quinta-feira, 5 de agosto de 2010

Prêmio Mais Cultura de Literatura de Cordel 2010

Literatura de cordel resiste, ganha respeito e até festival do governo

Para melhorar, começa a entrar nas escolas
Ana Clara Brant


Um fogo de monturo. Aquele fogo que nunca se apaga, e que por mais que você tente, a chama mantém-se acesa por muito tempo. “O monturo é um monte de lixo orgânico que resiste bastante. Quando você o queima, por mais que se esforce para apagá-lo, ele permanece ali. E é exatamente assim que eu vejo o cordel. Às vezes, ele não está tão em evidência, ou seja, as chamas não estão altas, mas nunca está em decadência. Aquele fogo, por menor que seja, está sempre ali. Vivo.” A definição do cordelista, escritor e poeta João Bosco Bezerra Bonfim sobre a literatura de cordel é (1) mais do que apropriada. Com origens que remontam aos tempos medievais, o cordel perdura há séculos e foi se modernizando ao longo do tempo, sem perder a essência.




Barros: considerado o primeiro escritor de literatura de cordel do país

Está presente nas cantorias dos repentistas — até por sua característica de oralidade —, no cinema, no teatro e até as universidades têm voltado seus olhos para essa manifestação, que apesar das raízes europeias, é tão brasileira, e sobretudo, nordestina como explica a mestranda em literatura pela Universidade de Brasília (UnB) Bruna Paiva de Lucena, que se prepara para defender uma tdissertação sobre o tema: Espaços em disputa: o cordel e o campo literário brasileiro.

As conquistas dos cordelistas são grandes, mas ainda há muito o que fazer. No começo deste ano, a profissão foi regulamentada, e, atendendo a uma solicitação desses poetas, pela primeira vez, o Ministério da Cultura está realizando o I Prêmio mais cultura de literatura de cordel — Edição Patativa do Assaré (2), que vai contemplar 200 projetos, com investimento total de R$ 3 milhões. As inscrições vão até o dia 14. “Nossa literatura vem ganhando espaço, sem dúvida. Acredito até que, hoje, apesar de termos muitos repentistas, especialmente aqui em Brasília, o cordel está mais em ascenção do que o próprio repente”, opina Chico de Assis, presidente da Associação de Cantadores, Repentistas e escritores populares do Distrito Federal e Entorno.


Ele, também um cordelista, acredita que esse gênero da literatura atrai por sua forma mágica de dramaticidade por meio da rima e da métrica, e pela facilidade na leitura. “Tanto é que livros tradicionais e clássicos da literatura estão ganhando formatos em cordel. Isso está cada vez mais comum. Justamente pelo uso de rimas. Tudo isso facilita a leitura, sobretudo para quem está iniciando na alfabetização”, defende Chico, que acaba de lançar um portal sobre o tema (www.derepenteocordel.com.br).


O cearense João Bosco Bezerra Bonfim, que é autor entre outros livros, do cordel O romance do vaqueiro voador, transformado em filme, é outro que destaca o papel do cordel no processo de alfabetização infantil, já que cada vez mais, ele tem sido utilizado na sala de aula. “Por muito tempo, o cordel foi marginalizado e, aos poucos, está começando a ser valorizado. Isso faz parte de sua modernização, especialmente agora que está sendo levado para as escolas”, acredita.


Leitura fácil


Já para o pernambucano radicado em Brasília Jô Oliveira, um dos mais conceituados ilustradores de obras em cordel, está cada vez mais raro encontrar esse tipo de literatura em feiras ou livrarias, e que o caminho realmente vai ser as escolas. “A salvação do cordel está na sala de aula. Não se compra mais tanto cordel, como antigamente. Mas como tem uma leitura agradável e fácil de ser decorada, com rimas, desperta o interesse da garotada. É sem dúvida um incentivador e um facilitador da leitura”, comenta.


