quarta-feira, 18 de agosto de 2010

Cordel na Sala de Aula


ARIEVALDO VIANA E O PROJETO
"ACORDA CORDEL NA SALA DE AULA"
Depois de dez anos que iniciou o projeto “Acorda Cordel na Sala de Aula”, o poeta popular e xilogravurista Arievaldo Viana pode ver o seu trabalho sendo aplaudido em diversos municípios do Brasil, além de presenciar uma nova fase vivida pela literatura de cordel, que passou a ter o apoio de políticas públicas e o reconhecimento da importância do gênero como ferramenta de auxílio no processo de alfabetização

Por Bezerra Neto, especial para Nordeste VinteUm
Ilustração: Arievaldo Viana



“Eu morava em uma localidade no interior de Quixeramobim, onde não existia energia elétrica, nem acesso à televisão ou rádios. Assim, para divertir os netos, minha avó lia folhetos de cordel todos os dias depois dos afazeres domésticos, à luz da lamparina”. Assim, Arievaldo Viana, descreve com um semblante que transparece orgulho e gratidão, a forma como ele fora alfabetizado pela avó, Alzira de Sousa Lima, com a ajuda fundamental da literatura de cordel, isso ainda no começo da década de 70 do século passado, quando Arievaldo tinha por volta dos seis anos de idade.

Não demorou muito para o neto de dona Alzira, que detém memória privilegiada, se transformar na principal atração da localidade onde morava e onde o avô, Manoel Lima, dono de uma bodega, o colocava em cima do balcão para ele contar em verso “As proezas de João Grilo” ou a “Chegada de Lampião ao Inferno”, enquanto a clientela do avô se divertia.

A criança cresceu e hoje o reconhecido poeta popular, radialista, ilustrador e publicitário, Arievaldo Viana diz não imaginar na época que a avó estava plantando uma semente hoje colhida em diversas salas de aula de todo o Brasil. Sabendo da importância do cordel no processo de alfabetização, Arievaldo há dez anos vem disseminando o projeto “Acorda Cordel na Sala de Aula”, que busca a revitalização e utilização do gênero como ferramenta paradidática na alfabetização de crianças, jovens e adultos, além de sua utilização nas classes do ensino fundamental e médio.

O projeto de Arievaldo foi pioneiro e já foi apresentado em diversos Estados do Brasil, como Tocantins, Acre, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco, Rio de Janeiro, Ceará, Minas Gerais e São Paulo, entre outros. A forma é simples. Como ainda não faz parte da grade curricular das escolas, Arievaldo teve a ideia de levar o cordel às salas de aula através de palestras e oficinas que são realizadas em escolas que adotam o “kit”, formado por uma caixa contendo 12 folhetos de cordel de diversos autores, o livro principal que explica o projeto e ensina como se fazer um cordel e, finalmente, um CD com 10 poemas e canções interpretados pelo autor e cantadores como Mestre Azulão, Geraldo Amâncio, Zé Maria de Fortaleza e Judivan Macêdo.

Nos folhetos que acompanham o kit, podem ser vistos diversos trabalhos já reconhecidos de autoria de poetas contemporâneos bem como de nomes tidos e havidos como clássicos da literatura de cordel, como por exemplo: “As proezas de João Grilo”, de João Ferreira de Lima; “D. Quixote de La Mancha”, adaptação de Stélio Torquato Lima; “A lenda da Ilha amarela”, de Antônio Francisco; “O Justiceiro”, de Rouxinol do Rinaré; “A noiva do Gato”, de Leandro Gomes de Barros, além dos folhetos do próprio Arievaldo, como “A história Completa do Navegador João de Calais” e “O Casamento do Morcego com a Catita”.

O cordel e a leitura da realidade defendida por paulo freire

O cordel, apesar da resistência de alguns pedagogos, constitui uma importante ferramenta de auxílio na Educação, principalmente no Nordeste, onde a linguagem e o cenário utilizado nos folhetos são reflexos da cultura nordestina. Arievaldo, em um texto que faz parte do Livro “Acorda Cordel Na Sala de Aula”, lembra que Paulo Freire já defendia que o aluno precisa ler sobre coisas que fazem parte da sua realidade, e o cordel traz essa realidade.

É comum encontrar nordestinos que tiveram o primeiro contato com os grandes mestres da literatura mundial através de adaptações para o cordel, como é o caso do “Romance de um Sentenciado”, do paraibano João Martins de Athayde, que nada mais é do que a adaptação do clássico “O Conde de Monte Cristo”. Arievaldo confessa que até mesmo na literatura brasileira, como o romance “Iracema”, do cearense José de Alencar, foi lido por ele primeiramente em uma adaptação para o folheto de cordel.

