quinta-feira, 23 de junho de 2011

Viva São João! Viva Seu Mansueto!



Hoje, 23 de junho, dia de São João, é aniversário de Mansueto Silva, autor de "Minha Mala era um Pote" e, para meu orgulho e alegria, meu pai.

Quando lancei meu primeiro livro, em 2006, perguntaram-me se eu havia herdado o dom de escrever de alguém da família. Respondi que não, pois em minha família não havia escritores. 

Meses depois, quando estava perto de fazer 70 anos de idade, meu pai me entregou os manuscritos de "Minha Mala era um Pote", que na época ainda nem tinha título. Foi então que fiquei sabendo de quem eu tinha herdado o dom de escrever.

Hoje, Seu Mansueto já deu até palestra em faculdade, falando de seu livro e das coisas que são tratadas nele, como êxodo rural, ética e desigualdades sociais.

Mas isso é matéria para outra postagem. Hoje, quero apenas parabenizar o Velho Mansú por mais um ano de vida e sucesso. Acho que posso fazer isso em nome de toda a família e dos amigos, que são incontáveis.

Parabéns, Seu Mansueto!

LANTERNAS DE BARRO
Mansueto Silva
(Trecho do livro "Minha Mala era um Pote")

As primeiras recordações que me vêm sobre a minha infância são de uma vida dura no interior. Meus pais eram muito pobres, tinham muitos filhos e, naquela época, não havia serviço público de saúde para os pobres do interior. Não havia escolas, auxílio natalidade, nem tampouco abono familiar para os filhos dos trabalhadores. Assim, muitas necessidades, que hoje chamam de básicas, não eram atendidas.

Mas posso dizer que minha infância teve um começo parecido com a de outras crianças do lugar onde nasci: brincar o dia todo, todos os dias, até que chegasse a hora oportuna de ir ajudar meu pai na roça. Cheguei aos cinco anos de idade, e a única coisa que fazia era brincar e comparecer ao catecismo aos domingos. Quem ensinava era o seminarista Ademir, filho do Senhor Henrique Cesário, que era o dono da terra onde nós morávamos.

Foi a partir daí, dos cinco anos de idade, que a infância começou a terminar para mim. Meu pai acordava muito cedo e também acordava meu irmão, que era mais velho que eu, e nos levava para ajudar no trabalho da roça. Nessa hora, meu pai já havia feito aquele café grosso, adoçado com rapadura, e nós o tomávamos com um pedaço de “beiju xotão”, que a gente chamava de “beiju entala cachorro”. Depois dessa bela refeição, seguíamos para a roça, que ficava a uns quinhentos metros dali. Subíamos a aba da serra com todo o cuidado e íamos para o trabalho.

Quando chegávamos na roça, meu pai determinava o que devíamos fazer. Muitas vezes ele cavava grandes covas, para a plantação da mandioca, enquanto meu irmão cavava covas pequenas, para o milho e o feijão. Eu colocava as sementes nas covas e enterrava. Era um trabalho que começava pela manhã e ia até o meio dia. Quando a gente voltava para casa, verificava se nos forjos ou queixós  que armávamos havia sido apanhado algum preá, para ajudar no tempero do feijão. Às vezes a gente tinha sorte e havia alguma caça presa, mas outras vezes não havia nada. Aí o jeito era enfrentar o feijão com um pedaço de rapadura ou de peixe assado na brasa.

Era um trabalho duro para duas crianças de cinco e sete anos, como eu e meu irmão. Mesmo assim, depois do almoço tínhamos que voltar para a roça e continuar o trabalho até as seis horas da tarde. Quando voltávamos para casa, nossas pernas estavam marcadas pelas picadas de insetos. Mas a situação era aquela e não havia para quem apelar.

A verdade era que precisávamos enfrentar aquela luta todos os dias e, quando terminávamos de plantar as sementes, era o tempo de espantar os passarinhos, para não comerem o que havia sido plantado. Passávamos de oito a dez dias espantando os passarinhos, para que não arrancassem o milho. Às vezes eu andava pelo meio do roçado, com uma lata e um pedaço de pau na mão, batendo na lata para fazer barulho, afugentando os pássaros. Outras vezes, enquanto batia na lata, cantava alguns versos de poesia matuta, que eram conhecidos por todas as crianças que também espantavam os passarinhos das roças vizinhas:

Xô, passarinho
Do ôio dágua do pajé
Não coma meu milhinho
Que eu lhe dou quando tiver.

Foi mais ou menos por essa época, quando eu tinha por volta de cinco anos, que apareceram por ali as primeiras lanternas a pilha, hoje tão comuns. As lanternas eram as coisas mais interessantes que eu achava, principalmente as de três pilhas, que eram maiores e iluminavam mais. Eram também as mais caras. As pessoas passavam um bom tempo juntando dinheiro para comprar aquelas lanternas. Eu apenas sonhava em ter uma. Como não podia, tinha que me conformar em fazer as minhas próprias lanternas. Juntava um pouco de barro ligado, que chamávamos de “barro de louça”, e moldava o barro no formato da lanterna, deixando um buraco na frente, como se fosse o refletor. Na frente do buraco botava um pedaço de vidro, e na lateral fazia um buraco, por onde poderia passar um vaga-lume. Pegava os vaga-lumes e empurrava por aquele buraco. Assim o “refletor” ficava cheio de vaga-lumes. Naquela escuridão do interior, até parecia que havia alguma coisa acesa nas mãos dos meninos que brincavam com aquelas lanterninhas de barro.

2 comentários:

  1. Maravilhosa a história do seu Mansueto. É impossível um menino do sertão não ter o que contar quando chega a certa idade. Quem tem facilidade de escrever produz maravilhas como esta... Quem não sabe ou não gosta de lidar com a caneta, conta de memória as suas aventuras.
    Parabéns ao Mairton, pelo pai que tem, e a Editora IMEPH, por publicar textos como esse.

    ARIEVALDO VIANA

    ResponderExcluir
  2. muito boa essas histórias que você posta...obrigada por me corrigir, eu mudei a legenda da foto, por Corisco e Dadá. Abraço.

    ResponderExcluir