CONSTRUÇÃO CORDEL: UM PENSAMENTO POÉTICO!
Um texto de Maviael Melo
Pescado do Jornal da Besta Fubana
Começo citando o Mestre Pinto do Monteiro:
“O Poeta é aquele que tira de onde não tem e coloca aonde não cabe”.
A - Assim como tem alguém
B - Que quando perde alguém chora
C - Também tem alguém que age
B - Quando um amor vai embora
D - Com a mesma simplicidade
B - Que um pingo d‘água se tóra
B - Que quando perde alguém chora
C - Também tem alguém que age
B - Quando um amor vai embora
D - Com a mesma simplicidade
B - Que um pingo d‘água se tóra
Manoel Filó
Nos versos acima, do mestre Filó, reafirmo Pinto pela grandeza do poeta em conseguir tirar de um pingo d’água, um choro, uma separação, um corte, uma saudade e colocá-los numa sextilha. É a nossa poesia popular tão bem representada por grandes Poetas, Cantadores e Cordelistas, que trazem com muita naturalidade os seus versos, criados a partir das paisagens vivenciadas em seus distintos espaços.
A liberdade dos poetas com as palavras, a relação dos autores com cada frase, é quase que matrimonial, no que se refere a proliferação de palavras, o surgimento de novos versos e novas imagens, e também personagens capazes de inventa-lás, como Odorico, por Dias Gomes, e Talqualmente: “… no véu da prilugumia”, do grande Poeta Zé Limeira, memorizado por Orlando Tejo, em Zé Limeira, O Poeta do Absurdo. Essa intimidade com as palavras é o que facilita a criação poética e o relacionamento com cada espaço é o que alimenta, dia-a-dia a formação de novas palavras e novos versos.
É nessa concepção que acreditamos se basear a construção poética do cordel, citando por exemplo uma sextilha aberta, onde se sabe que os versos pares rimam entre si (B), ficando os ímpares livres (A,C,D), a partir daí imaginar o que falar sobre o tema dado. No exemplo acima, o poeta descreve as reações diversas das pessoas na hora de uma partida, ele sai costurando os versos entre si, linha a linha com o tema, o que facilita o encontro das rimas, no caso o poeta descreve ver alguém chorando com a partida doutro alguém, (Assim como tem alguém que quando perde alguém chora), e ver alguém simplesmente sorrindo, ou até mesmo indiferente com a mesma partida, (Também tem alguém que age quando um amor vai embora), nos fazendo observar que tudo é simples demais, pois é da relação com a vida, e a vida é simples e natural. (Com a mesma simplicidade que um pingo d’água se tora).
Tem algo mais natural e simples que a vida? A ligação entre os versos é proporcional as imagens que têm cada poeta de seus respectivos espaços de vida. Se um poeta cordelista segue um contexto rural, convivendo com cores, cheiros, flores e sonhos quando chega uma chuva no seu chão, já vislumbra a safra, recordando o que passou, é natural que se diga:
O rio se excita e transborda
Com a bonança das chuvas
Seguindo e fazendo curvas
Num trovejar que o acorda
E um sertanejo recorda
Das agruras do passado
Já sente o solo molhado
Ver o vergel no baixio
O sertão está no cio
Querendo ser fecundado.
Com a bonança das chuvas
Seguindo e fazendo curvas
Num trovejar que o acorda
E um sertanejo recorda
Das agruras do passado
Já sente o solo molhado
Ver o vergel no baixio
O sertão está no cio
Querendo ser fecundado.
Como também natural será, se for esse poeta por temas urbanos, discorrer sobre um final de tarde em uma estação de metrô e nos diga:
Alguns homens falavam em segredo
Vendo o tempo passar numa janela
E a tristeza presente no enredo
Era a única certeza da querela
Argumentos saiam dentro dela
No silêncio de tantos dissabores
E a mistura de sons formavam dores
No sereno da noite que chegou
Na estação do meu verso o trem passou
Recolhendo os irmãos trabalhadores.
Vendo o tempo passar numa janela
E a tristeza presente no enredo
Era a única certeza da querela
Argumentos saiam dentro dela
No silêncio de tantos dissabores
E a mistura de sons formavam dores
No sereno da noite que chegou
Na estação do meu verso o trem passou
Recolhendo os irmãos trabalhadores.
É o conhecimento sobre o tema (recursos naturais intrísecos a cada poeta), a liberdade com as palavras, a utilização das técnicas que normalizam a literatura de cordel, que referencia a construção poética de cada um. Nem todo cordel é poesia.
Aqui nos temos de tudo
Feijão, farinha e cachaça
Tudo que você precisa
Tá no Mercado da praça
Mercearia do Povo
O nosso preço é de graça.
Feijão, farinha e cachaça
Tudo que você precisa
Tá no Mercado da praça
Mercearia do Povo
O nosso preço é de graça.
Na sextilha acima, o tema descreve um comercial de uma determinada loja. A Mercearia do Povo. É comum acharmos diversos cordéis de propagandas comerciais e/ou políticas, que não necessariamente são poesias. Cordelizar uma bula de remédio, é um cordel simplesmente. Descrever uma imagem vinda por palavras do coração, da alma, do desejo real que cada verso encontre o seu outro verso. Isso sim é poesia de cordel.
Enfim, a construção poética do cordel está na alma do poeta cordelista, no coração, na mente e evidentemente no traço particular de cada um. Uns traçam a saudade, as lutas, os mitos, os amores, o tempo, etc., outros traçam o tempo, os amores, os mitos, as lutas, as saudades, etc…, não necessariamente na mesma ordem ou no mesmo sentido. O formato de junção das palavras e a formação da ideia em cada verso é que diferencia essa construção, é natural perceber concepções distintas de diversos poetas sobre um mesmo tema.
Seguir uma linha de raciocínio, um ideia formada, um desejo de ser verso, letra a letra, palavra por palavra, verso por verso, tijolo por tijolo. A CONSTRUÇÃO!
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