UMA VISITA INESPERADA
Sou um poeta urbano
Nascido na capital
Cresci na cidade grande
Me criei no litoral
E isso me trouxe um problema
Na verdade um dilema
Que custei a resolver:
Sempre quis fazer cordel
Mas diante do papel
Não sabia o que escrever.
Pois os grandes cordelistas
Dentre os quais eu conhecia
Adotavam como tema
Para sua poesia
As coisas lá do sertão
Cangalha, sela, gibão,
A vida do sertanejo,
Todas coisas que, em verdade,
Morando aqui na cidade
Eu não encontro nem vejo.
Sendo assim, pensava eu,
Como é que eu vou fazer
Poesia de cordel
Sem sequer eu conhecer
Uma casa de farinha
O ninho d’uma rolinha
Uma jumenta amojada
Uma cabaça, uma tramela,
Água de pote, gamela,
Uma galinha deitada?
Eu sei que o cordel existe
Desde as antiguidades
Divulgando as notícias
Espalhando novidades
Num tempo em que não havia
Como existe hoje em dia
Rádio nem televisão
E os poetas se inspiravam
Com tudo que encontravam
Na cidade ou no sertão.
Mas aqui neste Brasil
É um fato inconteste
Que o cordel cresceu mesmo
Foi na Região Nordeste.
Falando de cangaceiros,
Cantadores, boiadeiros,
Sua vida e sua luta,
Os folhetos no cordão
São a melhor expressão
Da poesia matuta.
Patativa já dizia,
Com muita propriedade,
Pra não cantar o sertão
O poeta da cidade.
E falava abertamente,
Do seu jeito eloqüente:
“Vosmicê, da capitá,
Pode cantá, seu dotô,
Mas faça a mim um favô,
Cante lá que eu canto cá”.
Por isso, o homem letrado,
Que aos poucos passei a ser,
Ficava meio acanhado
Quando queria escrever
A poesia simplória
Que tão bem conta a história
Desse povo nordestino,
Pois estava habituado
Ao falar sofisticado
Que aprendi desde menino.
Mas um dia aconteceu
Um fato surpreendente
Que fez toda essa história
Ter um rumo diferente.
Despertando a poesia
Que eu comigo trazia
Mas estava adormecida,
Ou talvez aprisionada,
E, uma vez libertada,
Mudaria minha vida.
Era uma noite de chuva
E eu me deitei para ler
Mas foi só pegar no livro
Para logo adormecer.
Dormia profundamente
Quando uma voz insistente
Pelo meu nome chamava
E foi tanta a insistência
Que mesmo com resistência
Aos poucos eu acordava.
Então pensei: – Quem será?
Quem é que está me chamando?
Que não respeita meu sono
Quando eu estou descansando?
O que há de tão urgente
Que não pode esse vivente
Esperar eu acordar?
Haverá necessidade
De a minha tranqüilidade
Alguém vir atrapalhar?
E fui abrindo meus olhos
Assim, meio chateado,
E me sentando na rede
Onde eu estava deitado,
Quando vi ali presente
Uma multidão de gente
Que estava ali comigo
Gente que eu não conhecia
Mas todo mundo sorria
Como se fosse amigo.
Eu não entendi aquilo
Fiquei até assustado
Mas tentei me acalmar
E não ser mal educado.
Então fui me levantando
A todos cumprimentando
Acenando com a mão
Esperando que alguém
Cumprimentasse também
E me desse explicação.
Afinal, naquela noite,
Por ninguém eu esperava.
Nem parente, nem amigo.
Nem mulher eu aguardava.
Imagine então pessoas
Que até pareciam boas
Mas que eu não conhecia
Chegando assim, de repente,
Surgindo na minha frente
Naquela hora tardia.
Mas antes que eu perguntasse
O que estava acontecendo
Um senhor de meia-idade
Já foi logo me dizendo:
– Fique tranqüilo, rapaz,
Nossa visita é de paz,
Viemos só lhe dizer
Da emoção e alegria
Que a muitos você daria
Começando a escrever!
Tem tanta história boa
Que você tem pra contar,
Tanto caso interessante
Pra você compartilhar.
Não é justo esconder
O quanto tem a dizer
É melhor começar, já!
Não seja tão egoísta
Você sabe que o artista
Vai aonde o povo está!
Perguntei: – Quem é você?
Sobre o que está falando?
E quem são essas pessoas
Que estão lhe acompanhando?
É alguma brincadeira
Que assim, dessa maneira,
Vocês chegaram fazendo?
É melhor esclarecer
Pra que eu possa entender
O que está acontecendo.
Enquanto eu perguntava
O homem sorriu pra mim
E me disse: – Nos desculpe,
Não se aborreça assim!