Segundo dados do IBGE, no inicio do século XX, entre 1900 e 1920, mais de 85% da população nordestina era analfabeta. Porém, nessa mesma época o cordelista João Martins de Athayde vendeu mais de 100 mil folhetos do “Pavão Misterioso” em apenas seis meses. Arievaldo Viana acredita que essa foi a época em que o nordestino mais leu, apesar dos altos índices de analfabetismo, pois o cordel tinha o poder de massificação dentro dessa camada social. “O analfabeto, mesmo sem saber ler, fazia questão de ir às feiras comprar o cordel e levar para um vizinho ou um parente que era alfabetizado ler para toda a família. Assim, ficava aquela roda de pessoas prestando atenção nas histórias e desventuras trazidas pela literatura de Cordel”, ressaltou.

O sucesso do projeto capitaneado por Arievaldo é digno de nota. Já foram vendidos cerca de 10 mil folhetos, 5 mil CDs e o livro “Acorda Cordel na Sala de Aula” já está na segunda edição, tendo cerca de 4 mil exemplares vendidos. Todo esse material é levado para distribuição durante as palestras e oficinas ministradas por Arievaldo, além do trabalho de capacitação para os professores que passarão a adotar o material. “Geralmente quando um município ou uma escola adquire o kit eu vou para esse local para realizar uma oficina ou uma palestra para mostrar qual a melhor forma de se utilizar o cordel no processo de alfabetização”, disse.

Uma ferramenta poderosa no processo de educaCAo que chega ao MEC

Segundo a pedagoga Isly Aguiar, o cordel pode sim ser uma ferramenta bem poderosa de auxílio na educação, principalmente por ser algo que prende a atenção das crianças e jovens, em linguagem de fácil compreensão, mas também é preciso ser utilizado de forma correta, sabendo escolher os cordéis adequados. Um indicativo de que a fórmula lançada por Arievaldo deu certo está na constatação de que depois que ele divulgou o “Acorda Cordel na Sala de Aula”, outros inúmeros projetos semelhantes foram lançados, como a “Caravana do Cordel”, realizada por um grupo de nordestinos que moram em São Paulo.

Com a experiência que adquiriu levando o seu projeto para diversas localidades do Brasil, Arievaldo ressalta que a receptividade dos alunos é a melhor possível. “As oficinas são muito proveitosas. Eu me recordo que depois de realizar um trabalho no município de Milhã, no Ceará, saí de lá deixando dois cordelistas formados. Eram dois alunos que tinham talento, verdadeiros poetas, mas não sabiam as técnicas do verso cordeliano”, lembrou Arievaldo.

O Cordel vem ganhando espaço dentro do Ministério da Educação (MEC), prova disso é que desde 2005 o Programa Nacional da Biblioteca Escolar vem adquirindo livros da literatura de Cordel para que esses possam fazer parte do acervo das escolas. Para que isso se tornasse possível, vários cordelistas tiveram que encaixar os seus trabalhos dentro dos parâmetros exigidos pelo MEC. Assim, os folhetos ganharam outra roupagem, mas sempre preservando a originalidade e as características do texto de cordel.

Livros de Arievaldo como “A Raposa e o Cancão”, da editora Imeph, e “A Ambição de Macbeth e a Maldade Feminina”, editora Cortez, são exemplos de trabalhos adotados pelo MEC. “O Bicho Folharal”, também de Arievaldo Viana, com ilustrações feitas por Jô Oliveira, é outro exemplo de paradidático todo feito na linguagem do cordel, mas dentro dos padrões do MEC, sendo direcionado ao público infantil, que esteja iniciando o processo de alfabetização.

Para o poeta Arievaldo Viana “o Cordel hoje está sendo respeitado e reconhecido no Brasil inteiro como uma literatura, como uma escola literária e não apenas como peça folclórica, algo que era visto de forma discriminada ou como uma poesia menor”. São cerca de 16 editoras que trabalham com o cordel.

Prêmio Mais Cultura de Literatura de Cordel

No dia 8 de junho, foi lançado no auditório do Centro Cultural o Banco do Nordeste, em Juazeiro do Norte, o Edital “Mais Cultura de Literatura de Cordel – Edição Patativa do Assaré”. Esse concurso irá premiar 200 iniciativas culturais vinculadas à criação e produção, pesquisa, formação e difusão da Literatura de Cordel e linguagens afins. As inscrições irão até 30 de julho e as premiações somam R$ 3 milhões. O edital faz parte de uma série de compromissos que o presidente Lula e o Ministro da Cultura, Juca Ferreira, assumiram desde maio de 2009, durante o I Encontro de Cordelistas Nordestinos em Brasília. Na ocasião foi entregue ao presidente uma pauta com 12 itens fundamentais para a cultura do cordel, como por exemplo, o reconhecimento da Literatura de Cordel e do Repente Nordestino como Patrimônio Cultural Imaterial do Brasil e, também, o reconhecimento da profissão de poeta popular.


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