domingo, 8 de março de 2009

CORDEL & COTIDIANO

Imagem obtida em http://matheusfelini.com/.../2009/01/onibus-lotado.jpg

POESIA RECEBIDA

A poesia abaixo chegou ao Mundo Cordel em forma de comentário enviado pelo leitor Aluisio Dutra, de Patu-RN. Mas, uma obra dessas tinha que vir para a página principal!


VIAJAR EM "PINGA-PINGA"

Poeta Zé Bezerra

Patu-RN

-

O ônibus é um transporte

Que no trânsito é referência

A maioria do povo

A ele dá preferência

Mas se é um "pinga-pinga"

É preciso paciência.

-

Ele para em todo canto

o seu trajeto é assim

Para na pista, no beco

Em rua, praça e jardim

Mesmo uma distância curta

Parece que não tem fim.

-

Em todo lugar que passa

Desce gente, sobe gente

Há uns que conversam muito

Outros dormem facilmente

E vez por outra de leve

Escapa um ar diferente.

-

Aqueles que roncam muito

Tendo o corpo adormecido

Ao se mexer na cadeira

Escapa um "pum" espremido

Cuja fragrância é igual

Desodorante vencido.

-

Um canta e outro aboia

Um assovia, outro grita

Um bêbado fala besteira

Uma criança vomita

E um velho ressona alto

Que o canto da boca apita.

-

Se vão dez ou doze em pé

Ao passar por um buraco

O solavanco é tão grande

Que desmaia quem é fraco

Mas o pior é o bafo

Da catinga de sovaco.

-

Precisa manter a calma

Sem pra nada está ligando

Procurar se entreter

Sem ver o tempo passando

Para aguentar o ônibus

Parando de vez em quando.

-

Quem não quer sofrer maçada

E por qualquer coisa xinga

Para evitar desconforto

De imprensado ou catinga

Vá direto em seu carrão

Ou viaje de avião

Mas não vá em "pinga-pinga"

quinta-feira, 5 de março de 2009

100 anos de Patativa Assaré



CENTENÁRIO DE PATATIVA DO ASSARÉ
Neste dia tão importante, relembro o episódio da "Secretária Eletrônica", que publiquei em meu livro "Uma sentença, uma aventura e uma vergonha", no qual recebo um recado imaginário de Patativa:
SECRETÁRIA ELETRÔNICA

Um dia comprei uma secretária eletrônica, e logo veio a idéia de deixar a mensagem em versos. Comecei com o próprio número do telefone e fui distribuindo a mensagem pelos dez versos de sete sílabas, como até hoje gosto de fazer. E a mensagem ficou assim:

Você ligou dois, dois, nove,
Nove, oito, zero, sete.
Como não posso atender
Deixo esta fita cassete
Para gravar o seu nome
E também seu telefone
Nesse meio digital
Por favor dê seu recado
Falando bem compassado
Logo depois do sinal.

Só que, desde o dia em que gravei a mensagem, fiquei imaginando o que aconteceria se Patativa do Assaré me telefonasse e se deparasse com aquela gravação.
É claro que isso era mera fantasia, pois, embora ainda fosse vivo naquela época, Patativa não me conhecia, nem teria qualquer motivo para ligar para minha casa. Talvez nem gostasse de telefonar.
Mas, de tanto pensar no telefonema de Patativa, acabei imaginando sua resposta:

Amigo a sua mensagem
Ficou muito interessante
Deu vida à máquina fria
Fez dela um ser palpitante.
Vou lhe dizer o meu nome
E logo o meu telefone
Você vai saber qual é.
Falando bem compassado
Como foi recomendado
Patativa do Assaré.
---***---
É bom não esquecer Patativa do Assaré
Roberto Guedes