Por falar em ilustrações, a xilogravura (arte e técnica de fazer gravuras em relevo sobre madeira), e o cordel sempre foram bastante associados, apesar de alguns defenderem que um e outro não são como unha e carne. Segundo o poeta João Bosco Bezerra Bonfim , não existe a obrigatoriedade de um livro em cordel ter ilustrações em xilogravura e explica porque um ficou tão ligado ao outro. “Antigamente, era muito caro desenvolver uma capa com fotografia e descobriram uma técnica mais barata que é justamente fazer essa figura em madeira, a xilogravura. E foi ficando bacana, esse preto no branco, o que acabou ocorrendo justamente na época de ouro do cordel. Por isso, eles ficaram tão associados. Mas os poemas podem ser ilustrados de várias maneiras. Hoje temos ilustrações cada vez mais coloridas no livros de cordel, e não mais o preto e branco como era antes. Mudam os meios de produção, então muda a forma de se fazer e ilustrar o cordel. A xilogravura não é obrigatória, mas acabou ficando”, frisa


Porém, o ilustrador Jô Oliveira não consegue visualizar um poema de cordel sem a xilogravura. Ele conta, que muitos cordelistas utilizavam a reprodução de fotografia nas capas dos livros e com o passar do tempo, resolveram se apropriar da madeira para fazer as gravuras, que era uma tecnologia disponível e barata. “Desde então, essa gravura reproduzida na madeira acabou sendo associada ao cordel e os xilógrafos passaram a ter um papel muito especial nesse contexto. Não há como pensar um sem o outro”, salienta.


Se há divergências nesse aspecto, em um ponto há unanimidade. O fascínio e o encantamento que esse tipo de poesia provoca nos leitores. O poeta e cordelista pernambucano Gérson Santos diz que, mesmo com a mudança da temática dos cordelistas ao longo dos anos, que deixaram de abordar as histórias de Lampião e os “causos heróicos”, e passaram a privilegiar assuntos educativos e sociais, a sua identidade foi preservada. “O jeito de escrevê-lo não foi alterado. As rimas, a comicidade, a maneira lúdica com que ele é feito ainda atraem muita gente. Independente do que se está abordando”, lembra.


De acordo com João Bosco Bezerra, o fato de o cordel transitar entre o fantástico e o sobrenatural também faz dele algo excepcional e, justamente por isso, nunca deixará de conquistar gerações. “Quando decidi escrever meu primeiro livro, que foi justamente O romance do vaqueiro voador, eu não queria tratar essa narrativa em prosa, porque acho que tiraria o impacto que ela merece. Queria algo que pairasse nesse universo entre a reportagem e o fantástico; a notícia absoluta e a possibilidade de ter sido invenção. Esse ar de mistério. O cordel negocia com as emoções, com a identidade, com a história, a fantasia. É isso que o faz tão único”, resume.


1 - Nas cordas


É um tipo de poesia popular, originalmente oral, e depois impressa em folhetos rústicos ou outra qualidade de papel, expostos para venda pendurados em cordas ou cordéis, o que deu origem ao nome. Foram os portugueses que introduziram o cordel no Brasil e foi no Nordeste que ele acabou se tornando mais popular. O cordel mais tradicional é a sextilha, ou seja, estrofe de seis versos de sete sílabas, sendo que o segundo verso rima com a quarto, e este com o sexto.


2 - Incentivo


O prêmio, cujas inscrições foram prorrogadas até 14 de agosto, vai selecionar 200 iniciativas culturais vinculadas à criação e produção, pesquisa, formação e difusão da Literatura de Cordel e linguagens afins, com premiação total de R$ 3 milhões. Os projetos podem ser em formato de evento (festivais, mostras, de shows e espetáculos, feiras, etc.) ou de produto cultural (como jornais, revistas, programas de rádios e sites, entre outros). Informações: http://www.cultura.gov.br/ ou mais.cultura.gov.br .

Veja a matéria completa no link do Correio Braziliense:
http://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia182/2010/08/05/diversaoearte,i=206095/A+LITERATURA+DE+CORDEL+RESISTE+GANHA+RESPEITO+E+ATE+FESTIVAL+DO+GOVERNO.shtml

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