terça-feira, 8 de janeiro de 2013

Geraldo Amancio no Caderno 3 do DN


No jornal Diário do Nordeste de ontem, 08.01.2013, vi esse excelente artigo do professor Batista de Lima sobre um dos grandes talentos da cantoria e do cordel, Geraldo Amancio. Vale a pena ler.
Na foto, eu e Geraldo Amancio, por ocasião de festival de cantoria em Maracanaú-CE.



Variações sobre Geraldo Amâncio
Batista de Lima

Há várias vertentes por onde se pode conhecer o talento de Geraldo Amâncio. De minha parte fui conhecendo aos poucos. Primeiramente como violeiro repentista eu o conheci em cantorias, formando dupla principalmente com Zé Maria de Fortaleza. Impressionaram-me sua voz potente, suas tiradas filosóficas e as rimas improvisadas. Por esse tempo, bairrista como sou, foi uma felicidade tomar conhecimento de nossa origem conterrânea espraiada pelas cercanias de Lavras e Cedro. Daí era só acompanhar suas apresentações na Rádio Iracema, de Iguatu, depois, na outra Iracema, de Juazeiro, e por fim na Rádio Alto Piranhas, de Cajazeiras, onde já militava radialista nosso parente comum, Nonato Guedes.

O segundo momento que consolidou essa minha admiração, ocorreu quando sob os auspícios da Universidade de Fortaleza, foi possível trazer de João Pessoa, o lendário Orlando Tejo, que escreveu a melhor obra sobre o fantástico poeta surreal Zé Limeira. Orlando Tejo aqui veio com sua esposa, com passagem, hospedagem, cachê e traslado, por conta da Unifor, para uma apresentação do seu trabalho em torno do gênio Limeira. Lotamos o auditório da Biblioteca da Universidade, de poetas, trovadores, menestréis, jograis, beletristas e boêmios, e ao anunciarmos a fala de Orlando Tejo, ele que estava calado, calado ficou.

Aquele silêncio perturbador durou intermináveis instantes até sua esposa me comunicar em pé de ouvido que por conta de um AVC, o escritor estava impossibilitado de se pronunciar. Nesse momento difícil diante de uma plateia ávida por poesia, vislumbrei entre os presentes a figura de Geraldo Amâncio a quem chamei ao palco e contei o problema. Ele afirmou que não me preocupasse que ele ia dar um jeito. Passei-lhe o microfone e aí ergueu-se na frente de todos o showman Geraldo que eu não conhecia. Recitou, cantou, e começou a chamar ao palco poetas presentes e fez a festa da poesia.

Um terceiro momento dessa admiração por Geraldo Amâncio ocorreu ao ler sua produção literária em parceria com Vanderlei Pereira que já vai por três publicações, destacando aqui, em especial, a antologia "De Repente Cantoria", um dos melhores manuais que conheço em torno da poesia popular. É um livro que se destaca pela pesquisa que foi feita, nos moldes de Leonardo Mota, mas principalmente pelo seu conteúdo didático. Essa obra é indispensável para estudantes de Letras que precisam conhecer a crônica nordestina feita em versos pelos melhores poetas que por aqui versejaram ao longo dos tempos.

Há ainda um momento faceta em quarto lugar que foi conhecê-lo como apresentador de televisão, com um programa na TV Diário com sua audiência cativa. Ali estive me apresentando em uma ocasião e conheci os bastidores do programa, a seriedade como é feito, o respeito pelos convidados e principalmente o trato cerimonioso como é tratada essa bela dona chamada poesia. Não é fácil, nos dias de hoje, manter um programa de violeiros numa TV, diante do gosto globalizado das gerações atuais, enfeitiçadas pelo que vem de fora para dentro da nossa aldeia local.

Depois de tudo isso, aparece Geraldo Amâncio com um livro de trovas pedindo-me uma leitura. Demorei alguns meses para sorver uma por uma, trova por trova, verso por verso, rima por rima, para me regalar com o que de melhor tenho visto nesse setor da arte poética. Trovar é das artes mais difíceis, e filosofar por trovas ainda é mais difícil. O leitor quando se depara com uma delas, curtinha no tamanho, quatro versos apenas, acha que é fácil, confeccioná-la, mas seu poder de síntese, seu conteúdo profundo, seu raciocínio lógico imprimem tremenda dificuldade de elaboração.

A leitura das trovas de Geraldo Amâncio mostra o perfil de um trovador existencialista, preocupado principalmente com o poder corrosivo do tempo sobre o relevo metonímico das pessoas. Além disso há jogos de palavras e trocadilhos que embelezam o texto, por exemplo: "Existem menos defeitos/ mais justiça e menos danos,/ entre os humanos direitos/ que nos direitos humanos". Há, como se vê, literariedade casada com doutrina, moral, ética e caráter. Mesmo com trovas de teor filosófico, ele abre espaço para falar em Mário Gomes, poeta da praça, ébrio, boêmio e louco. Também não esquece sua terra e em momento telúrico dispara: "Queria o rio Salgado/ seguir de qualquer maneira/ mas ficava encarcerado/ em Lavras da Mangabeira".

Isso é um preâmbulo das trovas com que ele canta o Boqueirão de Lavras: "Deus viu o meu rio cheio/ sem poder chegar ao mar;/ cerrou a serra no meio/ pra água poder passar. (…) Deus olhou a água presa/ sem para o mar ter desvio,/ ordenou à natureza:/ corte a serra e solte o rio". Além desse telurismo, o poeta ainda arrisca umas metatrovas botando a poesia para falar de si própria, como para dizer que é ela que mais se conhece. "O que o bom trovador faz/ é mesmo impressionante/ numa trova ele é capaz/ de eternizar um instante. (…) Se é boa a trova, de fato,/ eu nela admiro tudo./ Tão pequena no formato,/ tão grande no conteúdo". Poder-se-iam transcrever todas as suas trovas que essa qualidade não diminuiria.

Finalmente pode-se concluir que Geraldo Amâncio é um trovador especial. Se ele tem dúvida da qualidade de seus versos, o leitor não tem. É preciso portanto que esse belo material seja editado para o conhecimento do público. A trova resistiu ao tempo e agora quando cultivamos uma diversidade de estilos e em que as vanguardas estão caducas, nada melhor que retornarmos com força a esse gênero sublime da literatura. Precisamos ler esses poemas para mergulharmos no sentido profundo que cada um carrega, para nos impressionar com o preciosismo gramatical do poeta. Sem essa de licença poética pois em Geraldo Amâncio a poesia é que tem de pedir licença para se aconchegar no seu regaço. Poucos são os que tratam tão bem essa bela senhora como esse poeta trovador. 

Um comentário:

  1. assisti várias vezes pela Tv diário o programa do Geraldo, trovador apresentador, infelizmente não tive acesso a suas obras, mas sou seu admirador

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