quarta-feira, 23 de maio de 2012

Crônica de João Eudes Costa



SENHOR... O SERTÃO ESTÁ MORRENDO
João Eudes Costa


O sertão está em desespero, com o sol abafadiço queimando, sob nosso olhar tristonho, as esperanças depositadas nas plantações, que também tombam estorricadas pelo hálito morno da terra que se arde em febre.


Senhor, por que tanto sofrimento? Por que sofremos tamanho castigo? Se O ofendemos com tanta veemência, se nossos pecados foram tamanhos, mostra-nos, de uma vez, o caminho certo a seguir, pois jamais tivemos o propósito de O ofender tanto. Estamos aflitos porque não queremos perder a fé, que nos faz resistir a todos os percalços. A confiança em sua proteção transforma nossa fragilidade em intransponível muralha de pedra. Não queremos, pois, perder nossa única fonte de esperanças. Não nos deixe Senhor. Aceitamos a reprimenda pelas nossas faltas, mas não temos forças para resistir ao vazio de Seu abandono.


Nossas plantações, SENHOR, estão morrendo. Nossos açudes secos, e os animais caminham inquietos nos campos sem forragem, com fome e com sede. Nosso trabalho, nossos esforços, nossas esperanças, foram esmagados pela fatalidade da seca.


Não permita, Senhor, que os nossos destinos fiquem na dependência de planos elaborados por homens incapazes, sem consciência, ambiciosos, indiferentes aos nossos sofrimentos. Estamos entediados de tanta angústia, nossa paciência também deve ter limite. As injustiças, mesmo que não queiramos, tenderão a indicar outros caminhos, inclusive o da violência. Por mais que queiramos suportar. Por maior que seja a nossa resignação. Por mais tolerantes que queiramos ser, haveremos de, um dia, nos deixar envolver pela revolta, a exemplo do que Lhe aconteceu, quando teve que reagir à imprudência dos mercadores, que profanavam o templo de Seu Pai.


Volte, SENHOR, os olhos para este sertão. Venha, novamente, em socorro desta gente. Perdoe, mais uma vez, as nossas ofensas, os nossos pecados, e as nossas profanações. Não nos expulse desta terra seca, onde sofremos, mas que amamos com toda a força de nossa alma.


Não permita que este solo seja apenas molhado pelas lágrimas dos que partem para outras plagas, onde irão sofrer muito mais. Não permita que esta terra seca seja umedecida somente pelo pranto dos que teimam em aqui permanecer, agarrados ao pó que se levanta à passagem dos retirantes.


Se tanto pecamos; se O ofendemos a ponto de merecer tamanho castigo, perdoa-nos, Senhor. Se nós chegamos ao desespero e se a revolta superou a fé, foi porque estamos exauridos de tanto massacre, tanta injustiça e de tanta coação, vencidos pela sanha de nossos implacáveis algozes.


Se agredidos pelos poderosos da terra, venha, SENHOR, em nosso auxílio. Deixe a chuva cair para amenizar esta febre que aquece a terra, queima as nossas plantações, secam as nossas fontes de água, e nos vai matando pouco a pouco. Se não merecemos compaixão, tenha piedade dos animais que sofrem as conseqüências da maldade da terra, e se aglutinam em torno de nós, para sofrerem também, para chorarem e morrerem conosco, castigados pela terrível seca.


Se nossa fraqueza, nossa maldade superam o limite da tolerância e se nossas faltas merecem tamanha punição, rogamos pelas crianças que, na sua inocência, brincam com as bonecas de milho que não frutificaram. Que secaram pela inclemência do sol, pela falta de chuvas. Aquela criança sentar-se-á em vão, em torno de uma mesa, que há muito está e continuará vazia. Quando a fome chegar com maior intensidade  as crianças são as que mais irão chorar, Sentindo falta da boneca de milho que se desfez em suas mãos, como a colheita que desapareceu após se constituir na grande esperança do agricultor.


Senhor, nesta hora difícil, olha para o meu sertão. Permita também que anjos e santos também volvam o olhar para esta terra que se arde na fogueira do desespero. Olhando-nos do céu, terão compaixão de nosso sofrimento, e, juntos, chorarão a nossa dor. As lágrimas descerão pelas nuvens, molharão a terra, cairão sobre as plantações, os campos renascerão e tudo ficará alegre.