O medo de que o transcurso, hoje, do centenário de nascimento do saudoso poeta Patativa do Assaré passe muito em branco na imprensa potiguar me força a marcar minha presença entre seus admiradores e a compartilhar esse sentimento com os leitores da coluna nesta quinta-feira. Enquanto os cantores, compositores e sanfoneiros Dominguinhos e Waldônys, os maiores discípulos de Luiz Gonzaga, o Rei do Baião, viajam para Assaré, no Ceará, a fim de homenagearem ali o grande nordestino que foi Patativa, compartilho com os amigos leitores um texto que encontrei há tempos na Internet, registrando um aniversário do poeta em vida. Venho namorando com esta biografia há muito tempo, e hoje finalmente posso divulgá-la achando que estou cumprindo o dever. Encimado pelo título “Patativa do Assaré e seus 90 verões de gorjeio poético”, este é o texto: As penas plúmbeas, as asas e cauda pretas da patativa, pássaro de canto enternecedor que habita as caatingas e matas do Nordeste brasileiro, batizaram poeta Antônio Gonçalves da Silva, conhecido em todo o Brasil como Patativa do Assaré, referência ao município que nasceu. Analfabeto "sem saber as letra onde mora ", como diz num de seus poemas, sua projeção em todo o Brasil se iniciou na década de 50, a partir da regravação de "Triste Partida", toada de retirante gravada por Luiz Gonzaga. Filho do agricultor Pedro Gonçalves da Silva e de Maria Pereira da Silva, Patativa do Assaré veio ao mundo no dia 9 de março de 1909. Criado num ambiente de roça, na Serra de Santana, próximo a Assaré , seu pai morrera quando tinha apenas oito anos legando aos seus filhos Antônio, José, Pedro, Joaquim, e Maria o ofício da enxada, "arrastar cobra pros pés" , como se diz no sertão. A sua vocação de poeta, cantador da existência e cronista das mazelas do mundo despertou cedo, aos cinco anos já exercitava seu versejar. A mesma infância que lhe testemunhou os primeiros versos presenciaria a perda da visão direita, em decorrência de uma doença, segundo ele, chamada "mal d’olhos". Sua verve poética serviu para a denunciar injustiças sociais, propagando sempre a consciência e a perseverança do povo nordestino que sobrevive e dá sinais de bravura ao resistir ao condições climáticas e políticas desfavoráveis. A esse fato se refere a estrofe da música Cabra da Peste:
"Eu sou de uma terra que o povo padece
Mas não esmorece e procura vencer.
Da terra querida, que a linda cabocla
De riso na boca zomba no sofrê
Não nego meu sangue, não nego meu nome.
Olho para a fome , pergunto: que há?
Eu sou brasileiro, filho do Nordeste,
Sou cabra da Peste, sou do Ceará.
"Embora tivesse facilidade para fazer versos desde menino, a Patativa do município de Assaré, no Vale do Cariri, nunca quis ganhar a vida em cima do seu dom de poeta. Mesmo tendo feito shows pelo Sul do país, quando foi mostrado ao grande público por Fagner em finais da década de 70, até hoje se considera o mesmo camponês humilde e mora no mesmo torrão natal onde nasceu, no seu pedaço de terra na Serra de Santana. Do Vale do Cariri, que compreende o Sul do Ceará e parte Oeste da Paraíba, muitas famílias migraram para outras regiões do Brasil. A própria família Gonçalves , da qual faz parte o poeta, se largou do Crato , de Assaré e circunvizinhanças para o Sul da Bahia, em busca do dinheiro fácil do cacau, nas décadas de 20 e 30. Seus livros foram publicados ocasionalmente por pesquisadores e músicos amigos e, parceria com pequenos selos tipográficos e hoje são relíquias para os colecionadores da literatura nordestina. A estreia do vate cearense em vinil se deu no ano de 1979, quando gravou o LP "Poemas e Canções", lançado pela CBS . As gravações foram realizadas em recital no Teatro José de Alencar, em Fortaleza. Cantando para seu povo brincou poeticamente com o fato de estar sendo gravado em disco na abertura A dor Gravada:
"Gravador que está gravando
Aqui no nosso ambiente
Tu gravas a minha voz,
O meu verso e o meu repente
Mas gravador tu não gravas
