quarta-feira, 7 de julho de 2010

Audifax Rios


Há alguns dias, conheci pessoalmente um artista cuja obra eu já admirava há tempos: o multitalentoso AUDIFAX RIOS, autor de inúmeros cordéis, contos, poesias e tantas outras manifestações artísticas, inclusive no campo das artes plásticas.



Só para dar um resumo, colho da contracapa do livro “Ciro, o beco e o circo”, organizado por ele, que AUDIFAX é cearense de Santana do Acaraú, em 17 de abril de 1946, onde fez o curso primário e ginasial. Já morando em Fortaleza, ingressou na TV Ceará, como cenógrafo, e, ao mesmo tempo, escrevia e fazia ilustrações para os jornais Unitário e Correio do Ceará.


É autor de vinte folhetos de cordel, vinte livros e cinco livros (dados da época do livro citado acima), destacando-se entre suas obras a trilogia “Memórias do encatamento” (romance): “Os búfalos de campanário”, “Migalhas parar serpentes” e “Voe comigo quando desmorrer”.


Na área infantil, é autor do texto e das ilustrações de “Douradinha, coitadinha”, “O desafio da mãe natureza”, “Mitos brasileiros” e “Festa no picadeiro”, dentre outras obras.


Hoje, trago para os leitores de MundoCordel, a obra “A fantástica e verdadeira história do Cão da Itaoca”. Espero que ele não se importe de eu por o texto completo aqui.


“A fantástica e verdadeira história do Cão da Itaoca”
Audifax Rios

I
A história que eu vou contar agora
Se é verdade ou mentira eu não sei
Pois o fato nunca presenciei
Mas tem gente que jura a toda hora
Na noite ou no romper da aurora
É a história medonha de um cão
Que assombrava com sua aparição
Sob o rouco tinir da sua espora

II
Este fato se deu na Itaoca
Já faz mais de três décadas passadas
E mexeu com pessoas alarmadas
Derrubou muita pose de dondoca
Apanhadas nos laços da fofoca
Meteu medo em menino e ancião
E valentes de toda uma geração
Sucedido que hoje ainda choca

III
Como Deus, tem diabo em toda parte
Não há como do tinhoso se livrar
Cão daqui, cão dali, cão dacolá
Cada um malinando sua arte
Presepeiro tal Pedro Malazarte
Pois vejamos aqui outra faceta
Caprichosa e sagaz deste capeta
Antes que pro inferno nos arraste

IV
Mas primeiro eu quero situar
O cenário de todo esse sucesso
E pra isso munido do meu verso
Itaoca eu passo a tracejar
Se o diabo não me atrapalhar
Por ali passa trem, passa avião
Bicicleta, motoca e caminhão
animal e vivente a caminhar

V
Situado no miolo da cidade
Tem Montese e Pici bem mais ao norte
Nos confins da Avenida da Morte
Que lhe dá um padrão de qualidade
Apegado à antiga Piedade
Para o leste vamos ter o Parreão
Encostado na Vila União
Região com lagoa em quantidade

VI
Pelo sul a famosa Parangaba
Onde fica o asilo dos dementes
Doidos mansos e outros pacientes
A oeste onde Damas se acaba
Sobradões e casebres de rebarba
Sudoeste o bairro da Serrinha
Onde dizem que cão inda caminha
Ampliando os confins de sua taba

VII
A Itaoca de tempos atrás
Começava nos muros do Colégio
Instalado em suntuoso prédio
Com capela e dependências mais
Onve haviam ritos sacramentais
Ensino pra internos e também
Estudantes naquele vai-e-vem
Sob as barbas do cruel satanás

VIII
Do Juvenal Carvalho em diante
Só se via dos Dummar a verde mata
Ainda virgem até aquela data
Ladeando o curral e a vazante
Do riacho pequeno e arrogante
Ia até a Lagoa do Opaia
Onde o verde dos teus olhos se espalha
Sobre a água límpida e brilhante

IX
Por ali passa o Beco do Segundo
Refúgio do cronista Cirolares
Cantor do passaredo e dos pomares
Que por tudo devota amor profundo
Transformando-o em poeta fecundo
Na viela porém deu-se o destroço
Desembesto do cão um alvoroço
A marmota mais cruel deste mundo