Somente assim veremos partidos os grilhões que já nos prendem os pulsos. Com nossas mãos livres, nossos pecados perdoados e com a ajuda da bendita chuva voltaremos ao amanho da terra para renovar nossas esperanças. Crianças contentes, animais pastando fartamente, os pássaros haverão de voar bem alto levando a nossa mensagem de fé, de esperança e gratidão. Na terra ficarão homens que tocam no peito agradecendo e com olhos fitos no céu dirão, respeitosamente: OBRIGADO SENHOR.

domingo, 20 de maio de 2012

Poesia de Abilio Neto


Foto do autor: Ponte Juazeiro-Petrolina, vista do meio do Rio São Francisco

AMOR DE BEIRA DE RIO
Abílio Neto

Amor de beira de rio
Concorda com a natureza
Se cair na correnteza
Diga até nunca mais
Uma vez que todo rio
Nesse ponto é inclemente
Ao caminhar só pra frente
E não regressar jamais!


A esperança é o cais
À beira do mar malvado
Onde o amor é guardado
Num peito de ferro e aço
E se não morreu de véspera
De desgosto ou de revolta
Esse sentimento volta
Mesmo em forma de sargaço!

quarta-feira, 16 de maio de 2012

Poesia da Anizão


PALCO DA VIDA
//Anizão
*

A vida é uma peça e foi escrita
Do roteiro de Deus o criador
Do passado e presente ele falou
Numa arte para cosmopolitas,
Para ser apresentada e bem descrita
Cada ato da peça ele criou
E nas nuvens uma frase desenhou
Colorindo com todo seu encanto
Há um palco montado em cada canto
Pra quem sabe na vida ser ator.
*
Entre o céu e a terra o horizonte
É um marco que faz a divisão
Ver de perto ninguém tem condição
É paisagem que fica bem distante
E as nuvens desenham num instante
Um cenário colorido a beija flor
Que um artista a cantar louva o amor
Deus protege os poetas com seu manto
Há um palco montado em cada canto
Pra quem sabe na vida ser ator.
*
Um ator é na vida um grande artista
Tem o dom de saber representar
Toda história da vida ele contar
E na vida é grande alegorista
Da injustiça ele é grande antagonista
Quando alguém lhe maltrata joga flor
Sua vida é pautada num ato de amor
Pela arte demonstra seu encanto
Há um palco montado em cada canto
Pra quem sabe na vida ser ator.
*
De teatro escola tem aos montes
Que ensina ao ator representar
E os pais bota os filhos a estudar
E os filhos forçado todo instante
Se não tem competência, não avante
Pois pra isto precisa muito amor
E nascer com o dom do criador
Se não tem vai chorar cair em planto
Há um palco montado em cada canto
Pra quem sabe na vida ser ator.


*/*/*

//Anizio <azsantos121@ig.com.br>, 16/03/2012
Em homenagem a minha musa M.Paz
santospoesias <
http://www.santospoesias.com.br/>

sexta-feira, 11 de maio de 2012

Poesia de Dalinha Catunda


OBRIGADA, MÃE!
Dalinha Catunda
*

Minha mãe sempre cantava
E não poupava alegria.
Fazia versos, paródias,
Enfeitando o dia-a-dia,
Costureira e professora,
E mestre na poesia.
*
Na cozinha caprichava,
Fazendo nossa comida,
Seu tempero incomparável
Dava gosto a nossa vida,
Minha mãe se desdobrava,
Pra nos dar melhor guarida.
*
O tempo passa ligeiro,
Meu Deus que velocidade...
Minha mãe está velhinha
E eu sinto tanta saudade
Daquela mãe tão ativa,
Da nossa felicidade...
*
Minha mãe muito obrigada
Por tudo que você fez.
Eu hoje também sou mãe
E chegou a minha vez,
De lutar pelos meus filhos
E ter sua sensatez.

segunda-feira, 7 de maio de 2012

Cordel de Dideus Sales



O MUNDO CORDELIANO 
DE RODOLFO COELHO CAVALCANTE
Dideus Sales

O mundo cordeliano
Encontra-se exultante,
Degustando este momento 
Glorioso e cintilante,
De entusiasmo e colheita,
Fruto da plantação feita
Por Rodolfo Cavalcante.


Arrojado e desenvolto,
Rodolfo, um alagoano
Da pequena Rio Largo,
Peregrinou qual cigano,
Foi camelô e humorista,
Tornando-se o cordelista
De luz do solo baiano.