A dor que meu peito sente".
O recital fez parte de uma revisão cultural que a nova classe intelectual ligada à música e ao cinema faz sobre o obra dos grandes poetas populares cearenses como Cego Oliveira, Ascenso Ferreira e o próprio Patativa. Artistas como Fagner , o cineasta Rosemberg Cariri e outros, se encarregaram de produzir em vídeo e película documentários com finalidade de registrar ar um pouco da cultura em seu molde mais genuíno. Do mesmo disco é a destemida Senhor Doutor, que em pleno governo do general Ernesto Geisel falava em baixos salários numa posição de afronta em relação à situação da elite, representada pela figura do doutor. Assim vocifera o bardo do Assaré, com seu ressonante gogó:
"Sinhô Dotô não se enfade
Vá guardando essa verdade
E pode crê, sou aquele operário
Que ganha um pobre salário
Que não dá para comer."
Após a gravação do primeiro LP o recitador , fez uma série de shows com seu discípulo Fagner . Em 81 a apresentação da dupla no Festival de Verão do Guarujá ganha ampla repercussão na imprensa. Nesta mesma ocasião gravou seu segundo LP "A Terra é Naturá", também pela CBS. Patativa sempre cantou as saudades da sua terra, embora não tenha deixado o seu Cariri no último pau-de-arara, como diz a letra. Seu lamento arrastado e monocórdico acalanta os que se retiraram e serve de ombro aos que ficam. A toada-aboio "Vaca Estrela e Boi Fubá" que narra a saudade da terra natal e do gado foi o sucesso do disco em versão gravada por Fagner no LP "Raimundo Fagner", de 1980.
"Eu sou filho do Nordeste, não nego o meu naturá
Mas uma seca medonha me tangeu de lá pra cá
Lá eu tinha o meu gadinho, num é bom nem imaginar
Minha linda Vaca Estrela e o meu belo Boi Fubá.
Quando era de tardezinha eu começava a aboiar".
Outro ponto alto do disco "A Terra é Naturá" que foi lançado em CD pela 97 é a poesia Antônio Conselheiro que narra a saga do messiânico desde os dias iniciais em Quixeramobim, no Ceará até o combate final no Arraial de Belo Monte, na Fazenda Canudos, em 1897. Patativa, como muitos dos cantadores, registram na memória as histórias que boiam no leito da tradição oral, contadas aqui e ali, reproduzidas pelos violeiros e pelos cordéis. "A Terra é Naturá" foi produzido por Fagner , tendo o cineasta Rosemberg Cariri entrado como assistente de produção artística. O acompanhamento é feito por Manassés, músico especialista em violas que se revelou juntamente com o Pessoal do Ceará, e pelo violonista Nonato Luiz, violonista de mão cheia. A presença do rabequeiro Cego Oliveira, fazendo o introdutório das músicas ajuda a consolidar a reputação de indispensável ao LP. O lirismo dos versos de Mãe Preta, poema dedicado à sua mãe de criação cuja morte é narrada em versos contundentes e simplórios ao mesmo tempo, apresenta uma densidade poética que só os que cantam com pureza d'alma atingem.
"Mamãe, com muito carinho,
chorando um beijo me deu
E me disse: meu filhinho,
sua Mãe Preta morreu.
E outras coisa me dizendo,
senti meu corpo tremendo,
Me considerei um réu.
Perdi da vida o prazer,
Com vontade de morrer
pra ver Mãe Preta no céu"
Depois desse disco, Patativa voltou para o seu roçado na Serra de Santana, em Assaré. De lá saía esporadicamente para alguns recitais mas é no seu pé-de-serra, que recebe a inspiração poética. Em 9 de março de 1994, o poeta completou 85 verões e foi homenageado com o LP "Patativa do Assaré - 85 Anos de Poesia", sendo este seu mais recente lançamento, com participação das duplas de repentistas Ivanildo Vila Nova e Geraldo Amâncio e Otacílio Batista e Oliveira de Panelas. Como narrador do progresso nos meios de comunicação expôs em Presente Disagradável suas convicções autênticas, sobre o aparelho de televisão:
"Toda vez que eu ligo ele
No chafurdo das novela
Vejo logo os papo é feio
Vejo o maior tumaré
Com a briga das mulhé
Querendo os marido alheio
Do que adianta ter fama?
Ter curso de Faculdade?
Mode apresentar programa
Com tanta imoralidade!"

