terça-feira, 20 de setembro de 2011

Conto-Cordel de Marcos Mairton




Desenho a carvão: Gilvan Lopes

O VIAJANTE E O SÁBIO
Marcos Mairton


Diz a lenda que um homem viajava
À procura de mais sabedoria,
Quando teve a notícia, certo dia,
De um sábio que as montanhas habitava.
Que a tudo que se lhe perguntava,
Respondia, sem sequer titubear,
Com lições que ele sempre ia buscar
Nos provérbios e adágios populares,
Destacando os princípios basilares
Da melhor sabedoria popular. 


Logo que do guru ouviu falar,
Lá se foi, bem depressa, o viajante.
Alguns dias depois, o caminhante
Encontrou o refúgio do avatar.
Mal chegou, pôs-se logo a lhe falar:
– Meu bom homem, disseram-me, outro dia,
Que é imensa a tua sabedoria,
E que vem de provérbios e ditados. 
E, os problemas que a ti são formulados,
Tu respondes com o que já se sabia.


– A verdade e o azeite na água fria
Vêm à tona, cada um na sua hora..
Respondeu logo o mestre, sem demora,
À pergunta que o homem lhe fazia.
E, pegando uma cadeira vazia, 
Ofertou para aquele visitante,
Disse: – Sente-se um pouco, viajante,
Quem tem pressa ou come cru ou quente.
O que eu sei não se aprende de repente,
Também não se fez Roma num instante.


Aceitando o convite, o caminhante
Descansou na cadeira oferecida.
Disse: – Mestre, uma coisa nessa vida,
Que eu acho curiosa e intrigante,
É ver gente que pensa que é importante
Esquecer como a vida é passageira.
Que a alegria de uma noite inteira
Talvez nem veja o sol se pôr de novo.
O que hoje é fortuna para o povo
Amanhã ele joga na lixeira.


– Comentaste uma coisa verdadeira – 
Disse o sábio com ele concordando.
E depois também foi se acomodando
E sentando-se ali noutra cadeira.
– Vaidade não é boa conselheira,
Saiba que tudo muda nesta vida.
Não existe colheita garantida.
De certeza na vida só a morte.
Leva o fraco e também arrasta o forte.
Essa história já é bem conhecida.


– Pois me ajude a encontrar uma saída,
Grande sábio que vive tão distante,
Para outra questão interessante
Que ainda não vi bem respondida:
Dizem que, muitas vezes repetida,
A mentira se iguala à verdade.
Haverá essa possibilidade?
Ou é coisa de gente mentirosa?
Que, contando uma história escabrosa,
Justifica assim sua falsidade?


– Mesmo sendo grande a velocidade
Da mentira, quando ela se espalha,
Sua vida é como o fogo de palha.
É raiz que não tem profundidade.
Eu lhe disse, há bem pouco, que a verdade,
Como azeite, uma hora à tona vem.
Diz o povo, e eu vou dizer também:
Passa o tempo e tudo se descobre,
E quem muito enganou o povo pobre
Hoje, já não engana mais ninguém.


(…)


Digo, ainda, com toda segurança:
Não guarde a luz acesa num armário;
Não se ensina “Pai Nosso” a vigário;
Prudência é irmã da desconfiança;
Desconfie do peso da balança.
Veja se o rezador merece fé;
Muita coisa parece, mas não é;
Muita coisa que é não se parece;
Sob as vistas do dono a planta cresce;
Um sapato não dá em qualquer pé.


(…)


– Grande Mestre, na vida, cruzei mares, 
Conheci muitos povos e nações.
Visitei monumentos e vulcões,
E andei por estradas seculares,
Conhecendo pessoas aos milhares 
Que acreditam que têm sabedoria. 
Mas, hoje eu acredito em quem dizia 
Que ninguém o supera em sapiência. 
Não pensei existir tanta ciência 
nos ditados que o povo pronuncia.


(Trecho do livro “O viajante e o sábio”, editado pela Ensinamento Editora, 2010)

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