VOA, PAVÃO MISTERIOSO!
Semana passada repliquei aqui postagem do blog ACORDA CORDEL, do meu amigo ARIEVALDO VIANA, sobre a adoção da Literatura de Cordel como enredo da Escola de Samba Salgueiro para o carnaval 2012.
Na postagem, Arievaldo expõe sua satisfação, por ver o cordel ocupando mais espaço na mídia, mas também sua preocupação com os efeitos negativos que essa difusão em larga escala pode ter sobre a própria Literatura de Cordel.
O tema tem dado muito o que falar, gerando comentários de nomes de peso, como Marco Haurélio, Gilmar de Carvalho, Pedro Monteiro, Pedro Paulo Paulino e Rosário Pinto. Eu também dei meus pitacos, pois não sou de ficar em cima do muro.
Como acredito na importância do debate para a Literatura de Cordel, transcrevo, abaixo, as opiniões já manifestadas aqui neste Mundo Cordel e lá no ACORDA CORDEL também, para que o leitor vá formando a sua própria opinião.
COMENTÁRIO DE ROSÁRIO PINTO EM MUNDO CORDEL:
Concordo com o Lobisomem: o fato de uma agremiação de escola de samba, do Rio de Janeiro, escolher com temática a literatura de cordel, é fato ÚNICO. Isto é motivo para comemoração e não para censuras. A literatura de cordel está em seu apogeu, o que faz com que possa ser apropriada por outras corretes da cultura popular e, se foi de forma espontânea, mais enriquecedor para a comunidaade de poetas de corderl. Afinal, a literatura de cordel chega ao palco universal da Marques de Sapucaí. Ao invés de ficármos nos colocando numa posição defensiva, devemos procurar subsidiar, para que o expetáculo fique ainda melhor e mais brilhante.
A verdadeira arte só é arte, quando pode ser referencial para todos, de todas as camadas sociais, raças, profissões e feitios. Não é à toa que que até os dias atuais os grandes escritores permanecem vivos e atuais e, nos tocam, nos referenciam e dizem de nossas emoções e vivências... O momento é de conquista, não de derrota. Se o samba não obedece os critérios de composição poética, não precisa - afinal, é samba-ennredo, com a temática da literatura de cordel, não ela própria. Vamos deixar o cordel embarcar nessa viagem misteriosa da Marques de Sapucai. Vamos deixá-lo voar e conquistar novos ares e novos terrenos... Quem sabe, daí sará o interesse formador de novos poetas que possam manter viva essa cultura literária que vem lá de idos tempos - passando de geração em geração e mantendo-se bela, homogenea e transcendente.
Beijos, amigos e confrades,
RESPOSTA DE MARCOS MAIRTON
Rosário,
esse é um assunto polêmico mesmo.
Já dei uma olhada nos comentários postados no blog do Arievaldo (Acorda Cordel) e vi que há manifestações diversas, inclusive a sua.
Em princípio, fico animado em ver que o cordel está conquistando tanto espaço, mas também tenho minhas preocupações.
Temo que aconteça ao cordel o que aconteceu com o forró, o qual está altamente difundido, mas já quase ninguém lembra o que ele é.
Por isso acho que, diante desse crescimento do cordel, está na hora de as pessoas interessadas na verdadeira Literatura de Cordel tomarem a iniciativa de realizar eventos, debates, seminários, programas de televisão.
Talvez o ideal fosse a ABLC puxar o cordão, mas, não conheço internamente a entidade, para avaliar se ela teria força para isso.
De qualquer forma, penso que qualquer movimento que se inicie nesse sentido sempre correrá o risco de sofrer com: a) a oposição de quem está satisfeito com a situação atual; e b) a infiltração de gente imediatista, que vai ver apenas alguma forma de ganhar algum dinheiro.
De qualquer maneira, acho que ficar parado é muito pior.