domingo, 1 de março de 2009

Mudanças no Blog



MUNDO CORDEL DE CARA NOVA

Os leitores mais assíduos e atentos devem ter percebido as mudanças de Mundo Cordel. As mais significativas foram a própria mudança do modelo, que, dentre outras coisas levou a barra lateral da esquerda para a direito e aumentou sua largura, permitindo maior mobilidade na inclusão de gadgets. Também incluí lista de seguidores e dei maior destaque aos vídeos. Espero que todos gostem das alterações.

Fecho o post deste domingo com a letra da música "Escravos do Sistema", de minha autoria, interpretada pelo Projeto Enxofre no vídeo acima.

ESCRAVOS DO SISTEMA

Falado: Não exija que eu tenha livre arbítrio. Não reclame se eu não tomo a decisão. E não me diga que você é que é forte, que você nunca temeu uma situação. Você reclama, achando que é independente, que você é diferente, que decide a sua sina. O que nós somos eu vou lhe dizer agora, por favor não fale nada antes que he chegue a hora.

Nós não temos o direito

De pensar nem de querer

Nem escolher nosso prazer.

Nós não podemos exercer nossa vontade,

Nós não temos nem vontade pra exercer.

Somos robôs, sujeitos alienados,

Animais domesticados, os escravos do sistema.

Representantes de uma classe em expansão

Que vê na televisão a solução pros seus problemas.

Nós não queremos nada! Não pensamos nada!

Ele pensa por nós!

Nós não queremos nada! Não pensamos nada!

O sistema, ele é quem manda em nós!

quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

Cordel e Doutorado



"O ADVOGADO, O DIABO E A BENGALA ENCANTADA" estudado em tese de doutorado


Tive uma surpresa agradável neste carnaval. Estava vasculhando a Web quando descobri que meu cordel "O advogado, o diabo e a bengala encantada" foi um dos analisados pelo Professor ANTONIO CARLOS FERREIRA LIMA em sua tese de doutoramento em Literatura Brasileira, pela Universidade Federal de Alagoas.

Esse cordel é danado: primeiro foram os estudantes da UNIFOR que o transformaram em radionovela. Agora tornou-se objeto de estudos em nível de doutorado, o que me enche mais uma vez de orgulho e alegria.

Bem, o trabalho tem como título “A permanência do ciclo místico-religioso na literatura de cordel e suas correlações com os níveis de construção textual”, e tira suas conclusões a partir da análise de obras da literatura de cordel, relacionando-as com as sagradas escrituras e a religiosidade do nosso povo. Não conheço o Professor Antonio Carlos, mas desde já agradeço suas generosas palavras a respeito de minha obra. Segue, abaixo, trecho que a aborda. Pus "(...)" onde há transcrições do texto do cordel:


