GLOSA E MOTE DE LUÍS DE CAMÕES
Depois de pedir a benção de Dante Alighieri, não posso deixar de render homenagens ao grande português, em cuja obra encontram-se motes, glosas, redondilhas, oitavas e tantas outras formas que até hoje influenciam a literatura de cordel e o repente.
Vejamos, por exemplo, o mote:
De vós quererdes meu mal
Me vem podê-lo sofrer.
Mote duplo, em sete sílabas, em cuja glosa observar-se-á que o glosador faz duas estrofes, a primeira fechando com o primeiro verso e a segunda com o segundo. Faço esse destaque porque, em nossa literatura de cordel, é mais comum encontrarmos o mote duplo ocupando as duas últimas linhas de cada estrofe. Vamos à glosa de CAMÕES:
De tantas penas cercado
Gozo de um bem que já tive
Que o que me é menos pesado
É ponderar que ainda vive
Um amor tão mal pagado,
A causa deste tormento,
Sem vós, me fora mortal;
Daqui vem que, em dano tal,
Só tenho o contentamento
De vós quererdes meu mal.
De vós quererdes meu mal
Vem o querer esta vida,
Porque a dor de tal ferida,
Posto que em si é mortal,
Fica assi[m] menos sentida.
Eu tenho a dor desta pena
Que me vós fazeis querer,
E, posto que me condena,
De ver que se me ordena
Me vem podê-la sofrer.
E, pra quem ainda não sabia, ele também criava em castelhano. Vejamos o mote:
Ojos, herido me habéis,
Acabad ya de matarme;
Mas, muerto volved a mirarme,
Por que me resucitéis.
Pues me diste[i]s tal herida
Con gana de darme muerte,
El morir me es dulce suerte,
Pues con morir me dáis vida.
Ojos, ?qué os detenéis?
Acabad ya de matarme;
Mas, muerto, volved a mirarme,
Por que me resucitéis.
La llaga, cierto, ya es mía,
Aunque, ojos, vos no queráis;
Mas si la muerte me dáis,
El morir me es alegría.
Y así digo que acabéis,
Ojos, ya de matarme;
Mas, muerto, volved a mirarme,
Por que me resucitéis.
Leio essas maravilhas e fico feliz de ver como é rico o nosso cordel. Como tem história, valor, poesia... É preciso que as pessoas conheçam melhor a poesia, para aprender a dar valor a essa arte tão forte em nossa cultura.
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