Acho que aqueles que se dedicam à Literatura de Cordel devem achar um jeito de ir às escolas, às universidades e à TV, trabalhando no sentido de que a Literatura de Cordel cresça, mas não desapareça, engolida (ou desfigurada) pela sua própria massificação.
RESPOSTA DE ROSÁRIO PINTO
Mairton,
Partilho de suas preocupações, mas devemos pensar que temos poetas e pesquisadores suficientes para dar suporte a essas iniciativas. Já participei de muitas entrevistas em que procuro levar a fisionomia da literatura de cordel, com informações precisas e seguras. A ABLC e seu colegiado participam, com frequencia de documetários, entrevistas e outros eventos, sempre levando o debate para a mídia com informações abalizadas.
Ano passado a ABLC em parceiria com o CNFCP realizou o II Encontro de Poetas Populares e Rodas de Cantoria;
Apresentamos ao IPHAN, o pedido de Registro da literatura de cordel como Bem de Patrimônio Imaterial, que foi aceito. A próxima etapa será o preenchimento dos formulários e o levantamento das pesquisas para andar com o projeto. Nossa expectativa, na pesquisa, é a de ouvir, ouvir e ouvir os poetas e instituições de litetatura de cordel, nos principais estados de sua manifestação. A preocupação é também esta - a de não permitir desfiguração dessa forma de expressão popular, que atravessa séculos, pelo canal da oralidade, passando de geração em geração; acompanhando as tecnologias modernas, mas mantendo seus registros que, no Brasil, assumiu fisionomia própria.
E, penso que as escolas de samba são muito criteriosas, afinal, os desfiles e sambas-enredos, na Marques de Sapucai, tem o objetivo de conquistar prêmios. Existe gente muito séria envolvida nas pesquisas e a ABLC e o CNFCP estão disponiblizando seus acervos para consultas.
Precisamos deixar nosso PAVÃO MISTERIOSO VOAR! VOAR! VOAR!!!!
RESPOSTA DE MARCOS MAIRTON
Suas palavras são alentadoras, Rosário. Acho que estamos em sintonia.
Por aqui, vamos tentando ajudar em alguma coisa também. Afinal, é grande quantidade de sites e blogs relacionados à Literatura de Cordel, o que nos dá a responsabilidade de ajudar a cuidar dela.
Não posso encerrar sem manifestar meu reconhecimento a iniciativas como a das cirandas de cordel, promovidas por você e pela Dalinha, as quais, ao meu ver, fortalecem os laços entre os poetas e facilitam a comunicação entre eles.
Que o nosso PAVÃO MISTERIOSO voe, voe, voe!
Abraço!
Enquanto isso, no ACORDA CORDEL...
COMENTÁRIO DE MARCO HAURÉLIO:
É um caminho sem volta. Mas fico preocupado com a forma como o cordel é tratado. Se algum poeta foi chamado para dar consultoria, deve ser algum discípulo de Cuíca, pois mistura alhos e bugalhos, poesia matuta e cordel e, aqui e ali, derrapa feio na métrica.
Vale mais uma vez expor um trecho do livro Autores de Cordel, de Marlyse Meyer:
"De modo geral, os poetas procuram se informar de tudo. Leem, quando podem, e tentam possuir uma pequena biblioteca. É o caso de Manoel Camilo, possuidor de uma estante cheia de livros. É também característica do poeta popular uma verdadeira obsessão pelo aprimoramento da linguagem. Justamente por isto, não podem ser confundidos com os chamados poetas matutos, os quais deformam de propósito o idioma, com o intuito de recriar a linguagem do homem do campo, que acreditam errada."
MANIFESTAÇÃO DE GILMAR DE CARVALHO, POSTADA POR ARIEVALDO:
Por e-mail, o professor Gilmar de Carvalho, estudioso da cultura popular nordestina, mandou-me esse comentário:
Prezado Arievaldo,
vamos começar pelo final: você tem razão, não podemos falar do que vai acontecer (Salgueiro, cordel, carnaval de 2012). Mas podemos falar do que está acontecendo agora.