X
Feito isto passamos a narrar
A história que é bem interessante
Peripécias de um cafute errante
Que por anos deu muito o que falar
Nestas plagas e em outro lugar
Sua fama como rei da safadeza
Se expandiu pela grande Fortaleza
Se espalhou do sertão até o mar

XI
Lá no Beco escuro casarão
Paredões carcomidos pelo tempo
Pela fúria da água e do vento
Habitava um velho ermitão
Que diziam ter parte com o cão
O seu rosto nunca ninguém via
Da sua vida então ninguém sabia
Sua idade uma interrogação

XII
E por via dessa circunstância
O povão recriou a sua imagem
Carregando demais na maquiagem
Dando ao velho tamanha importância
Enfatizando a brutal deselegância
Aumentando com exagero o corpanzil
A idade lá foi pra mais de mil
Lá bem longe da sua pobre infância

XIII
Os cabelos batiam na cintura
E brilhavam de tanta seborréia
Amarelos da cor de diarréia
Moldurando a triste criatura
Acentuando inda mais sua feiúra
Amarrados feito rabo de cavalo
Eriçados como um rabo de galo
Aprimorando a caricatura

XIV
Grosso chifre enfeitava sua testa
Enrolado como o de um pai-de-chiqueiro
Exalando pelo ar o seu mau cheiro
De bode velho quando desembesta
Odor que logo todo canto empesta
E nas orelhas dois brincos em brasa
Que já faíscam quando sai de casa
No intuito de acabar com a festa

XV
Veste gibão de couro fedorento
Que atrai mosca dentro de um instante
Nunca se viu na terra tal displante
E enche o ar de um cheiro enjoento
Que se propaga levado pelo vento
Sapeca flores e frutos dos roçados
Com seu rastro negro fumacento

XVI
Só tem um olho grande esbugalhado
Sobre o nariz adunco de condor
Pupila diletada incolor
Com íris de um roxo amarelado
Jorra sangue no rosto opilado
Os cílios espetados bem azuis
Sobrancelhas em formato de cruz
Traduzem a imagem do pecado

XVII
A boca escancarada num esgar
De lábios grossos cheios de sapinho
Exibem a dentadura em desalinho
Incisivos de forma irregular
Presas de ouro puro a brilhar
Caninos com coroa reluzente
O beiço inferior constantemente
Saliva de porréia a babar

XVIII
O pescoço grosso atarracado
Assentado num imenso peitoral
De peso e medida anormal
Modela o seu tronco encalcado
De porte muscular avantajado
Os braços envergados pelo peso
Seguram pela mão um facho aceso
Clareando o rosto desalmado

XIX
Grandes pés arrastando pelo chão
Sustentavam um corpo de gigante
Parecia um enorme elefante
Bem maior do que qualquer cristão
Perto dele qualquer um era anão
Ao sair punha o povo em polvorosa
Com a sua estampa horrorosa
A cidade ficava em aflição

XX
As mulheres para ver o brucutu
Se escondiam por detrás das moitas
E ganhavam por terem sido afoitas
Viam o bruto completamente nu
E o enorme pau do belzebu
Mais crescido por causa do tesão
Dava em todas a maior sensação
E saiam para dar que nem xuxu

XXI
Toda essa horrenda descrição
Que fizemos do capiroto agora
Com perdões da Mãe Nossa Senhora
Não passa da mais pura invenção
De um repórter de imaginação
Que vendo a hora perder o emprego
Padeceu de um tal desassossego
E maquinou toda essa confusão

Continua no próximo post...



Um comentário:

  1. A mídia fala em Bruno
    Eliza e gravidez
    Flamengo, orgia e fumo
    -esta é a bola da vez!-
    Tem muito 'especialista'
    Em busca de alguma pista
    Pra ser o herói do mês

    E a história se repetindo
    Mudando apenas o nome
    Outra mulher sucumbindo
    Sob ameaça dum homem
    Uma vida abreviada
    Cuja morte anunciada
    A estatística consome
    (...)
    Leia mais em www.cordelirando.blogspot.com

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