Nossa última poesia desse ciclo reúne vários elementos referidos acima. Em “O advogado, o diabo e a bengala encantada”, de Marcos Mairton da Silva, em folheto de dezesseis páginas, composto por cinquenta e sete setilhas setessilábicas, com rimas ABCBDDB, temos um diabo à procura de ajuda e compreensão. Insatisfeito por ter sido expulso do céu e se sentindo injustiçado, o diabo procura um advogado para tentar “melhorar sua imagem”, em troca promete-lhe fama e riqueza: (...).
A poesia de Mairton é duplamente surpreendente: primeiro, porque mostra uma faceta do diabo dificilmente encontrada na LC, pois, nunca se viu um diabo buscando reabilitação e justificando sua ação na terra. Porém, o que mais se destaca, é ódio por ter sido banido da corte celestial; segundo, pelo forte teor teológico, ao discorrer sobre temas delicados como “pecado” e “tentação” e ao dialogar com alguns textos bíblicos, tais como a primeira carta do apóstolo João (I Jo), o Apocalipse (Ap) e o livro do profeta Ezequiel (Ez).
Em I Jo. 3, 9 lemos: “Quem comete pecado é do diabo; porque o diabo peca desde o princípio. Para isto o Filho de Deus se manifestou: para destruir as obras do diabo”. O pecado do diabo foi ter desafiado o criador, “a intriga” e a “briga com o dono do céu” foi, de acordo com os textos canônicos, fruto do desejo de ser maior que Deus, de tomar-lhe o poder e de ser o centro da criação. Percebemos na narrativa poética quão bem o poeta se apropria do texto bíblico, para, numa releitura criativa, colocar a questão da queda do diabo na oposição a Deus, devido à inveja, pois Deus criara um paraíso para colocar neles seres humanos e não um “anjo tão preparado” quanto se imaginava Lúcifer. No livro do profeta Ezequiel, encontra-se parte da justificativa do diabo para contender com Deus pela primazia na terra: “Perfeito eras nos teus caminhos, desde o dia em que foste criado, até que em ti se achou a iniquidade (Ez.28,15)”, ou, como escreveu o poeta acima “Ele me criou perfeito”.
O que causou a queda de Satanás? Na Bíblia encontramos algumas respostas no livro de profeta Ezequiel (28,17): “Elevou-se o teu coração por causa da tua formosura, corrompeste a tua sabedoria por causa do teu resplendor; por terra te lancei [...]”; e, no livro do profeta Isaías também encontramos outr explicação para queda:
Como caíste do céu, ó estrela da amnhã, filha da alva! Como foste lançado por terra tu que prostravas as nações! E tu dizias no teu coração: eu subirei ao céu; acima das estrelas de Deus exaltarei o meu trono; e no monte da congregação me assentarei, nas extremidades do norte; subirei acima das alturas das nuvens, e serei semelhante ao Altíssimo (Is. 14, 12-14).
A soberba e a inveja levam os anjos, anteriormente perfeitos, a serem lançados na terra. Uma vez nela, sua função seria – como traduz o poeta – “incentivar os homens a se enterrar em seu próprio lamaçal”, ou seja, viverem uma vida de pecados, afastados de seu criador. A maneira pela qual Satanás intervém nos destinos da humanidade é chamada na Bíblia de tentação, e o protótipo da tentação demoníaca pode ser lido no Evangelho de Mateus (Mt 4,1), quando Jesus é levado em espírito ao deserto para ser tentado pelo diabo, que lhe faz doois pedidos para que prove ser o filho de Deus (transformar pedras em pães e se lançar do ponto mais alto do templo), no que é prontamente repreendido (“não só de pão vive o homem” e “não tentarás o senhor teu Deus”). Além da oferta de glória e riquezas, em troca de adoração, que é também rechaçada com veemência (Mt 4,10): “Para trás, Satanás, pois está escrito: Adorarás o Senhor teu Deus, e só a ele servirás”. Essa última oferta – poder e riquezas – vai aparecer como modelo de tática demoníaca ao longo da história, para subverter os caminhos do homem espiritual, cuja imersão no mundo dos prazeres materiais, que o dinheiro proporciona, se afastá-lo-ia cada vez mais dos caminhos que levam a Deus. Quando o diabo pede ao advogado que melhore sua imagem, pois já está cansado de ser “tão caluniado”, o que oferece em troca é justamente fama e riqueza para realizar os sonhos do homem comum: (...).
Todo o restante da poesia vai tratar das consequências desse pacto frustrado. Ao não aceitar a proposta do diabo, e ainda humilhá-lo, perdoando-o por não ter dinheiro para dividir a conta, tem início um duelo que culimna com a intervenção mágica do “padrinho Pe. Cícero”, que empresta seu bastão encantado (espécie de varinha de condão ou Excalibur), pondo fim ao combate, com a derrota do príncipe das trevas e de sua legião de demônios, e a consequente exaltação do advogado farrista, que pede àqueles que duvidarem da história que ‘liguem pro cão’ e confirmem a veracidade da mesma: (...).
Acreditamos que a variedade temática das poesias acima são suficientes para situar a abrangência do ciclo temático místico religioso da LC. Entretanto, não pretendemos, com o corpus apresentado, limitar ou esgotar a possibilidade de variações – que são incontáveis – dentro de um mesmo tema, já que o cordel se desenvolve em sintonia com o desenvolvimento da sociedade, traduzindo valores culturais e autalizando os anseios dos homens e mulheres de uma região nas diversas áreas da existência. E a fé, com todas as implicações que dela decorrem, faz parte desse universo atemporal, cantado na poesia de cordel, atingindo seu ápice nas poesias dedicadas aos queridos santos da devoção popular do Nordeste do país: Antonio Conselheiro, Pe. Cícero Romão Batista, Frei Damião de Bozzano e a Virgem das Dores.