Não foi para lhe irritar
Nem tampouco pra brincar
Que até aqui nós viemos.
Queremos ver libertado
O poeta aprisionado
Que até hoje conhecemos!
Pois nós aqui já vivemos,
Como poetas também
Até que fomos chamados
Para cantar no além.
Mas lá ficamos sabendo
Do que estava acontecendo,
Da sua dificuldade,
Para fazer poesia
Achando que só sabia
Cantar coisas da cidade.
Meu amigo, deixe disso!
Por que a preocupação?
A fonte da poesia
Brota é do seu coração!
No sertão ou na cidade
Sua sensibilidade
Responde do mesmo jeito.
E pra sua poesia
Seja a noite, seja o dia
Tudo faz o mesmo efeito!
Cante as coisas da cidade!
Cante as coisas do sertão!
O amor pela mulher,
O amor pelo irmão
O prazer, o sofrimento,
A alegria, o lamento,
Cante tudo o que encontrar
Pois tudo o que se aproxima
É uma fonte de rima
Para quem sabe rimar!
É essa a grande mensagem
Que viemos lhe trazer
E não esqueça os amigos
Que acaba de conhecer:
Expedito Sebastião,
Que de Cícero Romão
Foi um grande defensor,
João Ferreira, com estilo,
Das “Proezas de João Grilo”
Foi o verdadeiro autor.
Estão também Apolônio,
Zé Camelo e Aderaldo,
Que eu nem preciso dizer
Da sua fama e respaldo.
João Melchíades, o famoso,
Do “Pavão Mysteriozo”,
E, dentre esses grandes nomes,
Este, que lhe fala agora,
Mas já precisa ir embora,
Seu servo, Leandro Gomes.
Enquanto ele falava
Eu chorava emocionado
Agradecendo a Deus
Por ser tão abençoado.
E eles, sempre sorrindo,
Aos poucos foram saindo,
Me deixando ali sozinho
E foi desde aquele dia
Que a minha poesia
Tomou um outro caminho.
Hoje, quando eu me lembro
De todo aquele ocorrido
Fico até me perguntando
Terá mesmo acontecido?
Ou será que foi um sonho
Aquele povo risonho
Ter ido me visitar?
Eu na verdade não sei
Mas o fato é que passei
A qualquer coisa cantar.
Os barulhos da cidade,
Fumaça, poluição,
Menino pedindo esmola
Polícia atrás de ladrão
Buzina, medo de assalto,
Mulher de sapato alto,
Gente apressada correndo.
Tudo vira poesia
Desde quando nasce o dia
Nos versos que vou fazendo.
Se estou dentro de casa
Tem o ar-condicionado
O forno de micro-ondas
Um computador ligado.
Lá fora é academia
Shopping-center, gritaria,
Um prédio em construção
É bombeiro, é ambulância
E lá se vai a infância
No meio da agitação.
Para fazer os meus versos
Não falta matéria prima
Um elevador que desce
Um outro que vai pra cima
Uma van que vai parando
E nela alguém vai chegando
Atrasado pro trabalho.
Numa mesa improvisada,
Alguém vende, na calçada,
Caneta, isqueiro e baralho.
É assim que vou cantando
As coisas da capital.
Canto os engarrafamentos
Os artistas do sinal.
Até na universidade
E em muita solenidade
Acabei achando um jeito,
De apresentar bem rimado
O tema que era estudado
Na Ciência do Direito.
Já fiz verso até julgando
Um caso mesmo real.
Depois contei a história
Da Justiça Federal.
Cheguei também a narrar
Uma briga em um bar
Quando enfrentei o cão
E uma bengala encantada
Que me foi presenteada
Me tirou da aflição.
Foi assim, caros amigos,
Como tudo começou
Quando de uma vez por todas
A poesia passou
A ser minha companheira.
E pela vida inteira
Há de me acompanhar
E assim eu vou cantando
Divertindo e alegrando
Quem quiser me escutar.
Sou um poeta urbano
Nascido na capital
Cresci na cidade grande
Me criei no litoral
E isso me trouxe um problema
Na verdade um dilema
Que custei a resolver:
Sempre quis fazer cordel
Mas diante do papel
Não sabia o que escrever.
Pois os grandes cordelistas
Dentre os quais eu conhecia
Adotavam como tema
Para sua poesia
As coisas lá do sertão
Cangalha, sela, gibão,
A vida do sertanejo,
Todas coisas que, em verdade,
Morando aqui na cidade
Eu não encontro nem vejo.
Sendo assim, pensava eu,
Como é que eu vou fazer
Poesia de cordel
Sem sequer eu conhecer
Uma casa de farinha
O ninho d’uma rolinha
Uma jumenta amojada
Uma cabaça, uma tramela,
Água de pote, gamela,
Uma galinha deitada?