Não vejo valorização do cordel. A telenovela que está no ar ("Cordel Encantado"), apesar de todos os cuidados de gaurda-roupa, cenografia, e do recurso à xilogravura na abertura, não tem muito a ver com o cordel. Seria melhor talvez intitulá-la de "Folhetim Encantado". Ela passa longe do encantamento produzido pelo cordel e insiste em todos os estereótipos que tanto abominamos.
A começar pelo sotaque "meio pernambucano / meio paraibano", como se fosse um a pizza encomendada para entrega em casa ("delivery"). O cordel é poesia da voz, ainda que impressa.
A telenovela quer impressionar pelo visual. Trata-se da mesma espetacularização pela qual passaram as quadrilhas juninas, os bois (Parintins), as festas de peão de boiadeiro (Barretos).
Muita cor, muito brilho e muita alegoria. Só isso. No caso da telenovela, uma luz irrepreensível, câmeras bem posicionadas, e uma edição de luxo. Um acabamento de primeira para disfarçar uma falta de consistência.
Na xilogravura da abertura, por exemplo, optou-se pela estilização, mais próxima da
utilizada pela publicidade: figuras soltas, recortadas, que não têm a ver com a incisão
na madeira, a perícia do corte e o esforço para se obter a expressão que é sofrida. Optou-se pelo pasteurizado, pelo Nordeste mais falso (ou fake).
Resumo da ópera: o cordel ainda espera por uma revisita que o atualize, que faça com que ele dialogue com a contemporaneidade. Para fazermos uma citação nostálgica: o cordel precisa ser lido como foi (com competência e sensibilidade) o auto "Morte e Vida Severina", do João Cabral de Melo Neto. Esta telenovela que está no ar parece mais uma diluição do universo de Ariano Suassuna, feita por que nunca leu cordel e pensa que o Nordeste é uma sucessão de clichês.
Ainda não foi desta vez.
Gilmar de Carvalho
COMENTÁRIO DE PEDRO MONTEIRO:
O CORDEL tem seu espaço
Com todo o merecimento.
É poesia alinhavada
No crivo do pensamento,
Faz movimento constante,
É estrela cintilante
No alto do firmamento.
COMENTÁRIO DE PEDRO PAULO PAULINO:
Sempre que o Sudeste se interessa pela arte que se faz no Nordeste, eu fico com a pulga na orelha: ou é por comiseração ou deturpação. Está escancarada essa verdade: a novela Cordel Encantado, de cordel só tem o nome. O modismo em torno do assunto é o mesmo que se produz em torno de tudo o que a Rede Globo mete goela abaixo no mau gosto popular. Tenho receios de que tantos paparicos com a Literatura de Cordel só contribuam para banalizar essa arte, mais do que já fizeram até agora os próprios pseudos cordelistas. Assim aconteceu com a própria MPB e uma de suas vertentes, o nosso forró. O que há hoje, em suma, é o cordel industrializado e manipulado a torto a direito em todos os quadrantes. Nunca se viu uma safra tão abundante de poetas populares, como agora. Eu mesmo não vejo nisso nada de promissor, perdoem-me o pessimismo. Grande parte dos "cordelistas" mete a mão na massa sem o menor escrúpulo, resultando quase sempre num produto final de péssima qualidade, pois não é todo dia que nasce um Zé Pacheco ou um Leandro Gomes de Barros. A Arte, no geral, não é respeitada no Brasil. Que o diga a Academia Brasileira de Letras, que acaba de outorgar a Medalha Machado de Assis a não sei quem jogador de bola.
Eu e Rosário postamos nossos comentários feitos neste Mundo Cordel também no Acorda Cordel, mas acho que não é o caso de repetir aqui.
Bem, quem quiser acrescentar mais alguma coisa, o espaço está à disposição.
Por enquanto, fecho esta longa postagem inspirando-me no otimismo de Rosário Pinto, que já demonstrou que quer mesmo é ver nosso Pavão Misterioso voar. Então:
- Voa, Pavão Misterioso!!!