(páginas 89 e seguintes).

quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009

Cordel e Língua Portuguesa

(peguei a imagem em http://blogdofavre.ig.com.br/2008/09/nova-ortografia-da-lingua-portuguesa/)
ALGUNS VERSOS SOBRE
O NOVO ACORDO ORTOGRÁFICO DA LÍNGUA PORTUGUESA


Semana passada estive em Recife, participando de um curso sobre o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa. No final, tinha que fazer um paper sobre o tema. Achei mais interessante fazer uns versos sobre o assunto.


O ACORDO ORTOGRÁFICO E AS MUDANÇAS NO PORTUGUÊS DO BRASIL

Com licença, meus amigos,
Quero falar com vocês
Sobre o que estão fazendo
Com o nosso português.
Eu não sei se é bom ou mau
Mas, Brasil e Portugal
Assinaram um tratado
Pra que em nossa ortografia,
Que é diferente hoje em dia,
Seja tudo unificado.

Moçambique, Cabo Verde,
Angola e Guiné-Bissau
Assinaram o acordo
Com Brasil e Portugal.
O Timor Leste também
Embarcou no mesmo trem
E andaram me dizendo
Que entrou até São Tomé,
Mas este, sendo quem é,
Eu só acredito vendo.

Eu sei é que para nós,
Do português-brasileiro,
O acordo entrou em vigor
A primeiro de janeiro.
E agora não tem jeito,
Reclamando ou satisfeito,
O que é preciso fazer
É estudar a reforma
Para conhecer a forma
Que nós temos que escrever.

Eu já soube, por exemplo,
Que acabaram com o trema
E, aliás, quanto a isso,
Não vejo o menor problema.
Pois pronunciar “frequência”,
“tranquilidade”, “sequência”
e até “ambiguidade”,
A gente foi aprendendo
Ouvindo e depois dizendo
Através da oralidade.

O “k”, o “y” e “w”
Entraram no alfabeto.
E quanto a isso eu achei
Que o acordo foi correto
Pois já tinha muita gente
Com nome bem diferente
No sertão do Ceará:
O Yuri e o Sidney,
Franklyn, Kelly e Helvesley,
Já usam essas letras lá.

Mais complicado é o hífen
Que ora tem, ora não.
Parece que há uma regra
Pra cada situação.
Em muitas ele caiu
Mas em algumas surgiu.
E, como a coisa complica,
Já falam em reunir
Mais gente pra discutir
Quando sai e quando fica.