Eu sei que o cordel existe
Desde as antiguidades
Divulgando as notícias
Espalhando novidades
Num tempo em que não havia
Como existe hoje em dia
Rádio nem televisão
E os poetas se inspiravam
Com tudo que encontravam
Na cidade ou no sertão.
Mas aqui neste Brasil
É um fato inconteste
Que o cordel cresceu mesmo
Foi na Região Nordeste.
Falando de cangaceiros,
Cantadores, boiadeiros,
Sua vida e sua luta,
Os folhetos no cordão
São a melhor expressão
Da poesia matuta.
Patativa já dizia,
Com muita propriedade,
Pra não cantar o sertão
O poeta da cidade.
E falava abertamente,
Do seu jeito eloqüente:
“Vosmicê, da capitá,
Pode cantá, seu dotô,
Mas faça a mim um favô,
Cante lá que eu canto cá”.
Por isso, o homem letrado,
Que aos poucos passei a ser,
Ficava meio acanhado
Quando queria escrever
A poesia simplória
Que tão bem conta a história
Desse povo nordestino,
Pois estava habituado
Ao falar sofisticado
Que aprendi desde menino.
Mas um dia aconteceu
Um fato surpreendente
Que fez toda essa história
Ter um rumo diferente.
Despertando a poesia
Que eu comigo trazia
Mas estava adormecida,
Ou talvez aprisionada,
E, uma vez libertada,
Mudaria minha vida.
Era uma noite de chuva
E eu me deitei para ler
Mas foi só pegar no livro
Para logo adormecer.
Dormia profundamente
Quando uma voz insistente
Pelo meu nome chamava
E foi tanta a insistência
Que mesmo com resistência
Aos poucos eu acordava.
Então pensei: – Quem será?
Quem é que está me chamando?
Que não respeita meu sono
Quando eu estou descansando?
O que há de tão urgente
Que não pode esse vivente
Esperar eu acordar?
Haverá necessidade
De a minha tranqüilidade
Alguém vir atrapalhar?
E fui abrindo meus olhos
Assim, meio chateado,
E me sentando na rede
Onde eu estava deitado,
Quando vi ali presente
Uma multidão de gente
Que estava ali comigo
Gente que eu não conhecia
Mas todo mundo sorria
Como se fosse amigo.
Eu não entendi aquilo
Fiquei até assustado
Mas tentei me acalmar
E não ser mal educado.
Então fui me levantando
A todos cumprimentando
Acenando com a mão
Esperando que alguém
Cumprimentasse também
E me desse explicação.
Afinal, naquela noite,
Por ninguém eu esperava.
Nem parente, nem amigo.
Nem mulher eu aguardava.
Imagine então pessoas
Que até pareciam boas
Mas que eu não conhecia
Chegando assim, de repente,
Surgindo na minha frente
Naquela hora tardia.
Mas antes que eu perguntasse
O que estava acontecendo
Um senhor de meia-idade
Já foi logo me dizendo:
– Fique tranqüilo, rapaz,
Nossa visita é de paz,
Viemos só lhe dizer
Da emoção e alegria
Que a muitos você daria
Começando a escrever!
Tem tanta história boa
Que você tem pra contar,
Tanto caso interessante
Pra você compartilhar.
Não é justo esconder
O quanto tem a dizer
É melhor começar, já!
Não seja tão egoísta
Você sabe que o artista
Vai aonde o povo está!
Perguntei: – Quem é você?
Sobre o que está falando?
E quem são essas pessoas
Que estão lhe acompanhando?
É alguma brincadeira
Que assim, dessa maneira,
Vocês chegaram fazendo?
É melhor esclarecer
Pra que eu possa entender
O que está acontecendo.
Enquanto eu perguntava
O homem sorriu pra mim
E me disse: – Nos desculpe,
Não se aborreça assim!
Não foi para lhe irritar
Nem tampouco pra brincar
Que até aqui nós viemos.
Queremos ver libertado
O poeta aprisionado
Que até hoje conhecemos!
Pois nós aqui já vivemos,
Como poetas também
Até que fomos chamados
Para cantar no além.
Mas lá ficamos sabendo
Do que estava acontecendo,
Da sua dificuldade,
Para fazer poesia
Achando que só sabia
Cantar coisas da cidade.
Meu amigo, deixe disso!
Por que a preocupação?
A fonte da poesia
Brota é do seu coração!
No sertão ou na cidade
Sua sensibilidade
Responde do mesmo jeito.
E pra sua poesia
Seja a noite, seja o dia
Tudo faz o mesmo efeito!
Cante as coisas da cidade!
Cante as coisas do sertão!
