. Mas, depois que eu me virei em mulher, eu abusei a homem. Quero mais não! Você pode até achar que isso não faz sentido. Que meu juízo era pouco e agora está perdido, mas, comigo, até parece que quase tudo acontece ao contrário ou invertido. De uns dias para cá, o que me deu foi vontade de em algum feriado ir ver a minha cidade. Do jeito que estou agora, ando por lá e venho embora ocultando a identidade.


A amiga lhe falou que não fosse tão ousada. Que talvez essa viagem fosse muito arriscada. Se fosse reconhecida, bagunçava sua vida que estava tão arrumada.


Aconselhar Luzinete de nada adiantava. Quando queria uma coisa, ninguém mais lhe segurava. Em uma sexta imprensada, Luzinete, na estrada, pelo sertão viajava. Guiando seu automóvel, foi entrando na cidade e foi logo percebendo que estava com saudade do lugar onde nasceu, e também onde viveu um trecho da mocidade. Percorreu algumas ruas e parou para descansar na praça em frente à igreja, onde pôde observar as pessoas que passavam e ali se acomodavam ficando a conversar. Lembrou de tempos atrás, quando também lá esteve, e dos momentos felizes que ali um dia teve. Tomada de emoção, pôs a mão no coração, de chorar não se conteve.


Estava assim Luzinete, curtindo sua nostalgia, quando viu que ali chegava uma mulher, que sorria brincando com um menino. Então pensou:


– Mas que destino! Aquela não é Maria?


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