terça-feira, 22 de julho de 2008

Cordel depois da missa (Felipe Júnior)


QUANDO OS POETAS VÊM AO MUNDO CORDEL
Já escrevi aqui que uma das coisas que mais me alegra e anima a continuar editando Mundo Cordel é receber de meus amigos CDs, livros, folhetos e outras mídias usadas para a divulgação da Literatura de Cordel e a Poesia Popular. É muito bom saber das pessoas encontrando essa arte pelo mundo e lembrando que este é um ponto de convergência dela.
Mas, tem outra coisa que me alegra tanto quanto essa. É quando poetas enviam obras suas para enriquecer este espaço, este Mundo Cordel. Mundim do Vale sempre faz isso. Anizão e Carlos Silva também já estiveram por aqui, dentre outros.
Hoje, é a vez de Felipe Júnior, poeta cordelista e declamador vindo do Berço Imortal da Poesia, São josé do Egito-PE. Formado em Filosofia pela Universidade Católica de Pernambuco, reside em Recife-PE, é, atualmente, coordenador da União dos Cordelistas de Pernambuco - UNICORDEL e membro da União Brasileira dos Escritores - UBE/PE.
Quem quiser saber mais sobre o trabalho do poeta, é só visitar o seu blog:
di-versificando.blogspot.com.
Um grande abraço, Felipe! E muito obrigado pela colaboração!
Segue a poesia:

FIM DE MISSA
Poeta Felipe Júnior
(Do livro “Relicário” e CD “Na boléia da rima e do Riso”)

Fica no templo somente
O sacristão zelador
Endireitando o andor
Pra usá-lo novamente;
Fica um cego no batente
Tocando uma concertina,
Se uma moeda retina
Ele diz: Deus abençoe!
Mesmo sem saber quem foi
Depois que missa termina.

Uns dois ou três batizados;
As portas entre abertas;
Duas meninas espertas
Arrumando seus trocados.
O padre faz simulados
E com o sacristão combina,
Pra mostrar como se ensina
Pedir trocado em Igreja,
E o padre rindo, festeja
Depois que a missa termina.

O zelador atrasado
Limpa a Igreja ligeiro,
Deposita no lixeiro
Papel, chiclete mascado, ...
Depois põe tudo ensacado
Todo o lixo da faxina
Põe o saco na esquina
Pro carro depois levar
E só volta a arrumar
Depois que a missa termina.

Menino na escadaria
Sacristão correndo atrás;
Um candeeiro de gás
Que bem pouco alumia.
Com a Igreja vazia
O padre tira a batina.
Chega uma irmã vicentina
Querendo se confessar,
Vendo a porta se fechar
Depois que a missa termina.

A noite chega de vez
E envolve com sua sombra;
Um pinto novo se assombra
Com uma galinha pedrês;
Um casal de camponês;
Um cheiro se dissemina,
É a ceia nordestina
Saborosa com certeza,
Porém só é posta a mesa
Depois que a missa termina.

A dupla de cantadores
Canta num pé-de-parede;
Um velho arma uma rede,
Reclama de suas dores;
Um grupo de rezadores
Uma novena combina;
Alguém discerra a cortina
Da porta da sacristia,
Fica a igreja vazia
Depois que a missa termina.

O grupo de jovem sai
E casais em saudação;
O padre leva sermão
De um amigo do seu pai;
Uma velhinha que vai
Fazer sua reza divina,
Com o rosto e a pele fina
Quase revelando o osso,
Mas tira a nota do bolso
Depois que a missa termina.

O padre leva o dinheiro
Pra casa paroquial
E um coroinha mal
Pega uma moeda ligeiro.
Vai correndo pro oiteiro
Em direção da cantina
Compra rapadura fina
Pra comer com pão bem cedo,
E tudo fica em segredo
Depois que a missa termina.

Um homem bem elegante
Faz a sua doação,
O padre dá gratidão
Pelo seu gesto operante.
E ele todo falante
A uma pobre se destina,
Era a dona Severina
Que passou de sua hora
E bota a pobre pra fora
Depois que a missa termina.

E reina um silêncio orante
Na velha Igreja barroca;
Na porta uma velha moca
Quer confessar neste instante;
Alguém no auto-falante
Faz a prece vespertina;
Na calçada uma menina
Risca com caco de telha;
O sol apaga a centelha
Depois que a missa termina.

Um casal de namorados
Felizes e sorridentes,
Namorando nos batentes
Conversam de braços dados.
Dois homens embriagados
Falam alto na esquina;
Cai uma rala neblina
De uma nuvem passageira
Para apagar a poeira
Depois que a missa termina.

O sino não faz abalo
Como uma prece propondo
E um casal de maribondo
Pousa em cima do badalo;
O travão dá um estalo
Que estremece a campina;
Por trás da verde colina
O sol esconde seu rosto
E a lua assume seu posto
Depois que a missa termina.

O padre na sacristia
Recolhe seus paramentos;
No oitão quatro jumentos
Que servem de montaria;
Reza uma Ave-Maria
Uma velha bem franzina,
Depois de rezar se inclina
Fazendo o sinal da cruz
Beija o santo e apaga a luz
Depois que a missa termina.

Os morcegos esvoaçam
Fazendo belas manobras;
Entre as linhas duas cobras
No cio se entrelaçam;
Duas lagartixas passam
Por cima da ripa fina;
Debaixo da sarafina
Sai uma “briba” cinzenta,
Pois ela só se apresenta
Depois que a missa termina.

Num canto do santuário
Um presépio de natal;
Duas velhas falam mal
Da pregação do vigário.
Outra recita o rosário
Que aprendeu quando menina.
O sacristão diz: Firmina,
Deixe pra rezar depois!
Ficam discutindo os dois
Depois que a missa termina.

O padre soma a quantia
Da coleta do domingo;
Aquele velho mendigo
Recolhe sua bacia.
Um silêncio contagia
A cidade pequenina,
Reina uma paz divina
E uma santa solidão.
Isso se vê no sertão
Depois que a missa termina.

6 comentários:

  1. Bela poesia, bem ritmada. Ainda não conhecia o trabalho do compadre poeta Felipe Júnior. Grata surpresa. Abraço.

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  2. Veja quanto enriquece/
    A cultura nordestina/
    Falar de padre, batina/
    Falar da missa e da prece/
    Que aos católicos enaltece/
    Muitos contos faz lembrar/
    Dos vigários a celebrar/
    As missas cantadas e lidas/
    Padre e Missa nessa vida/
    histórias tem pra contar./

    //Anizio, 23/12/2009

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  3. Quem de padre nada sabe
    Não sabe orar nem rezar
    Não pode entrar numa roda
    Pois nada tem pra contar
    Não sou tão religioso
    Mas sou vivo e curioso
    Para um pouco eu comentar.

    //Anizio

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    Respostas
    1. Parabnes pelo belíssimo cordel Felipe. Faz agente lembrar especialmente das missas no interior de antigamente e até mesmo de hoje. Gostei também da comicidade que de fato é realidade e que dá um tempeiro ao cordel. Gostei bastante.

      Laécio Fernandes (Mossoró-RN)

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  4. É realmente bonito
    O magnífico cordel
    Glorioso e ritmado
    Como fora menestrel
    Quero escrever um dia
    Com esta maestria
    Num pedaço de papel.

    Maceió/AL

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