Mas, parece que os problemas
Que vão incomodar mais
Vêm com a queda dos acentos
Ditos diferenciais.
Pólo, pêra, pêlo e pára
Ficam com a mesma cara
Pra sentidos diferentes.
Mas, de acordo com reforma,
“pôde”, “pôr”, “dêmos” e “forma”
São exceções existentes.

Tem muitas outras mudanças
Que ainda temos que estudar.
Permitam-me um conselho
Que agora quero lhes dar:
É bom ficar bem atentos
Para essa queda de acentos
Na escrita brasileira.
E quando for se sentar
Cuide pra ninguém tirar
O assento da cadeira.

Já chega de falar tanto
Sobre a língua portuguesa.
Vou pegar um avião
E voar pra Fortaleza.
Mas, antes desse percurso
Devo dizer que esse curso
Valeu mais que ouro em pó.
Tomara que o tratado
Seja também adotado
No país de Mossoró.

quinta-feira, 5 de fevereiro de 2009

Rock & Cordel

Da esquerda para a direita: Abimael Carvalho, Moisés Veloso, Marcos Mairton, Leo Carlos e Franzé Batera
(A foto foi obtida em http://picasaweb.google.com.br/rockcordel03/ProjetoEnxofre#. Clique no link para ver mais fotos)

PROJETO ENXOFRE NO ROCK CORDEL

Dia 31 de janeiro de 2009 a Banda Projeto Enxofre se apresentou no Rock Cordel, no Centro Cultural Banco do Nordeste, em Fortaleza. O nome do festival é bem escolhido, pois passaram por ali várias formas de manifestação cultural, umas mais ligadas ao rock, outras à cultura nordestina.

Não sei se o Projeto Enxofre era a única banda de rock que tinha um cordelista entre seus participantes (eu), mas fiquei feliz ao pisar no palco e lembrar que trafego pelas duas áreas.
Para ver o Projeto Enxofre interpretando a música "Sobrinho", de nossa autoria, clique aqui: http://www.youtube.com/watch?v=eOvwBdQBnzQ

Na abertura, declamei esse martelo:


Nesse espaço de arte e de cultura
Tem lugar pra guitarra e pro pandeiro
Repentista se encontra com roqueiro
Rock'n roll com xaxado se mistura.
Cada um chega aqui e logo procura
Cumprir com maestria seu papel.
Nessa torre que não é de Babel
É melhor você ir se preparando:
O Projeto Enxofre está chegando
Pra botar fogo no Rock Cordel!


terça-feira, 3 de fevereiro de 2009

Poesia de Mundim do Vale



POESIA LIMEIRIANA


Meu generoso amigo Mundim do Vale me enviou mais uma de suas obras. Dessa vez o tema é a carta escrita por Pero Vaz, quando do descobrimento do Brasil. Só que em uma versão limeiriana, que todo mundo sabe que era fantástico em rima e métrica, mas deixava a desejar na fidelidade aos fatos históricos. Afinal é de Zé Limeira a glosa que diz:


Pedro Álvares Cabral
Inventor do telefone
Começou tocar trombone
Na banda do Zé Leal.
Mas como tocava mal
Injeitou três instrumento
Jesus saiu lá de dento
Correndo atrás duma lebre
Quem for podre que se quebre
Diz o novo testamento.


Vejamos como ficou a carta limeiriana de Mundim do Vale. E obrigado, Mundim, por mais essa colaboração!


Carta de Pero Vaz segundo Zé Limeira

Mundim do Vale

Certa vez lá em Natal
Limeira tava cantando
Todo tempo misturando
Mossoró com Portugal.
Falava de carnaval
Numa casa de farinha,
Até que Zé de Ritinha
Perguntou: - Tu é perito?
Pois rime o que tava escrito
Na missiva de Caminha.