Foi em mil e novecentos
E dezenove que veio
Ao mundo para brilhar
E ser da arte um esteio,
Magnífico menestrel
Que deu impulso ao cordel
Além do tempo em seu meio.


Nascera num ambiente
De muita simplicidade,
Seus pais, Arthur e Maria
Passaram necessidade,
Mas não pouparam conselho
Pra que Rodolfo Coelho
Fosse um homem de verdade.


Com treze anos apenas, 
Garoto de alma pura,
Jogou-se à mercê da sorte
Em inédita aventura,
Palmilhando o sertão quente
Até achar a nascente
Da sua literatura.


A infância foi insípida,
Precária a adolescência,
Precisando trabalhar,
Pois, lhe faltava assistência...
Assim levou seu fadário,
Garimpando o necessário
À sua sobrevivência.


Da região nordestina
Sob o sol abrasador,
Percorreu os nove estados
O errante trovador,
Bordando sonhos e frases
Até compor seu oásis
Na bonita Salvador.


Pousou em quarenta e cinco
Na capital da Bahia,
Fez encontros de poetas
De folheto e cantoria,
Com seu carisma e fluência
Provocou efervescência
No mundo da poesia.


Com arte e muita elegância
Plasmou o seu universo
Poético sem aos colegas
Tornar-se alheio ou disperso,
Por todos tinha desvelo,
Imprimindo este modelo,
Fez-se um poeta diverso.


Sua verve não brilhou
Apenas no cordelismo,
Muito vivaz e arguto
Mergulhou no jornalismo.
Sempre habilidoso e ético,
Editou “Brasil Poético”,
Jornal do trovadorismo.


Fez “A Voz do Trovador”
Juntando o povo que pensa,
Para dar vez aos poetas,
E à trova dar voz imensa;
Com o jornal consolidado,
Ajuda a fundar no estado,
A Associação de Imprensa.


Seu perfil foi adornado
Desde o albor da infância,
Com os diamantes da ética
E os lírios da elegância,
Ornamentou sua estrada,
Deixando cristalizada
Criação de relevância.


Rodolfo com a escrita,
Costurou eterno enlace,
Tecendo verso e criando
Entidades para classe.
Poeta vário e fecundo
Que construiu o seu mundo
E a cada dia renasce.


Com boniteza poética
Soube imprimir seu matiz
Em estrofes bem traçadas
Que não constam em release,
Mas quem as sabe de cor
Diz que fora o maior
Cordelista do país.


Em sua vastíssima obra
Vemos um matelassê
De tantos títulos e temas
E até indago: por que
Naquele tempo, poeta
Como ele, um esteta,
Fazia tanto ABC?


Foi da sua grande lavra
O principal editor,
Todos seus folhetos têm
De poesia sabor:
“ABC dos namorados”
E outros ABC falados:
Da “macumba” e “do amor”.


Por tudo que produziu,
Pra ele tiro o chapéu;
“O Drama do Comandante”
Merece aplauso e troféu
Junto com “Príncipe Formoso”
Um romance primoroso,
E o bom “Lampião no Céu”.


Em veículos de cultura
Soube fazer a manobra;
A métrica de seus cordéis
Não constitui falta ou sobra.
Imensuráveis capítulos...
Mil e setecentos títulos
Fazem sua bela obra.


Substantiva e robusta,
Sua obra não colide
Com os clássicos, aliás,
É buquê que coincide
Com os que estão nos jarros
De Leandro G de Barros
E João Martins de Athayde.


A ele hoje comparo
Pela consciência clara,
Gonçalo Ferreira Silva,
Um gênio que se declara
Fã do poeta de escol,
O brilhante Rouxinol
E Moreira de Acopiara.


Existem, no mesmo nível
Outros, fazendo justiça,
Cito alguns para ilustrar,
Pois, poesia castiça
Natural e espontânea,
Burilada e instantânea
É no Nordeste que viça.


Cordelista de alto nível,
Aplaudido e renomado,
Tendo em vida muitas glórias,
Deixou-nos grande legado.
Pra que seu nome se zele,
Até pela ABL 
Ele foi condecorado.


Eno Theodoro Wanke 
E Matine Kunz teceram
A trajetória do bardo
Em obras que escreveram,
Livro muito abalizado
E tese de doutorado
Que até pós- doutores, leram.