O amor pela mulher,
O amor pelo irmão
O prazer, o sofrimento,
A alegria, o lamento,
Cante tudo o que encontrar
Pois tudo o que se aproxima
É uma fonte de rima
Para quem sabe rimar!
É essa a grande mensagem
Que viemos lhe trazer
E não esqueça os amigos
Que acaba de conhecer:
Expedito Sebastião,
Que de Cícero Romão
Foi um grande defensor,
João Ferreira, com estilo,
Das “Proezas de João Grilo”
Foi o verdadeiro autor.
Estão também Apolônio,
Zé Camelo e Aderaldo,
Que eu nem preciso dizer
Da sua fama e respaldo.
João Melchíades, o famoso,
Do “Pavão Mysteriozo”,
E, dentre esses grandes nomes,
Este, que lhe fala agora,
Mas já precisa ir embora,
Seu servo, Leandro Gomes.
Enquanto ele falava
Eu chorava emocionado
Agradecendo a Deus
Por ser tão abençoado.
E eles, sempre sorrindo,
Aos poucos foram saindo,
Me deixando ali sozinho
E foi desde aquele dia
Que a minha poesia
Tomou um outro caminho.
Hoje, quando eu me lembro
De todo aquele ocorrido
Fico até me perguntando
Terá mesmo acontecido?
Ou será que foi um sonho
Aquele povo risonho
Ter ido me visitar?
Eu na verdade não sei
Mas o fato é que passei
A qualquer coisa cantar.
Os barulhos da cidade,
Fumaça, poluição,
Menino pedindo esmola
Polícia atrás de ladrão
Buzina, medo de assalto,
Mulher de sapato alto,
Gente apressada correndo.
Tudo vira poesia
Desde quando nasce o dia
Nos versos que vou fazendo.
Se estou dentro de casa
Tem o ar-condicionado
O forno de micro-ondas
Um computador ligado.
Lá fora é academia
Shopping-center, gritaria,
Um prédio em construção
É bombeiro, é ambulância
E lá se vai a infância
No meio da agitação.
Para fazer os meus versos
Não falta matéria prima
Um elevador que desce
Um outro que vai pra cima
Uma van que vai parando
E nela alguém vai chegando
Atrasado pro trabalho.
Numa mesa improvisada,
Alguém vende, na calçada,
Caneta, isqueiro e baralho.
É assim que vou cantando
As coisas da capital.
Canto os engarrafamentos
Os artistas do sinal.
Até na universidade
E em muita solenidade
Acabei achando um jeito,
De apresentar bem rimado
O tema que era estudado
Na Ciência do Direito.
Já fiz verso até julgando
Um caso mesmo real.
Depois contei a história
Da Justiça Federal.
Cheguei também a narrar
Uma briga em um bar
Quando enfrentei o cão
E uma bengala encantada
Que me foi presenteada
Me tirou da aflição.
Foi assim, caros amigos,
Como tudo começou
Quando de uma vez por todas
A poesia passou
A ser minha companheira.
E pela vida inteira
Há de me acompanhar
E assim eu vou cantando
Divertindo e alegrando
Quem quiser me escutar.
(Autor: Marcos Mairton da Silva)
(Do Livro "Uma sentença, uma aventura e uma vergonha; e outras poesias de cordel").
BlogBlogs.Com.Br
Olá Marcos!
ResponderExcluirSou estudante de Letras e o meu trabalho de conclusão de curso (TCC)será sobre Cordel com base no folheto de sua autoria: "Uma visita inesperada", que é maravilhoso! Gostaria muito de obter informações sobre a sua biografia e sobre o seu livro: "Uma sentença, uma aventura e uma vergonha; e outras poesias de cordel". Ficarei muito grata se puder me ajudar.
Andréa Biron
e-mail: andreabiron@uol.com.br
parabéns, Marcos!
ResponderExcluireu sou poeta, cantador, repentista, compositor e,lógico, cordelista,
gostei muito do seu trabalho,
sucesso
abraço
Ismael Pereira
Olá rapaz gostei muito do seu blog. Estou querendo fazer um projeto de divulgaçào da literatura de cordel em alguma comunidade em Sampa. Queria converasr contigo. Meu email é kellydibertolli@hotmail.com. Me mande seu telefone ou uma maneira de nos falarmos. bjs
ResponderExcluirKelly
Não te vejo declamando/
ResponderExcluirTeus versos que contagia/
Pois tua voz tem magia/
Seja falando ou cantando/
Quem houve fica escutando/
Numa roda em cantoria/
Todos presente aprecia/
Teu crânio de rima é cheio/
Eu não escuto mas leio/
Tuas obras em poesias./
*************************
//Anizio, 03/04/2010