A carta:

Senhor rei de Portugal
Aos vinte e nove de abril
De um tronco de pau Brasil
Escrevo a carta real.
A viagem foi normal
Com as graças de Jesus
Que nos mostrou uma luz
Para uma ação pioneira.
Onde ergui sua bandeira
Na terra de Vera Cruz.

A terra aqui é tão boa
Que até já me acostumei
Confesso para o meu rei
Que já esqueci Lisboa.
A nativa sobe à toa
Na árvore pra chupar manga
Vestida só com uma tanga
Com o peito descoberto.
E a gente olha bem de perto
E a danada nem se zanga.

Não vou mais voltar aí
Pra não ter que trabalhar
Pois levo o tempo em pescar
E comer Índia tupy.
Vou ficar mesmo é aqui
Porque não sou abestado
Me esqueça no seu reinado
Que aqui tudo é maravilha.
Já comi até a filha
Do chefe Touro Deitado.

Tou fazendo um relatório
De tudo que acontece,
Dos índios fazendo prece
Na frente do oratório.
Já montei meu escritório
Na taba do feiticeiro,
Mas mande pena e tinteiro
E também papel paltado,
Que estou comprando fiado
A um cigano estradeiro.

Os índios querem adotar
O costume português.
O vício da embriagues
E a mania de trocar.
Não tenho como evitar
Essa permuta ilegal
Porque o próprio Cabral
Vive trocando arruela.
E até a índia mais bela
Já foi trocada por sal.

Quero também avisar
Pra meu rei tomar ciência
Que precisa providência
Urgente nesse lugar.
Os europeus vão chegar
Mudando a religião.
Vai chegar também ladrão
Para furtar à vontade,
Daí nasce a impunidade
Para a futura nação.

Chegou aqui um francês
Que é metido a bichinha
Ele esculhamba a rainha
E tudo quanto é português.
Aconteceu certa vez
Aqui no Monte Pascoal
Que ele assediou Cabral
Oferecendo o caneco.
Cabral quase teve um treco
Lá dentro do matagal.

Aqui já apareceu
O tal do esquentamento
Precisa medicamento
Que muita gente morreu.
Escute esse servo seu
Pra coisa não desandar,
A corte tem que mandar
Um médico para esse povo.
Eu mesmo já tou com um ovo
Em tempo de cozinhar.

Aqui já tem confusão
De índio com português
Já é a terceira vez
Que eu faço intervenção.
O nativo faz questão
De uma vida reservada,
Sem calçar nem vestir nada
E meu rei tem que entender
Que faz gosto a gente ver
Uma nativa pelada.

Prepare um navio cargueiro
Pra trazer equipamento,
Mande birô e acento
Pra seu fiel cavalheiro.
Eu passo um mês inteiro
Vivendo nesse sufoco
Recebendo muito pouco
Nessa minha sub-vida.
Já tou com a bunda doída
De viver sentado em toco.

O meu rei deve lembrar
Que a terra foi Deus que deu,
Depois vem o europeu
Querendo se apossar.
Os índios não vão gostar
Dessa perversa invasão
E vão entrar em questão
Mas não vão levar vantagem,
Porque somente a coragem
Não pode vencer canhão.

Não é bom meu rei mandar
Jogadores nem detentos
Pois esses maus elementos
Só servem para furtar.
É bom a corte cortar
O mal cheiro pela essência,
Pra não gerar descendência,
Dessa raça malfazeja.
Evitando que um esteja
Um dia na presidência.

Sei que vossa majestade
É o nosso rei soberano
Mas desenvolvi um plano
Pra essa comunidade.
Mostre a vossa autoridade
Agindo com inteligência,
Munido de coerência
E coragem de pra reinar,
Na hora de decretar
O ato da independência.

Se um dia meu rei vier
É melhor que venha só
Aqui se arranja xodó
Porque não falta mulher.
Índia não sabe o que quer
Nem manda botar baralho.
E pra findar meu trabalho
Assino na última linha.
Seu Pero Vaz de Caminha
Sarney Magalhães Barbalho.