Expoente do cordel,
Figura branda e modesta,
Incentivador dos jovens,
Aparador de aresta.
Irradiava alegria,
Declamando poesia
Rodolfo fazia a festa!


Do seu estro luminoso
Brotou extraordinário
Trabalho que ainda é 
Atual e necessário,
Soube escrever o real
Como fora magistral
No terreno imaginário.


Um líder incontestável
Competente e carismático,
Escritor muito inventivo
De conhecimento prático
Na seara da poesia
Que se fez com maestria,
Do cordel um catedrático.


Virou artesão de sonhos
Muito cedo a desenhar
A poesia do povo
Cumprindo a sina invulgar
De divulgar a beleza,
Para manter sempre acesa
A cultura popular.


O soteropolitano
Cidadão emudeceu
No dia 7 de outubro,
Quando um veículo o colheu
Com o chofer alcoolizado,
Cruel e despreparado, 
Que sequer o socorreu.


Ao hospital Simões Filho,
Depois ao Getúlio Vargas,
Rodolfo fora levado
Com feridas muito largas
Devido à forte pancada, 
Naquela noite minguada
Teve as horas mais amargas.


Isso no século XX,
No ano de oitenta e seis,
Perdemos o cordelista
Da mais plena lucidez,
Cobrindo de empecilhos
A trindade órfã de filhos
E Hilda na viuvez.


Sem sequer dizer adeus,
Foi-se o nosso timoneiro,
Lavrador de lindos sonhos,
Da esperança, mensageiro,
Apóstolo da poesia
Que o Brasil reverencia
Por seu espírito altaneiro.

quinta-feira, 3 de maio de 2012

Música de El Efecto


O ENCONTRO DE LAMPIÃO 
COM EIKE BATISTA


Duas coisas bem distintas
Uma é o preço, outra é o valor
Quem não entende a diferença
Pouco saberá do amor
Da vida, da dor, da glória
E tampouco dessa história
Memória de cantador


Reza a história que num dia
Daqueles de sol arisco
O bando de cangaceiros
Mais valente nunca visto:
Candeeiro, labareda,
Zabelê e mergulhão
Juriti, maria bonita
Volta-seca e lampião
Enedina, quinta-feira
Beija-flor e zé sereno
Lamparina, bananeira.
Andorinha e o moreno
Moderno,trovão, dadá
Moita brava e mais corisco
Pra mó de se arrefrescar
Margeavam o são francisco


De repente um escarcéu
Aperreia todo bando
Um trem vem rasgando o céu
E na terra vai pousando
Do grande urubu de lata
Cercado por muitos hômi
Desce um gringo de gravata
Falando no telefone


Uns hômi tudo de preto
Peste vinda do futuro
Que pra não olhar no olho
Veste óculos escuro
Um se aprochegou do bando
Grande pinta de artista
Disse com ar de desprezo
Muito seco e elitista:
"-calangada arreda o pé
Que agora isso é de eike batista!"


A peixeira já luzia
Quando o gringo intercedeu
"-perdoem a grosseria
Desse empregado meu
Sou homem civilizado
Não gosto de violência
Trago papel assinado
Prezo pela transparência
A terra de fato é minha
O governo fez leilão
Eu que dei maior lance
Ganhei a licitação
Não sou nenhum trapaceiro
O que é meu é de direito
Mas como bom cavalheiro
Lhes proponho um outro jeito"


Chamou lampião na chincha
Prum papo particular
Uma proposta de ouro
Difícil de recusar
"vou ganhar muito dinheiro
Com um novo agronegócio
Emprego teu bando inteiro
Ainda te chamo pra ser sócio"


"tu pode comprar são paulo
E o rio de janeiro
Foto em capa de revista
Por causa do teu dinheito
Ter obra no mundo inteiro
Petróleo, mineração
Mas aqui nesse pedaço
Quem manda é o rei do cangaço
Virgulino, lampião!"
Se tu gosta de x mais um x eu vou lhe dar no xaxado que diz
Se tu gosta de x mais um x eu vou lhe dar no xaxado que diz: chispa!!


E até o velho xico cantou pra todo mundo ouvir:
Hay que, hay que, eike, hay que, hay que, hay que resistir!


Duas coisas bem distintas
Uma é o preço, outra é o valor
Quem não entende a diferença
Pouco saberá do amor
Da vida, da dor, da glória
E tampouco dessa história
Memória de cantador.